Como é que foram os números do turismo em Aveiro em 2023? E por que razão é que são dignos de relevo?
Nós, como todo o país, tínhamos feito em 2019 o nosso melhor ano turístico. Depois, aconteceu o que aconteceu com a pandemia. Mas já o ano de 2022 foi para nós o melhor dos anos. Em quase todos os indicadores 2022 foi melhor que 2019. Mas, de facto, é 2023 que fica então como o nosso ano recorde.
Em que indicadores?
Geralmente, quando vivemos intensamente um território temos sempre impressões. Mas em termos numéricos, no que respeita às dormidas nós já fomos para perto das 450 mil dormidas, o que quer dizer um crescimento ligeiramente superior a 10% em relação aos números de 2022, que eram os números recorde. No que respeita a visitantes dos nossos museus, galerias de exposições e lojas turísticas que são da Câmara ficámos muito próximo dos 300 mil visitantes. E isso é um crescimento de 32% em relação a 2022. Foi a área em que tivemos aqui um crescimento mais forte. Enfim, houve um contributo de todos, mas passou muitos pelos museus. Só estritamente nos museus o crescimento foi de 35%. Nestes indicadores estão números recorde desde que há registo no nosso município de Aveiro.
A que ou a quem atribui estes resultados?
Para já não é nenhum trabalho pontual, é um trabalho acumulado do trabalho da Câmara, seguramente, que é a entidade que lidera um conjunto de operações e de investimentos, de promoção, de marketing territorial, de qualificação urbana, de desenvolvimento de eventos ao longo de todo o ano, de gestão museológica. Mas com uma participação importantíssima de outras entidades: desde logo, a nossa Associação de Municípios, a Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro, também tem feito um trabalho muito importante. A nossa entidade regional de Turismo, o Turismo do Centro de Portugal, tem sido um investidor muito relevante para o crescimento turístico que a região Centro e Aveiro tem mostrado. E, obviamente, aqueles que são o motor principal de tudo isto: as nossas empresas privadas, das múltiplas áreas – alojamento local, hotelaria tradicional – os operadores turísticos, marítimo-turísticos, a restauração... Enfim, tem sido o seu trabalho direto, o trabalho de promoção que eles próprios fazem. É este contributo acumulado de toda esta gente que tem permitido o crescimento de Aveiro, com números muito relevantes. São números recorde, mas é minha profunda convicção que o bateremos em 2024.
Como é que uma região mais pequenina, com menos projecção internacional que Lisboa, Porto, Algarve ou Madeira, consegue atrair mais gente? Como é que se consegue vender o destino Aveiro para para pessoas que vêm de fora?
Aqui há três ou quatro notas que são muito importantes. Primeiro, Aveiro despertou para este mundo há muito pouco tempo. E eu nem sequer posso dizer que foi há dez anos, porque quando cheguei à presidência da Câmara de Aveiro, há dez anos, enfim, só tinha era tempo para trabalhar a pôr a Câmara em ordem. Porque a Câmara estava falida, legalmente impossibilitada de fazer investimentos. E, na prática, a Câmara começa a fazer investimentos a sério nesta área em 2016/2017. Foi o nosso arranque, quando foi preciso trabalhar e trabalhar em rede. Quando cheguei à Câmara havia um conflito violento – de jornal, de praça pública – entre a Câmara e os operadores marítimo-turísticos e os operadores hoteleiros por causa de taxas municipais. Eu sou contra. Continuo a ser contra a taxa turística. Em Aveiro havia taxa turística e uma guerra dos hoteleiros com a Câmara, processos em tribunal, etc. E eu acabei com essa guerra e acabei com a taxa turística. Repito: porque sou filosoficamente contra a taxa turística. Portanto, em primeiro lugar foi preciso trabalhar, pôr os pés ao caminho, como diz o nosso povo, e trabalhar em equipa, com todos aqueles que podem dar contributo. Isso foi um passo primeiro. E depois explorar redes internacionais. Aveiro investiu muito e, obviamente, não saímos desse investimento.
