Ser ou não ser, eis a questão”. Há mais de 400 anos, William Shakespeare contava a história do jovem príncipe dinamarquês Hamlet que procura vingar a morte do seu pai, assassinado pelo seu tio, que roubou o trono e casou com a sua mãe. Tal como Hamlet, o Banco Central Europeu (BCE) vai precisar de tomar decisões cruciais, neste caso a nível macro, que envolvem a vida de 350 milhões de pessoas na zona euro.
Esta semana, vários membros do BCE falaram durante a sua participação no Fórum Económico Mundial em Davos, Suíça. Com a inflação a recuar, e a economia a desacelerar, crescem as vozes a pedir cortes dos juros nos próximos meses. Para a reunião da próxima semana está afastada a hipótese de cortes, mas o tema vai ganhar peso nos próximos meses, se a inflação se mantiver nos níveis atuais (2%).
Uma das vozes a pedir ação foi o governador do Banco de Portugal (BdP) : “quando chegar o momento, vamos discutir os cortes dos juros”, disse Mário Centeno.
Um dia antes, um dos principais falcões do BCEavisou que nem quer ouvir falar de cortes de taxas este ano. “Não devemos descontar cortes nas taxas de juro em 2024”, disse o governador do banco da Áustria, Robert Holzmann, apontando para o impacto que a tensão no Mar Vermelho poderá vir a ter nos preços.
Christine Lagarde veio meter água na fervura na quarta-feira, apontando que os cortes dos juros podem arrancar no verão, assim que o BCE tiver mais dados.
Os economistas consultados pela “Reuters” acreditam que o BCE vai começar a cortar os juros no segundo trimestre, a partir de junho.
Oanalista Filipe Garcia disse não estar “à espera de nada de especial na próxima reunião do BCE”. “No primeiro trimestre é para esquecer qualquer corte”, acrescentou, apontando para os dados dos acordos coletivos de trabalho na zona euro que vão sair na primavera.
“Seria muito estranho que viessem agora abrir a porta de cortes de taxas de juro de forma rápida. Foi um trabalho difícil, o de recuperar o instrumento taxa de juro como ferramenta política monetária, e não estou nada convencido que os bancos centrais queiram cortar os juros de forma agressiva, até para proteger os bancos que se capitalizaram muitos nos últimos meses à custa da economia e dos agentes económicos”, afirmou o presidente da IMF - Informação de Mercados Financeiros no podcast do JE‘Mercados em Ação’.
Sobre o facto de MárioCenteno estar a dar a cara pela fação das ‘pombas’ do BCE, Filipe Garcia disse que o governador do BdP é “um dos nomes que mais tem aparecido. É um papel de que gosta. É um papel que lhe pode caber a ele. Tem muito a ver com um certo gosto por protagonismo e navega agora num oceano, que não é tão povoado como isso, daqueles que defendem juros mais baixo já”.
Os mercados estão a descontar cinco cortes de 25 pontos base para este ano, com 60% de hipóteses de um sexto.
Olhando para as expetativas do mercado, o analista Marco Silva considera que os “os investidores e estão todos na ressaca de juros baixos e estão desejosos que os juros desçam de forma substancial, mas existe uma ilusão muito real: os investidores julgam que lá pela inflação descer, os bancos centrais têm de descer obrigatoriamente os juros. Os bancos centrais recuperaram a ferramenta dos juros, e só vão atuar caso a economia ceda. Existe uma dualidade de mentalidade que vai criar mais volatilidade nos mercados nos próximos meses”, alertou o consultor de investimentos.