Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva, vê com bons olhos a reforma laboral avançada pelo Governo PSD/CDS, tanto pelo conteúdo das propostas "justificadas" quanto pelo momento em que o tema é colocado em discussão, pois "periodicamente" devem avaliar-se "os ajustamentos que se impõem no sentido de uma maior produtividade e competitividade, o calcanhar de Aquiles que condiciona o aumento dos níveis de bem-estar económico e social".
Em declarações ao Jornal Económico (JE), o economista lista as medidas importantes do anteprojeto do Governo, sobretudo todas as "que têm implicação direta com a organização flexível do trabalho nas empresas". Nomeadamente, o regresso ao banco de horas individual (revogado durante o período da Geringonça); as propostas "que vão contra os abusos das baixas por 'doenças', geralmente concentradas próximas do fim de semana e feriados"; "as que regulam o trabalho remoto" e ainda as que "contrariem o abuso das greves nos serviços públicos essenciais (transportes públicos; escola pública; Serviço Nacional de Saúde)".
Com menos relevância, no entender de Eduardo Catroga, estão as alterações propostas relativamente à amamentação, como a imposição do limite dos dois anos para o horário reduzido. Sobre essas medidas em particular, a que se soma o fim das faltas por luto gestacional, matérias que nem PS nem Chega acompanham, o ex-ministro das Finanças admite: "Na estratégia de quem propõe, em qualquer matéria existem sempre questões menores para as trocas e cedências."
Mas verdadeiramente "essencial" no debate sobre a reforma laboral, defende o economista e gestor, "seria tirar conclusões de análises de benchmarking — grupo de países concorrentes na atração de investimento — em relação às variáveis-chave da legislação". Um exercício que Catroga lamenta não estar a ser feito, mas que, acredita, daria "pistas para melhoria". Nas comparações que deve fazer, Portugal deve olhar "sobretudo para a legislação laboral dos países do nosso campeonato em termos de concorrência por investimentos", como Espanha, Polónia e República Checa, porque "não podemos ter graus de rigidez superiores" aos deles.
Uma retrospetiva dos últimos 40 anos
Eduardo Catroga, ministro das Finanças entre 1993 e 1995, afirma que, no que toca às leis do trabalho, "Portugal tem caminhado nos últimos 40 anos no sentido de permitir uma organização mais flexível da força de trabalho nas empresas, após um período de grande rigidez imposto pelas forças políticas anti-empresas que controlaram o Período Revolucionário em Curso - PREC (1974-1985), com influência negativa no crescimento económico, competitividade e emprego".
De 1986 até 1995, na era dos governos liderados por Cavaco Silva, "introduziram-se aperfeiçoamentos importantes, no correto sentido estratégico, mas ainda insuficientes". Mais tarde, no programa de ajustamento macroeconómico 2011-2015, com a intervenção da Troika, "foram tomadas medidas no bom caminho estratégico". Contudo, aos olhos de Catroga, "houve algum retrocesso com os governos de António Costa, como por exemplo na revogação do banco de horas individual, por influência negativa dos seus parceiros de esquerda, saudosos da rigidez dos tempos do PREC".
Importa lembrar que, nessa revisão laboral do tempo da Geringonça, que entrou em vigor em outubro de 2019, as mudanças ao Código do Trabalho, que incluíram, além da revogação do banco de horas, a redução do limite dos contratos a termo de três para dois anos (na proposta da AD aumenta-se novamente) e o aumento das horas de formação para 40 semanais (agora volta a reduzir-se), acabaram por ser aprovadas no Parlamento com os votos do PS e a abstenção do PSD, CDS e PAN, não obstante a negociação feita à esquerda. O acordo na Concertação Social tinha sido alcançado em maio de 2018, entre o governo, as confederações patronais e a UGT (a CGTP ficou de fora). Depois disso, a mais recente alteração às leis do trabalho remonta a 2023 e à denominada Agenda para o Trabalho Digno, levada a cabo pelo último governo de António Costa.
Tendo em conta que a evolução da economia e do mercado de trabalho é "dinâmica", há que voltar a revisitar o Código do Trabalho e a emendar "lacunas" na lei que estejam a motivar "abusos", defende Eduardo Catroga nestas declarações ao JE.