Que tipo de redes internacionais?
Redes internacionais na área da cultura: temos várias ligadas à arte nova, ligadas a várias componentes de cultura a que nos abalançámos, aquando da nossa candidatura a Capital Europeia da Cultura. As redes internacionais ligadas aos parques de Ciência e Tecnologia, nomeadamente ao IASP, que é a Organização Internacional dos Parques de Ciência e Tecnologia, promovendo o nosso Parque de Ciência e Tecnologia, que se chama Parque de Ciência e Inovação. Ou, trazendo para Aveiro um dos mais conceituados parques de ciência e tecnologia do mundo, que é o Parque do Recife, o Porto Digital, é o nome dele. Portanto, nesta dimensão da promoção de nos colocarmos dentro de redes europeias, redes internacionais deu um contributo muito importante. E outra, à qual eu também dou muita importância: a contribuição da nossa Universidade de Aveiro, que está a comemorar os seus 50 anos.
Que se tornou numa instituição de relevo à escala europeia.
À escala mundial, integrando muitas redes de universidades, de centros de ciência, inovação e Tecnologia. Tem tido, nos últimos anos, cerca de 2.000 estudantes de Erasmus de todo o mundo. É muitas vezes a universidade portuguesa com maior número de nacionalidades – não com maior número de estudantes, obviamente – mas com o maior número de nacionalidades.
E do lado empresarial?
Depois há, claro, um conjunto de empresas multinacionais, nomeadamente na área da indústria, que aqui estão em Aveiro e que têm, obviamente, um papel. Contribuem para essa divulgação, para essa promoção pelo seu próprio trabalho regular: a Bosch, a Navigator, a Indasa, a Renault, a Altice Labs... Enfim, um vasto conjunto de empresas que nos dá esse caráter internacional e que também tem sido parte deste processo. Referencio por aqui esta nossa aposta, mas gosto muito de repetir a frase de 'por os pés ao caminho', de fazermos um trabalho investindo, apostando nisto. E quando nós estamos a caminhar bem e com parceiros que podem dar uma ajuda, as coisas acontecem. Foi isso que aconteceu em Aveiro e é a minha profunda convicção que vai continuar a acontecer.
Obviamente que há consciência de que Aveiro se tornou um pólo de inovação em Portugal, um ponto de atração de pessoas que vêm trabalhar para áreas de programação, entre outras. Nós sabemos disso. Agora, como a capacidade de atrair empresas e pessoas que vêm para trabalhar se transforma em capacidade de atrair pessoas que vêm para visitar? Foi feito algum trabalho específico nesse aspeto ou se é simplesmente uma espécie de efeito secundário?
As duas coisas. Eu próprio, quando aqui cheguei e me reuni com os diretores gerais das mega empresas do Mundo, da Bosch à Renault, uma das áreas de trabalho nessas interações era exatamente: 'ajudem-nos a promover Aveiro! O que é que podemos fazer convosco? O que é que vos podemos ajudar para que na vossa rede mundial vocês possam falar de Aveiro e promover Aveiro?' Isso foi sempre uma das nossas notas. Portanto, há um trabalho direto nosso. Tem havido um trabalho direto nosso para tirar proveito dessas redes. Isso por um lado.
E a outra vertente?
