Pode ser uma luta pela atenção do presidente dos EUA e pela capacidade de o influenciar, de lhe sussurrar ao ouvido a direção; ou um combate pelo controlo do atual Partido Republicano, formatado por Donald Trump à sua imagem; ou, ainda, uma batalha pela alma do movimento Make America Great Again (MAGA), que levou Trump pela segunda vez ao poder. Seja como for, é uma guerra e opõe Elon Musk, o homem mais rico do mundo, líder da Tesla e da Space X e dono da rede social X, apoiante de primeira linha da reeleição de Trump, e Steve Bannon, que foi essencial na criação do MAGA, que foi estratega de Trump na Casa Branca (até cair em desgraça), e que é um podcaster populista com tração entre os republicanos, incluindo no Congresso.
O conflito entre os dois tornou-se público por causa dos vistos H-1B, destinados a permitir a entrada e permanência nos EUA a trabalhadores qualificados. Elon Musk, nascido na África do Sul e naturalizado norte-americano, beneficiou de um destes vistos, as suas empresas dependem deles e, por isso, declarou – na sua rede social, claro – que iria “para a guerra” para os preservar, contra a linha dura dos republicanos populistas. É deste outro lado que se situa Steve Bannon, que defende que os EUA não devem importar trabalhadores qualificados, devem formá-los. “Não quero estar aqui sentado a apanhar os melhores, os mais elitistas e os maiores cérebros do mundo e a trazê-los para os EUA. O que tornará os seus países melhores? Essa é uma atitude imperialista”, afirmou, numa entrevista à National Public Radio (NPR), uma rede de rádios norte-americana, depois da posse do novo presidente.
Bannon tem sido mais vocal no seu descontentamento e na contestação dos oligarcas, como intitula os bilionários do setor tecnológico, usando o mesmo termo que o presidente cessante, Joe Biden, usou no seu discurso de despedida, alertando para a “perigosa concentração de poder nas mãos de algumas pessoas ricas”.
“Há dois conjuntos de oligarcas. Há aquilo a que chamamos os senhores do dinheiro fácil em Wall Street. E depois há os oligarcas no estado do apartheid de Silicon Valley. E são claramente oligarcas. Têm concentração de riqueza e poder”, concorda Bannon. Regressa ao tema em entrevista ao “Wall Street Journal” e ao “New Your Times”, esta semana, onde acusa os líderes das big tech de tentarem impor um “feudalismo digital”. “Se não pararmos com isto agora, isto não vai destruir apenas este país, vai destruir o mundo”, avisa.
Por isso, a sua querela com Musk é mais profunda do que o diferendo sobre os vistos. “É um abismo fundamental”, diz, ainda que elogie o trabalho que aquele está a desenvolver (mesmo que critique o acesso não autorizado aos sistemas) e a disponibilidade para apoiar financeiramente o movimento e a candidatura de Trump.
O podcast War Room (Sala de Guerra) é o púlpito de Steve Bannon, calculando-se que atraia centenas de milhar de ouvintes. O próprio autor afirmou, em 2021, quando foi banido do YouTube e do, então, Twitter, que tinha acumulado 29 milhões de streams.
Bannon diz que faz parte de uma revolução populista que se insurge contra o “a ordem estabelecida que perdeu o contacto” com a população. É um apoiante devoto de Donald Trump, com quem diz continuar a falar “as vezes suficientes”, embora o contrarie, por vezes. Foi detido no ano passado por recusar cooperar com uma investigação do Congresso sobre a tentativa de Trump de reverter a sua derrota eleitoral de 2020. Ainda está a contas com a justiça pela utilização de dinheiro recolhido para fazer um muro entre os EUA e o México.
A questão é saber se os bilionários tecnológicos se tornam o novo sistema ou se os votantes que elegeram Trump levam as suas propostas avante em domínios como a industrialização ou o corte de taxas (que defendem para quem ganha menos, enquanto sobem para quem tem mais, quando a prática do presidente tem sido aliviar a fatura fiscal dos mais ricos).
Bannon considera que o poder de Musk na Casa Branca e a sua capacidade de influenciar Trump são limitados e que o populismo do MAGA prevalecerá, mas a realidade tem mostrado o oposto, pelo menos no que aos dois diz respeito. Primeiro: Steve Bannon não esteve presente na cerimónia de investidura de Trump, enquanto Musk foi um observador atento, nas primeiras filas. Depois: Musk chefia o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), criado para cortar nos gastos públicos, uma ambição de Bannon, que não tem qualquer posição na Administração. Mais: Trump decidiu a favor do seu novo protegido na questão dos vistos H-1B, ignorando o clamor do seu antigo estratega.
“Veremos”, diz.
Combate pela alma do populismo norte-americano
Steve Bannon e Elon Musk guerreiam por vistos, mas também por algo mais profundo, que é saber quem dominará o sistema, se as ruas, se as empresas tecnológicas.
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