"Entretanto, com a pandemia, houve a experiência do trabalho remoto, que há que regular. Também temos assistido, no setor público, a abusos do direito à greve em serviços públicos essenciais e também a abusos por faltas ao trabalho de todos os tipos, gerando desigualdades sociais e prejudicando o país como um todo", argumenta. "Por estes e outros motivos", acrescenta, "impõe-se uma nova avaliação, dez anos após o sucesso do programa de ajustamento, após a experiência da pandemia e após os abusos conhecidos aproveitando lacunas na atual lei".
Para serem bem-sucedidas, reforça o economista, "as reformas periódicas devem ser racionalmente analisadas" e, nesse contexto, "a análise de benchmarking é um dos instrumentos essenciais" que "tem sido pouco utilizado". Eduardo Catroga conclui que, globalmente, as propostas apresentadas para mudar as leis do trabalho são "justificadas" — "sem prejuízo do seu aperfeiçoamento no processo de discussão pública em curso e o que ocorrerá na Concertação Social, como deverá acontecer numa democracia madura".
Da compra de férias à lei da greve: recorde o que pode mudar
O Governo deu o tiro de partida no que entende ser uma "profunda" reforma da legislação laboral, apresentando aos parceiros sociais um pacote de várias medidas sobre 30 temas-chave (Trabalho XXI), que vão desde a garantia de serviços mínimos em setores essenciais à possibilidade de compra de dias extra de férias, passando pelo fim dos limites ao outsourcing ou à alteração dos prazos nos contratos a termo.
Segundo revelou a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, o anteprojeto aprovado pelo Governo, que se propõe a olhar para mais de cem artigos do Código do Trabalho, a rever nove diplomas legais complementares e a transpor duas diretivas europeias sobre salários mínimos adequados na União Europeia e condições de trabalho em plataformas digitais. Para os patrões, as propostas que a ministra levou para a concertação social são uma "boa base de negociação".
Opinião diferente têm os sindicatos, com a CGTP a assinalar que "estamos perante uma tentativa de assalto aos direitos dos trabalhadores" e a UGT a concordar que algumas propostas "fragilizam os trabalhadores". O PS já fez saber estar em desacordo com as alterações propostas, por considerar representarem um "retrocesso de 10 anos" e um regresso “por convicção” da agenda da troika.
Serviços mínimos nas greves
O Governo quer assegurar serviços mínimos nas greves dos setores essenciais e alargá-los a lares e creches. "Serviços mínimos que, não deixando de ser mínimos, têm naturalmente de ser eficazes para que, respeitando na íntegra o direito à greve, não deixem de respeitar outros interesses igualmente fundamentais", disse Palma Ramalho, assegurando que as propostas do executivo "não beliscam em nada" o direito dos trabalhadores à greve.
Já depois da concertação social, a ministra frisou que a ideia é "ser um bocadinho mais exigente quanto à definição dos serviços mínimos, mas sem riscar o direito à greve", tornando-o "apenas compatível com outros direitos fundamentais", nomeadamente o direito à saúde, ao trabalho e "a circular".
Questionada pelos jornalistas sobre se os serviços considerados imprescindíveis e essenciais se mantêm, referiu que, na proposta do Governo, "há uma nova área que é a área de cuidado a crianças e a pessoas doentes ou portadoras de deficiência", incluindo as que estão em cuidados continuados, e confirmou que nesta área cabem também, por exemplo, as creches e os lares. No anteprojeto, consta ainda a intenção de alargar os serviços mínimos ao abastecimento alimentar e aos "serviços de segurança privada de bens ou equipamentos essenciais".
Compra de férias
A proposta do Governo prevê que o trabalhador possa faltar de forma justificada “mais dois dias antes ou depois do período normal de férias, com perda de retribuição, mas sem perda de mais regalias". Ou seja, o trabalhador poderá "comprar" dois dias de férias, que colocará antes ou depois do período de férias, perdendo no salário o valor correspondente a esses dois dias de trabalho, mas sem prejuízo noutros benefícios, como o subsídio de refeição, o subsídio de férias e o subsídio de Natal.
