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Corticeira Amorim acompanha "com muito interesse" entrada em Portugal de fundos focados na sustentabilidade

Em entrevista ao Jornal Económico, a administradora financeira da Corticeira Amorim, Cristina Rios Amorim, revela como o grupo monta uma operação de financiamento verde e explica o interesse nos fundos imobiliários focados na sustentabilidade, como o Fundo Land.

Qual o investimento anual médio em Investigação & Desenvolvimento? O que representa no universo do volume de negócios?
O investimento em Investigação, Desenvolvimento e Inovação (I&D+I) é uma componente fundamental da nossa estratégia empresarial, essencial para consolidar a nossa liderança – dos produtos e soluções que oferecemos, à implementação de processos industriais eficientes, ao rigoroso controlo de qualidade, ao desenvolvimento das nossas Pessoas, à digitalização… Um investimento anual médio que ronda os 10 milhões de euros e que, em 2022, ultrapassou 11 milhões de euros. Este investimento em I&D+I não só representa um compromisso forte com a inovação, mas também é indicativo da nossa vontade de continuar a desenvolver novos produtos, aplicações e soluções que agregam valor.

Como empresa de referência no seu sector, como gere a Corticeira Amorim os recursos naturais num quadro de sustentabilidade?
A sustentabilidade está profundamente enraizada em todas as nossas operações, desde a extração cíclica da cortiça até à transformação deste recurso natural. A cortiça é extraída a cada nove anos sem deflorestação, viabilizando economicamente o montado de sobro, no qual as árvores têm uma longevidade que pode chegar aos 200 anos.  No que diz respeito à transformação da cortiça, adotamos todas as estratégias viáveis para gerir os recursos naturais de forma responsável. A cortiça é integralmente utilizada no processo produtivo, gerando zero desperdício. Mesmo as minúsculas partículas geradas nos processos são aproveitadas como biomassa. Um bom exemplo da máxima “nada se perde, tudo se transforma”. Interligando-se com o nosso objetivo de evoluir para um consumo de energia 100% proveniente de fontes renováveis até 2030. Também estamos empenhados em reduzir o consumo de água e em valorizar 100% dos resíduos. Nesse sentido, implementámos sistemas de reutilização de água e otimizámos os processos produtivos.
Atuamos também na base da nossa atividade: o montado. Temos um compromisso com a conservação dos ecossistemas dos montados de sobro e apoiamos várias iniciativas que visam a preservação da biodiversidade e do sobreiro. Essa abordagem, de forma integrada, reflete a nossa dedicação a práticas de negócios que são não apenas lucrativas, mas também sustentáveis e éticas.

Quais as vossas metas ambientais para 2030 e qual a mais difícil de atingir?
No nosso programa "Sustentável por natureza" estabelecemos as nossas metas de sustentabilidade para 2030. Relativamente ao ambiente, essas metas vão desde a preservação do montado até à promoção de produtos verdes, passando pelo reforço das práticas economia circular e pela redução do impacto ambiental das operações. Esse compromisso está alinhado com quatro pilares fundamentais da empresa: transparência e responsabilidade; bem-estar das Pessoas; ID+i e desempenho económico; montado e produto.
No que diz respeito aos objetivos ambientais específicos para 2030, saliento a meta de zero pegada de carbono, a utilização de 100% de eletricidade proveniente de fontes renováveis, o uso de 100% de materiais de embalagem de origem renovável ou reciclada e a total recuperação de resíduos.
É verdade que todas as metas são desafiantes e implicam determinação, investigação e investimento. Destas, a embalagem destaca-se como particularmente desafiante: é uma área em rápido desenvolvimento, com novas soluções a emergir e, neste caso, o desafio é tanto tecnológico, na busca por materiais que atendam aos nossos critérios de sustentabilidade, como operacional, já que requer adaptações nos nossos processos de produção. Mas temos ambição. Encaramos estas metas não como dificuldades, mas sim como desafios para encontrar soluções para reduzir o impacto ambiental.

Atualmente, quanta da eletricidade usada provém de fontes renováveis? Qual a taxa de recuperação de resíduos?
Temos uma abordagem bastante focada na utilização de energia de origem renovável (77% do total consumido em 2022) e na recuperação de resíduos. No que respeita à eletricidade consumida de origem renovável, o objetivo é atingir 100% em 2030. Para isso, procuramos selecionar fornecedores de energia em função do peso da energia renovável no seu mix e investimos na produção própria de eletricidade. Temos em curso a instalação de mais de 40 mil  painéis solares nas coberturas das fábricas. Um investimento que ultrapassa os 11 milhões de euros. A energia produzida destina-se a autoconsumo e, no final de 2023 quando esta instalação estiver integralmente concluída, e representará cerca de 20% da energia elétrica consumida.
Quanto à taxa de recuperação de resíduos temos algo único: 100% da cortiça é aproveitada nos nossos processos produtivos, até os grânulos mais pequenos, que são usados como fonte de energia. Relativamente a resíduos não-cortiça, a taxa de valorização foi de cerca de 90% em 2022, o que significa que estes materiais são encaminhados para processos como compostagem, reciclagem ou valorização energética.

