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Copenhaga: União Europeia coleciona assuntos em que está dividida

Surgem divisões sobre o financiamento da chamada ‘muralha de drones’. E sobre a sua eficácia. E sobre o tempo que demorará a ser construída. E sobre o chamado ‘empréstimo de reparação’. E sobre onde e como gastar o pacote financeiro do programa SAFE.

A União Europeia não permitirá que a Rússia semeie "divisão e angústia nas nossas sociedades", sublinhou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, à entrada para a cimeira europeia informal, em Copenhaga. Moscovo "está a testar a nossa determinação" e a "semear a divisão e a angústia nas nossas sociedades. Não permitiremos que isso aconteça". Mas o problema coloca-se jusante desta determinação: é que o consenso e o alinhamento entre os 27, que nunca foi fácil em nenhuma matéria, parece não ser possível pelo menos para já, apesar de todos os indicadores, em matéria de defesa e segurança.

A geografia continua a ‘pregar partidas’ à União Europeia: os países mais próximos da Rússia – os Bálticos, a Escandinávia, a Polónia, a Roménia – manifestam urgência no investimento profundo em sistemas de defesa, e são de opinião que a chamada ‘muralha de drones’ é a prioridade das prioridades, podendo estar pronta em entre 12 a 18 meses. Mais afastada do epicentro da guerra, a Alemanha refere que a ‘muralha’ não é solução – até porque demoraria não menos de 36 a 48 meses a ser instalada. Com a guerra na Ucrânia a tomar todos os dias proporções militarmente mais alarmantes, este choque de retóricas – que mais uma vez ficou patente na cimeira de Copenhaga, esta quarta-feira – demonstra não apenas desentendimentos políticos, mas uma sobreposição de narrativas em conflito em matérias que não deviam servir para isso. Dito de outra forma: não há ninguém nos aparelhos militares e na indústria de defesa que saiba com exatidão quantos meses demora a construir e montar um determinado sistema militar?

Para todos os efeitos, uma série de violações do espaço aéreo na União, colocou os planos para a ‘muralha de drones’ no topo da agenda dos líderes reunidos na Dinamarca, mas não foi suficiente parra gerar unanimidade – o que, dizem os analistas, é precisamente aquilo que a Rússia quer deixar claro. Evika Siliņa, primeira-ministra da Letónia, disse, citada pela agência Euronews, que acredita que a ‘muralha’ ao longo do flanco leste da União poderia estar ativa dentro de "um ano, um ano e meio". Um dia antes, participando no Fórum de Segurança de Varsóvia, o ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, disse que a ‘muralha’ só ficaria pronta “nos próximos três a quatro anos". “Três anos é muito tempo”, corrigiu Evika Siliņa, acrescentando que "podemos fazê-lo num tempo muito menor, depende apenas dos líderes" – e enquanto os argumentos vão sendo esgrimidos, o seu país tratou de investir em sensores e sistemas de som para vigilância, seguindo os conselhos da Ucrânia. "Seremos mais fortes se trabalharmos juntos e a Europa deve coordenar-se", afirmou. Alguns analistas leram que Evika Siliņa está a pretender dizer que a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, não será a líder indicada para o momento de sobressalto securitário que atravessa p bloco dos 27.

O presidente lituano, Gitanas Nausėda, também pediu uma ação urgente, enfatizando que o seu país, que faz fronteira com a Rússia, tem "défices significativos" quando se trata de detetar e destruir veículos aéreos não tripulados não identificados. "Infelizmente, devo dizer que a excelente ideia de sistemas rotativos de defesa aérea incluída nos documentos da NATO não está a funcionar. Porque contámos apenas dois elementos: os Patriots neerlandeses e o sistema de defesa aérea de curto alcance da Itália”. "Precisamos de ações. É claro que apreciamos a discussão, mas estas discussões devem levar à capacitação. E para isso precisamos de recursos financeiros", disse, tocando no outro ponto sensível: quem vai financia o quê?

O primeiro-ministro finlandês Petteri Orpo, cujo país partilha uma desde sempre incómoda fronteira de 1.300 km com a Rússia, descreveu a ‘muralha de drones’ como "inevitável" e "uma questão para toda a Europa". "É agora hora de mostrar solidariedade à Europa Oriental e Setentrional em nome da segurança". Kajja Kallas, que para além de alta responsável pela política externa da União, é ex-líder da Estónia (o que, diziam os analistas na altura da composição do ‘governo’ comum, está longe de ser uma coincidência, também sugeriu que a ‘muralha de drones’ pode ser erguida rapidamente. Recorde-se que Kallas participou na semana passada numa reunião entre os Estados-membros do leste sobre este assunto, tendo afirmado que a Europa tem muito a aprender com a Ucrânia. um muro de drones , disse que as autoridades ucranianas podem "mostrar que tipo de sensores são necessários, que tipo de linhas diferentes são necessárias, e que eles também têm produção de drones na Ucrânia e que isso pode ser estendido para a Europa". Por esses dias, a Ucrânia, que havia suspenso a vende de material de guerra para o exterior a partir do momento em que a invasão russa teve início, anunciou que e passava novamente à condição de país exportador. Desgraçadamente, o problema, mais um, é que a União Europeia comprometeu-se, no âmbito das penosas negociações sobre as tarifas norte-americanas – num processo que está longe de ser claro – a comprar armas aos Estados Unidos!