Por outro lado – e, obviamente, nunca fugindo da verdade – a verdade é que todos nós já fizemos turismo por causa do nosso trabalho. Ir a um sítio porque temos que ir, mas dizemos: 'eu quero voltar aqui para conhecer isto, mas numa lógica de férias'. Já nos aconteceu a todos na vida e, obviamente, isso acontece bastante nestas empresas que movimentam imensa gente. Veja, por exemplo, a Altice Labs. Quando se tornou uma multinacional, era a PT Inovação, e já era uma empresa portuguesa multinacional. Mas quando ela torna uma multinacional francesa, ela passou a liderar as empresas de investigação e desenvolvimento de todo o grupo Altice, superando nessa liderança a disputa que teve com a empresa francesa e a empresa israelita. E em meia dúzia de anos, uma entidade que tinha 400 engenheiros, hoje tem 700. E essa relação de quem vem trabalhar, de quem fala de Aveiro por causa do trabalho, tem uma relação muito próxima com as férias, com o conhecer, com o ter gosto em conhecer. Com a ideia de vir um dia ou dois por causa do trabalho e ficar mais um ou dois para fazer turismo.
Isto sem contar que as famílias desses expatriados que, quando cá vêm, não vêm para trabalhar, vêm para visitar.
Exatamente. Exatamente. E portanto eu ponho sempre esses dois fatores associados à exploração direta dessas redes. E, por outro lado, essa agregação normal da vida, do trabalho com a vida do lazer.
O que é que existe no ambiente de negócios em Portugal que poderia ser melhorado para que o turismo de Aveiro e de outras regiões pudesse pudesse ser ainda melhor? Há algum obstáculo ou alguma barreira que devesse ser retirada?
A nossa principal barreira, aquilo que eu entendo que é a área onde nós precisamos de crescer mais, muito mais, em quantidade e em qualidade, é claramente a nossa oferta hoteleira. Seja a hotelaria tradicional, seja a hotelaria de bandeira, com hotéis que pertençam a redes internacionais. Essa é a maior pecha de Aveiro. E estou a falar de Aveiro – cidade, município e região, nessa tripla dimensão. Temos trabalhado muito essa área, com muitos candidatos a investidores. Mas tem acontecido muito pouco nesta década. Houve uma fase em que nós já nos estávamos a aproximar de decisões de investimento, quando tudo foi abalroado pela pandemia. Mas eu continuo a trabalhar muito nessa área: que é a de termos mais, muito mais unidades hoteleiras e algumas delas que sejam de bandeira, de redes internacionais. É muito importante para sustentar este crescimento. É muito importante para dar a conhecer outros públicos e nós vamos continuar a trabalhar muito.
E a nível fiscal, a nível nacional, há alguma coisa que pudesse ser melhorada?
Eu julgo que o país tem estado globalmente bem, nomeadamente no que respeita ao apoio ao investimento nesta área. Nós, municípios – Aveiro e não só – investem muito em promoção territorial, em cultura, em oferta cultural, em rede de eventos. Aí, eu julgo que estamos bem. Entendo sempre que, ao abrigo da Lei das Finanças Locais, nós devemos aprofundar e estávamos a trabalhar na ANP numa nova lei de finanças locais, estávamos a trabalhar com o governo. Obviamente, tudo isso parou.
Com a queda do governo, claro.
Claro, agora aguardamos um governo novo. Para quê? Para aquilo a que se chamou noutros tempos o IVA Turístico. É muito importante aprofundarmos o IVA turístico, para que uma percentagem do IVA Turístico seja receita – mas bem mais forte do que a que vem atualmente definida na Lei das Finanças Locais, que é muito, muito curta – seja receita dos municípios. Porque, obviamente, o crescimento turístico exige uma uma necessidade de investimento. Portanto, nessa área da fiscalidade eu coloco sempre essa referência ao IVA Turístico, para que as câmaras municipais tenham mais capacidade financeira de responder na direta proporção do seu crescimento turístico. Porque ele, obviamente, traz-nos custos, necessidades de capacidade nas várias redes urbanas, que, obviamente, quem não tem crescimento turístico, não tem essa necessidade.
Em relação a transporte, inclusivamente aéreo, estão bem servidos pelo aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, certo?
Eu digo sempre que Aveiro tem dois aeroportos. Uma cidade que tem um aeroporto a 45 minutos e um outra a 01h45 está bem servida de aeroportos...