Como estão a trabalhar o fator gestão e uso da água? Que poupanças e com que instrumentos?
Abordamos a gestão e o uso eficiente da água através de uma estratégia assente em três pilares: redução do consumo, tratamento e regulação hidrológica. O que também implica investimento e a adoção de tecnologias e/ou processos disruptivos. É o caso do projeto inovador de reutilização de água implementado recentemente pela Unidade de Negócios Matérias-Primas que permite aproveitar as águas residuais industriais originadas no processo de cozedura da cortiça. Graças a um sistema de filtração inovador, é possível não só remover partículas e microrganismos, mas também assegurar a qualidade do efluente para que possa ser reutilizado de forma segura.
Com este novo sistema, conseguimos alcançar múltiplos objetivos: diminuir o consumo de água proveniente de furos e reduzir as descargas em coletor municipal; aliviar a pressão sobre os recursos hídricos; e ainda reduzir custos associados ao consumo de água.

Qual a participação no esforço de reflorestação nacional, nomeadamente do sobreiro?
Estamos fortemente comprometidos, especialmente no que se refere ao sobreiro. Atualmente, estamos a gerir três projetos florestais que cobrem uma área total superior a oito mil hectares: Herdade da Baliza, Herdade da Venda Nova e Herdade de Rio Frio, onde nos próximos 5-6 anos, pretendemos ter instalados cerca de 1 200 000 novos sobreiros só nestas herdades. Além plantação de sobreiros, também estamos a investir em investigação focada nos impactos da rega, fertilização, nutrição e qualidade do solo na saúde e produtividade do sobreiro. Este trabalho tem como finalidade não só aumentar a eficiência e resiliência do montado de sobro, mas também ajudar a disseminar melhores práticas de gestão florestal.
Portanto, diria que nossa participação no esforço de reflorestação nacional é multifacetada, indo desde a gestão direta de propriedades florestais até ao investimento em investigação e desenvolvimento, com o objetivo último de contribuir para um montado de sobro mais sustentável e resiliente.

Que prioridade está a ser dada aos critérios “S” e “G” do ESG?
No que diz respeito ao critério Social, temos dado um enfoque significativo a várias áreas, incluindo saúde e segurança no trabalho, igualdade de género e no desenvolvimento das nossas pessoas. Estabelecemos metas concretas que vão desde zero acidentes em todas as nossas instalações industriais, ao aumento do número de mulheres, sobretudo em cargos de chefias, até objetivos de formação dos nossos colaboradores e colaboradoras. Destaco o nosso Programa para a Igualdade e Inclusão, que vem permitindo progredir nestes temas. Também temos vindo a estreitar a nossa relação com as comunidades, através de mecenato, apoio e voluntariado. Em termos de Governance, considero que temos implementado um modelo robusto, de referência das melhores práticas, moderno, participado e, por isso, adequado ao continuado desenvolvimento da organização e aos desafios que enfrentará no futuro, potenciando o seu crescimento e a sua rentabilidade a longo prazo, alinhado com os interesses dos nossos stakeholders.
Adotamos, desde 2021, o modelo conhecido como anglo-saxónico, com um reforço da independência e da diversidade, tanto ao nível do Conselho de Administração como das várias comissões internas especializadas em matérias como o acompanhamento e monitorização das atividades de gestão de riscos (Comissão de Riscos), o acompanhamento, supervisão e orientação estratégica no domínio de matérias de governo societário, responsabilidade social, ambiente e ética (Comissão de E.S.G.). Inclui ainda uma Comissão de Nomeações, Avaliação e Remunerações, eleita em Assembleia Geral de Acionistas.
Foi também realizado um importante processo de formalização das culturas empresarial do grupo e profissional dos nossos colaboradores/as, vertendo-as em políticas e regulamentos, devidamente disseminadas e disponíveis no site corporativo. Os nossos princípios de atuação – ética, direitos humanos, igualdade, diversidade, sustentabilidade, segurança… e as nossas políticas corporativas são claras e transparentes, sendo informadas aos nossos parceiros de negócio, estimulando também a sua adoção ao longo da cadeia de valor. E continuamos a progredir, tanto ao nível interno (revisão regular dos normativos internos e seu enforcement), como a nível externo (incrementando e verificando o engagement dos nossos parceiros ao longo da nossa cadeia de valor).