Vale a pena recordar que, no início deste ano, a Comissão Europeia apresentou um pacote de 800 mil milhões de euros para financiar o rearmamento do seu espaço comum até 2030, mas apenas 150 mil milhões são fundos europeus – o resto são empréstimos do programa SAFE que, apesar de não contarem para o défice, são com certeza para pagar mais tarde ou mais cedo. Dois terços do envelope foram atribuídos aos Estados-membros do leste da Europa. Os objetivos das diversas iniciativas são fazer com que os Estados-membros realizem compras conjuntas, invistam nos chamados projetos emblemáticos de defesa e, de preferência, comprem produtos europeus – o que colide com acima exporto. O executivo da UE propôs que a ‘muralha de drones’ faça parte dos projetos emblemáticos que devem ser priorizados, como também propôs um aumento maciço de verbas para defesa no próximo orçamento plurianual do bloco, que entrará em vigor em 2028.

Para aumentar o ‘suspense’ o chefe do governo espanhol, Pedro Sanchez e a primeira-ministra Giorgia Meloni destoaram esta quarta-feira. Sánchez disse que a emergência climática é um "aspeto de segurança que também será incorporado pelo governo da Espanha neste debate"; e Meloni afirmou que "devemos lembrar que os limites da aliança são muito grandes, se cometermos o erro de olhar apenas para um lado e esquecermos, por exemplo, que há um flanco sul, corremos o risco de não sermos decisivos". No referido flanco sul, a Itália já colocou a hipótese de inscrever com ‘investimento em defesa’ a construção de uma ponte para a Sicília, orçamentada em 13,5 mil milhões de euros…

Mette Frederiksen, primeira-ministra dinamarquesa e anfitriã da cimeira, pediu a todos que "abandonassem a perspetiva nacional ao falar sobre segurança na Europa e observassem o padrão da guerra híbrida em andamento". "Se olharmos para a Ucrânia de uma perspetiva europeia em vez de uma perspetiva nacional, se olharmos para a Rússia e a guerra híbrida de uma perspetiva europeia em vez de uma perspetiva nacional, então acho que todos têm que estar alinhados", disse.

Em debate esteve também a defesa da Ucrânia, uma matéria que, apesar da Hungria e da Eslováquia, é razoavelmente consensual. Mas nem em tudo. A questão da utilização de ativos russos retidos na Europa para pagar a fatura da Ucrânia na guerra continua a não ter consenso. Mesmo assim, e segundo as agências noticiosas, o apoio político ao plano está a crescer e passa pela emissão de um empréstimo de 140 mil milhões de euros para a Ucrânia com base nos ativos imobilizados do Banco Central Russo. "É uma muito boa ideia", disse o primeiro-ministro finlandês, Petteri Orpo, esta quarta-feira. "Acho que temos que seguir em frente com isso." A Suécia vai no mesmo sentido: "há muito que defendemos uma forma mais ofensiva de usar os ativos congelados porque simplesmente não é aceitável considerá-los como património russo", disse Ulf Kristersson. Segundo contas que circulavam na cimeira, a Ucrânia precisa de 60 mil milhões entre 2026 e 2027 para cobrir o défice orçamental, e uma quantia semelhante para adquirir armas e munições.

Até agora, o bloco apossou-se apenas dos lucros gerados pelo dinheiro russo mantido na Euroclear, um depositário central de títulos sediado em Bruxelas. O plano é agora o de transferir todos os saldos de caixa da Euroclear para a Comissão. Os 140 mil milhões seriam um ‘empréstimo de reparação’ que no final da guerra a Ucrânia iria obrigar a Rússia a pagar – o dinheiro iria para a Comissão, que o devolveria à Euroclear, que o devolveria à Rússia. Dado que nada disto parece credível, o plano pode acabar por configurar o confisco de ativos soberanos, o que é ilegal segundo o Direito Internacional. O resto é semântica, mas a presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, tem sérias reservas sobre o plano. A Bélgica, onde o dinheiro está sediado, também: “se os países perceberem que o dinheiro do banco central pode desaparecer quando os políticos europeus acharem adequado, podem decidir retirar as suas reservas da zona euro", disse o primeiro-ministro belga, Bart De Wever, na semana passada, em resposta a um artigo de opinião a favor do empréstimo publicado pelo chanceles alemão Friedrich Merz. O Kremlin, evidentemente, já alertou sobre retaliações caso o plano siga em frente.

Copenhaga será também palco de outro grande encontro: a 7ª Cimeira da Comunidade Política Europeia (CPE), uma plataforma para debate de políticas e estratégicas para o futuro da Europa, criada em 2022 sob proposta de Emmanuel Macron. O grupo reuniu pela primeira vez em outubro de 2022, com participantes de 44 países europeus, além da presidente do Conselho Europeu e o presidente da Comissão Europeia.