A vida política interna do presidente norte-americano Joe Biden dificilmente podia correr pior: no meio de diversos atritos com o seu Partido Democrata e em constante confronto com a Câmara dos Representantes, a Casa Branca viu-se agora confrontada com a derrota do seu candidato nas eleições para governador da Virgínia.
Tal como vários analistas tinham antecipado, o candidato democrata, Terry McAuliffe, compagnon de route de Biden e de Barack Obama, não conseguiu impedir a vitória do republicano Glenn Youngkin. Mais a norte, em New Jersey, o governador incumbente democrata Phil Murphy demorou quase 24 horas após o fecho das urnas para conseguir declarar vitória sobre o republicano Jack Ciattarelli, apesar de ter uma vantagem teórica de um milhão de eleitores registados no seu partido.
E se o facto só por si já não é uma boa notícia para os democratas, a vitória republicana na Virgínia abre-lhes excelentes perspetivas para as eleições intercalares – que decorrerão precisamente dentro de um ano, em novembro de 2022, e irão mudar todos os 435 lugares da Câmara dos Representantes e cerca de um terço dos 100 lugares do Senado. Neste momento os democratas têm uma maioria muito ténue na Câmara (221-213, com um lugar vago) e estão em paridade com os republicanos no Senado, valendo-lhes o voto de qualidade do seu presidente - que é por inerência o vice-presidente dos Estados Unidos, no caso a vice-presidente Kamala Harris.
As eleições intercalares costumam ser tradicionalmente uma grande dor de cabeça para os presidentes em exercício. Foi assim com Barack Obama no seu último mandato, quando a nova maioria republicana de 2014 se ‘divertiu’ a bloquear uma parte substancial das políticas emanadas da Casa Branca; e também em 2018, quando Donald Trump se viu confrontado com uma Câmara dos Representantes de maioria democrata – apesar de os republicanos terem conseguido aumentar o número de lugares no Senado, o que de algum modo permitia compensar o equilíbrio de forças.
Mas, dentro de um ano, as intercalares terão outro ponto de interesse – com certeza o maior de todos: a auscultação da possibilidade de Trump regressar, dois anos volvidos (em 2024) à Casa Branca. Ao contrário do que é regra – os ex-presidentes costumam passar a ser uma espécie de diplomatas globais das opções estratégicas e do way of life norte-americano em todos os lugares do planeta onde haja quem os queira ouvir –Trump assumiu, primeiro sem muito ruído mas agora de forma clara, que é o líder da oposição a Biden.
O magnata do jogo e do imobiliário tem mantido a mira nas políticas da Casa Branca e não se coíbe de as comentar com enorme recorrência – seja nas redes sociais, seja na comunicação social tradicional –, mostrando clara vontade de se manter na primeira linha da guerrilha política interna. Biden não se pode queixar de ter sido apanhado de surpresa: Trump garantiu, desde que foi derrotado (algo que não aconteceu, jura ainda hoje), que continuaria a andar por ali. É o que tem feito.
E com assinalável êxito: além da pressão sobre a administração Biden, a presença de Trump na zona mediática dos republicanos tem impedido que qualquer outra figura do partido se mostre disponível para avançar como potencial candidato às presidenciais de 2024. É verdade que ainda falta muito tempo e que a regra é não começar demasiado cedo para que a sua presença junto dos eleitores não se torne trivial – mas se os republicanos tiverem um bom resultado nas intercalares e Trump puder assumir ao menos uma parte dos louros, pode ser tarde para quem o quiser confrontar.