A reunião de ontem do Conselho de Estado deixou claro o clima de tensão entre Belém e São Bento. O primeiro-ministro optou por manter o silêncio perante os reparos de Marcelo e nem o tema da Ucrânia - onde ambos têm posições idênticas - serviu para quebrar o gelo, apurou o Jornal Económico.
De acordo com as informações recolhidas pelo JE - e que vão ao encontro do que ontem foi publicado pelas edições online do "Expresso" e do "Observador" - a reunião decorreu de forma algo tensa, com o Presidente a fazer uma intervenção onde criticou a "leviandade" de certas decisões que foram tomadas pelo atual Governo, numa referência ao caso TAP e à polémica com João Galamba. Marcelo deixou ainda alusões à situação económica e social do país, confessando não estar entre os mais pessimistas, mas também não ser um dos mais otimistas.
Em junho, Marcelo tinha já reforçado o objetivo de maior vigilância e dado o recado a Costa: os números da economia têm de chegar a pessoas. Na altura, o Chefe do Estado afirmou esperar que a evolução da inflação e do crescimento, internacional e no país, “continue a melhorar”, deixando “perspetivas positivas para os próximos anos”, realçando que as pessoas esperam muito que “os grandes números da economia cheguem aos seus bolsos e isso significa uma maior esperança para o futuro”. Três meses depois destas declarações, a inflação teima em baixar, os juros continuaram a aumentar, o PIB nacional regista um abrandamento, e a economia alemã trava a fundo, o que já levou Marcelo Rebelo de Sousa, no final da semana passada, a alertar que “isto pode explicar um compasso de espera numa recuperação que desejaríamos mais rápida”.
A intervenção de ontem do Presidente foi na linha destas declarações e, perante isto, António Costa optou pelo silêncio. Mesmo quando teve oportunidade de se pronunciar, o primeiro-ministro optou por não o fazer, num gesto que poderá ser interpretado como sendo de desvalorização do papel do Conselho de Estado, à semelhança do que já tinha feito na reunião de julho, após a apresentação do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP. Na altura, António Costa interrompeu a reunião e anunciou que teria de sair mais cedo para apanhar um avião para assistir a um jogo de futebol.
"A função de um primeiro-ministro não é ser comentador"
O primeiro-ministro entrou mudo e saiu calado, mas não esteve em silêncio nas horas que antecederam a reunião. Em declarações aos jornalistas, à margem de uma visita no Montijo, que teve lugar antes da reunião do Conselho de Estado, António Costa defendeu que "a função de um primeiro-ministro não é ser comentador, é ser fazedor, é executar. Cada um tem o seu papel e nenhum é mais importante que o outro e quando nos confundimos nos papéis é que as coisas podem correr mal", afirmou o chefe do Governo.
"Para que o Estado funcione bem, cada um deve estar no próprio galho e fazer aquilo que lhe compete", acrescentou.