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Críticas à atuação de Israel no conflito de Gaza sobem de tom

Mais mortos entre civis e trabalhadores humanitários, mais execuções, mais atos militares que não se enquadram em nenhuma lei internacional. Israel está a ficar isolada pelas acusações da comunidade internacional. Mas nenhum apelo fará regressar nem um dos mais de 32 mil mortos que a guerra já gerou.

Os ataques generalizados que se confundem com a barbárie das cruzadas, a fome que está a tornar-se endémica, principalmente entre os palestinianos mais novos, e uma sucessão aparentemente imparável de ataques a elementos não militares – entre hospitais e comboios humanitários – está a deixar Israel isolada do mundo. Os vídeos da execução de cerca de 200 elementos do Hamas – porque nada indica que não se tratou de execuções – e a morte de funcionários da ONG World Central Kitchen deixa pouca margem para que as anunciadas investigações ao sucedido por parte do governo israelita deixem a comunidade internacional descansada.

Os mortos da ONG tinham várias nacionalidades e os responsáveis dos seus países de origem foram os primeiros a reagir. O primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, confirmou que um dos trabalhadores humanitários mortos era o australiano Zomi Frankcom. Albanese disse que a morte de Frankcom era "completamente inaceitável" e "além de quaisquer circunstâncias razoáveis". O governo australiano chamou o embaixador israelita no país por via do Departamento de Relações Exteriores e Comércio da Austrália. "Queremos total responsabilização. É uma tragédia que nunca deveria ter ocorrido”, disse o primeiro-ministro. "A verdade é que morte está além de qualquer circunstância razoável para alguém que vai prestar ajuda e assistência humanitária”. Albanese reiterou o apelo a um "cessar-fogo sustentável". "Os australianos querem ver o fim deste conflito", disse.

O ministro das Relações Exteriores do Reino Unido, o conservador David Cameron, descreveu as mortes como "profundamente angustiantes", pedindo a Israel que investigue e forneça uma explicação cabal sobre o sucedido. "Cidadãos britânicos foram mortos, estamos a trabalhar urgentemente para verificar as informações e forneceremos total apoio às suas famílias", disse Cameron. "É essencial que os trabalhadores humanitários estejam protegidos e capazes de realizar o seu trabalho. Pedimos a Israel que investigue imediatamente e forneça uma explicação completa e transparente do que aconteceu."

O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Polónia expressou condolências à família do seu cidadão morto.  E acrescentou que "se opõe ao desrespeito pelo Direito Internacional Humanitário e à proteção de civis, incluindo trabalhadores humanitários". Um porta-voz do ministério disse que Varsóvia solicitou uma "explicação à embaixada israelita, às forças de segurança e ao exército israelita", acrescentando que o ministério está a tentar confirmar as informações da ONG atacada.

O ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, disse estar "horrorizado" com a morte dos trabalhadores humanitários. "A Espanha apoia o seu trabalho. Exigimos um cessar-fogo e a entrada de ajuda humanitária", disse.

Também Janez Lenarcic, comissário de Assuntos Humanitários da União Europeia, condenou o ataque e pediu um cessar-fogo. "Isto tem de parar. Agora", disse.

Dezenas de outros países condenaram publicamente os ataques, dando mostras, segundo alguns analistas, de que a paciência da comunidade internacional está a esgotar-se. Mas, como disse o embaixador Francisco Seixas da Costa, “32 mil mortos depois”, a paciência ainda não está totalmente esgotada – e Israel “continua a fazer o que quer, muito porque os Estados Unidos, apesar dos apelos, continuam a suportar todas as ações de Israel”.

Entretanto, Hind Khoudary, da Al Jazeera – estação de notícias oriunda do Qatar, cujos elementos Israel quer expulsar do país – fazendo reportagem no Hospital Mártires de Al-Aqsa, em Deir el-Balah, para onde os corpos dos falecidos foram transportados, disse que conversou com os trabalhadores humanitários no início do dia. "Todos estão espantados e atónitos, não acreditam que as forças israelitas atacaram organizações internacionais", disse Khoudary.

Do outro lado da barricada, o exército israelita disse que está a investigar "para perceber todas as circunstâncias do incidente" e que fará "amplos esforços para permitir a entrega segura de ajuda humanitária". Várias horas depois do sucedido, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu disse que o ataque não foi intencional. “Isto acontece em tempos de guerra", declarou. "Estamos a investigar minuciosamente, estamos em contato com os governos (dos estrangeiros entre os mortos) e faremos tudo para que não aconteça novamente", afirmou – apesar de serem já incontáveis os números de mortos que resultaram de ações não- intencionais do exército israelita.

Os acontecimentos dos últimos dias chocaram até o mais sólido reduto de apoio a Israel – os Estados Unidos. A congressista democrata, Pramila Jayapal, pediu a suspensão da ajuda militar norte-americana, que diz estar a ser "usada para assassinatos indiscriminados". "O mais recente horror infligido pelos ataques aéreos de Netanyahu em Gaza – matando almas corajosas da WCKitchen, que entregavam comida a palestinianos famintos," é disso um exemplo claro. Recorde-se que, desde que o conflito teve início, em 7 de outubro passado, as remessas de armas norte-americanas para Israel bateram recordes – mesmo que o presidente, o também democrata Joe Biden, se desdobre em apelos ao cessar-fogo. Vender armas a alguém a quem pedimos para não disparar não costuma ser muito eficaz!

O congressista Jamaal Bowman, também democrata, disse que ”trabalhadores humanitários e civis nunca devem ser alvo de ataques militares". O senador Chris Van Hollen, outro democrata, disse que "os trabalhadores humanitários da ONU, entre outros, não devem enfrentar a morte ao distribuir assistência".

A Anera, organização que responde pela segunda maior operação humanitária em Gaza, depois da UNRWA (ONU), disse que suspendeu o trabalho no enclave de Gaza após o ataque contra a WCK pelas forças israelitas. "O assassinato de elementos humanitários do WCK, ocorrido menos de um mês após o assassinato ainda não explicado de Mousa Shawwa, funcionária da Anera, juntamente com a perda de vários outros trabalhadores humanitários e suas famílias, levou a nossa equipa a concluir que entregar ajuda com segurança já não é viável", disse em comunicado. "O ataque contínuo aos trabalhadores humanitários e a falta de medidas de segurança adequadas exigem uma investigação completa e uma ação imediata. Israel tem a responsabilidade final de garantir a entrega sem obstáculos de assistência humanitária urgente e serviços básicos aos necessitados", dizia o comunicado.

Finalmente, o porta-voz de António Guterres disse que o secretário-geral da ONU condena o ataque mortal ao consulado do Irão na capital da Síria, Damasco. Stephane Dujarric disse, em comunicado que o líder da ONU "reafirma que o princípio da inviolabilidade das instalações e do pessoal diplomático e consular deve ser respeitado em todos os casos, de acordo com o direito internacional".

O comunicado pede moderação e alertou que "qualquer erro de cálculo pode levar a um conflito mais amplo numa região já volátil, com consequências devastadoras para os civis que já estão a ver um sofrimento sem precedentes na Síria, no Líbano, no Território Palestiniano Ocupado e no Médio Oriente mais amplo". O Irã prometeu punir Israel pelo ataque, que matou membros da Guarda Revolucionária, incluindo dois generais.