Atrair e reter jovens qualificados está a ser difícil? Dê-me um exemplo de uma medida que vise a fixação de quadros.
A atração e retenção de jovens qualificados é um desafio para a Corticeira Amorim, tal como acontece em muitas outras organizações. Temos uma política de recrutamento que fomenta uma forte ligação com instituições académicas, permitindo a realização de estágios curriculares e profissionais. Em média, oferecemos cerca de 80 estágios por ano em Portugal e muitos destes jovens acabam por permanecer na nossa organização a longo prazo.
A retenção destes jovens talentos faz-se através de medidas que consideramos mais alinhadas com os objetivos destas gerações, nomeadamente, planos de formação e de progressão mais acelerados. Por exemplo, temos implementados programas destinados aos jovens com elevado potencial, que visam desenvolver as suas competências – técnicas, profissionais e pessoais, e motivá-los para carreiras exigentes, mas aliciantes, na organização.
Intensificámos as nossas ações de Employer Branding, tanto em contexto universitário como em plataformas digitais. Este ano, lançámos o programa “Young@cork”, que visa melhorar a comunicação, valorização e envolvimento dos jovens na organização. Este programa inclui um evento anual que reúne todos os jovens quadros (cerca de 200) e se desdobra em várias ações como acolhimento, mentoring, workshops com gestores de topo e um programa de formação corporativa. O objetivo é claro: queremos que os jovens talentos sintam que a Corticeira Amorim oferece um projeto de carreira que os valorize.

A que se deveu a descida nas vendas no primeiro semestre, face ao período homólogo?
A descida nas vendas no primeiro semestre deste ano, em comparação com o período homólogo de 2022, deve-se principalmente ao desempenho menos favorável da Amorim Cork Flooring. Importa destacar, no entanto, o bom desempenho de outras unidades de negócios, como por exemplo as Rolhas, que registou um crescimento robusto de 5,4% nas vendas e contribuiu para 77% das vendas consolidadas no primeiro semestre.

E a descida de 35,9% nas vendas no segmento “Revestimentos”? Deveu-se à quebra na construção?
A descida deve-se ao contexto adverso que tem marcado o sector da construção. Este sector tem enfrentado uma forte desaceleração da atividade, especialmente nos segmentos de retalho e residencial. Tal cenário tem, naturalmente, consequências diretas na procura de produtos de revestimento, afetando o desempenho de vendas desta Unidade de Negócio.

As operações de Financiamento verde da Corticeira Amorim ascendem a 126,6 milhões de euros. Como se monta uma operação deste tipo?
A montagem de uma operação de financiamento verde é um processo multidisciplinar que envolve várias etapas e colaboração entre diferentes equipas: desde a equipa financeira, passando pela sustentabilidade, controle de gestão e equipas técnicas das Unidades de Negócio, até à área jurídica. Adicionalmente, contamos com o apoio de consultores externos especializados em certificação ESG e auditores ESG.
Numa primeira fase, é crucial identificar os ativos que serão financiados e confirmar o seu estatuto "verde" de acordo com as normas aplicáveis.  Em paralelo, desenvolve-se com as instituições financeiras a conceção e estruturação da operação. A certificação independente ESG é um elemento fulcral à validação da sustentabilidade da operação.
Uma vez montada a operação, não termina aqui o compromisso. É necessário um acompanhamento contínuo, que inclui a elaboração e divulgação de um Relatório Anual de Alocações e Impactos, certificado por um auditor externo, para garantir que os objetivos de sustentabilidade continuam a ser atingidos ao longo da vida da operação. Portanto, uma operação de financiamento verde é um processo contínuo que vai muito além da mera obtenção de fundos, implicando um compromisso com práticas sustentáveis, tanto na seleção dos ativos financiados como na própria gestão da operação.

Como é que a Corticeira Amorim vê a entrada no mercado de fundos imobiliários focados na sustentabilidade, como o Fundo Land, que se propõem comprar e recuperar terrenos no interior de Portugal para capturar carbono? Há hipóteses de parcerias com este tipo de operação?
Acompanhamos este desenvolvimento com muito interesse. A floresta é um recurso valiosíssimo para o nosso país. A chegada de novos atores poderá aumentar a eficiência da sua gestão e o consequente acréscimo dos seus inúmeros benefícios, nomeadamente a regeneração de ecossistemas e dos serviços associados, a criação de postos de trabalho e de riqueza, o combate à desertificação e aos incêndios. E, também, uma intervenção potencialmente relevante para que, através da recuperação ou replantação de florestas, Portugal venha a atingir os compromissos assumidos no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Nesse contexto, a Corticeira Amorim está disponível para ouvir, acompanhar e apoiar estas iniciativas, sempre que a intervenção das mesmas envolva o sobreiro, o core da sua atividade.