Outsourcing
O executivo quer revogar uma lei de 2023, tomada durante o governo de António Costa, que proibia as empresas de recorrer ao mecanismo de outsourcing durante um período de 12 meses após o despedimento de trabalhadores. Para a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), a eliminação deste limite é bem-vinda. "Não vemos razão nenhuma para que serviços que não têm a ver com a atividade central da empresa não possam ser contratados a outras empresas", declarou Armindo Monteiro em declarações ao Jornal Económico (JE), considerando a proibição existente "não permitir que as empresas se especializem nas suas áreas de negócios". Já os sindicatos e o PS sustentam que revogar esta lei é regredir e promover a precariedade, uma vez que as empresas despedem trabalhadores para subcontratar outros "mais baratos".
Contratos a termo
O Governo quer alargar o prazo do primeiro contrato de seis meses para um ano. A duração máxima destes contratos passaria de dois para três anos, e os contratos a tempo indeterminado de quatro para cinco anos.
Banco de horas individual
A reforma da legislação laboral proposta pelo executivo inclui também a recuperação do banco de horas individual, passando "a ser subsidiado pelo regime de horas em convenção coletiva". Até 2019, essa modalidade previa que, por acordo entre as partes, o período de trabalho pudesse aumentar até duas horas diárias e atingir 50 horas semanais, com compensação feita pela redução do trabalho equivalente, aumento de férias pagas ou pagamento em dinheiro. O Governo quer retomar esta possibilidade se a contratação coletiva o determinar.
Teletrabalho
A pandemia trouxe mudanças ao mercado de trabalho que ficaram para além da questão de saúde pública. O maior exemplo disso é o teletrabalho, que o Governo quer nesta reforma "flexibilizar", assim como "clarificar a sua noção e âmbito". Nesta matéria, a CIP tem vindo a defender que é imperioso que o teletrabalho encontre enquadramento na legislação, de forma a que o Código do Trabalho se adapte à realidade, sob pena de "cada um começar a fazer conforme acha que deve".
No seu programa, o executivo comprometeu-se a "melhorar a adequação do regime legal aos desafios do trabalho na era digital, abrindo à regulamentação diferenciada do teletrabalho, do trabalho em plataformas digitais, do trabalho economicamente dependente e do trabalho em nomadismo digital" e também a reforçar a "possibilidade de transição, mesmo que temporária, entre regimes de horário de trabalho e a possibilidade de trabalho remoto por acordo entre as partes". A ideia do Governo passará por incentivar que a comparticipação de despesas com teletrabalho seja definida em contrato coletivo ou no acordo de teletrabalho celebrado entre empregador e trabalhador.
Autodeclarações fraudulentas
De acordo com o documento entregue aos parceiros sociais, a que a Lusa teve acesso, o Governo quer que a entrega de uma autodeclaração fraudulenta possa dar direito a um despedimento por justa causa. Em causa está uma proposta de alteração ao artigo 254.º do Código do Trabalho, relativo à prova de motivo justificativo de falta, que prevê que "a apresentação ao empregador de declaração médica ou de autodeclaração de doença com intuito fraudulento" constitua uma "falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento".
Atualmente, apenas a "apresentação ao empregador de declaração médica com intuito fraudulento constitui falsa declaração para efeitos de justa causa de despedimento", pelo que o objetivo agora é alargá-la também às autodeclarações de doença emitidas através da linha SNS 24, cuja autenticidade é possível verificar no portal.
Falta por luto gestacional
Outra das intenções do Governo é revogar a falta por luto gestacional, que prevê que a mãe e o pai possam faltar três dias ao trabalho por esse motivo, em caso de interrupção da gravidez. Faltas que atualmente são consideradas justificadas e não afetam os direitos do trabalhador. Na reforma laboral que apresentou aos parceiros sociais, o executivo pretende acrescentar uma alínea à licença por interrupção da gravidez (a que só a mulher pode aceder) relativamente ao acompanhante da trabalhadora, definindo que passa a ser "aplicável o regime das faltas para assistência a membro do agregado familiar". Este regime, sublinhe-se, possibilita que o trabalhador possa faltar até 15 dias por ano para assistência à família. Estas ausências, apesar de justificadas, podem implicar perda de remuneração.
Amamentação
O Governo quer definir como limite para a dispensa por amamentação os dois anos da criança, quando atualmente essa dispensa de duas horas por dia dura enquanto durar a amamentação. Além disso, a reforma laboral da AD exige que a mulher entregue, logo no regresso ao trabalho, um atestado comprovando que está a amamentar, que será renovado a cada seis meses, algo que hoje em dia apenas é pedido após a criança completar um ano de idade.