Se tivesse um a meio caminho, por exemplo em Santarém, o que é que diria?
Nós achamos sempre em Portugal que precisamos sempre de mais um, e mais perto. Mas Aveiro está bem. Quer dizer, nós temos um aeroporto a norte, a 45 minutos. Temos um aeroporto a sul, em Lisboa, a 01h45 e estamos bem servidos também, quer por rodovia, quer em termos ferroviários, na combinação comboio e metro. E portanto, Aveiro está bem servida a esse nível. E também temos recebido do contributo dos aeroportos, seja das companhias normais, seja da nossa companhia de bandeira, a TAP, de outros operadores, seja das low cost, temos também recebido um bom contributo para este crescimento de turistas.
Deixe-me passar para um outro ponto. Quando se fala nas eleições legislativas de março, muitos empresários falam em indefinição, em incerteza. Também na qualidade de político (do PSD), o que é que espera para as eleições de 10 de março?
É evidente que, em termos de preocupação... é absolutamente normal. Agora até aparecem uns políticos novos a dizer que temos de nos habituar aos 'ciclos curtos'. Quer dizer, vamos deixar de ter ciclos de quatro anos e vamos passar a ter ciclos de dois? Eu espero bem que não. É essencial estabilidade para se governar algo, especialmente quando neste caso – Portugal – precisa de reformas profundas, precisa de mudanças que são difíceis de fazer, para que o Estado aumente muito a eficiência da sua prestação, para que as empresas possam ter estabilidade no quadro fiscal, para planear investimentos, para sermos mais competentes a atrair investimento estrangeiro, etc, etc, etc. A estabilidade é absolutamente fundamental e, portanto, eu espero que haja possibilidade de haver um governo estável, que saia um governo estável.
Com que formato e liderança?
Obviamente, como social-democrata e avaliando de aquilo que tem acontecido em Portugal nos últimos oito anos, espero que a Aliança Democrática ganhe as eleições. Enfim, obviamente que era bom que fosse por maioria absoluta. Não há nenhum indicador que o diga, como sabemos. Podemos é ter uma grande dificuldade com uma vitória da Aliança Democrática: não conseguir fazer maioria com a iniciativa Liberal. E teremos logo aí um problema de estabilidade a esse nível. Ou, enfim, há outro cenário para o qual cada vez há menos sondagens que o apontam: o de ser o Partido Socialista a ganhar as eleições. E também os indicadores dizem que o Partido Socialista não conseguirá, somando os seus lugares no Parlamento aos do Bloco de Esquerda e aos da CDU, ter maioria. Portanto, eu não tenho ilusões.
E isso significa?
Eu tenho dito... Enfim, somos muito poucos os portugueses que o dizem... Eu digo que o país que tem reformas tão difíceis para fazer e tão urgentes precisava muito de um governo do PSD com o Partido Socialista. Com um caderno de encargos à séria para tratar do país. Muito referenciando, como eu referencio, o modelo alemão. Que, obviamente, teve que fazer uma coligação durante três mandatos do SPD com a CDU para conseguir resolver os problemas, nomeadamente, da integração da República Democrática Alemã na República Federal Alemã, ou seja na reunificação das Alemanhas. Mas sabemos que é preciso criar uma ambiência política para que isso aconteça. E ela não está criada, como sabemos.
Aqui ao lado em Espanha, os eleitores votaram maioritariamente no PSOE (socialistas) e no PP (centro-direita), sinalizando que queria um entendimento entre ambos. Não foi isso que aconteceu. Não é a mesma coisa que quer o eleitor português?
Eu tenho essa leitura. Aliás, tenho dito isso muito como membro que sou do Comité das Regiões da União Europeia. Claro que o grande problema hoje das democracias europeias – e não é só a nossa, são quase todas – é o do centro político não conseguir criar patamares de cooperação política, de entendimento e ação política corajosa para resolver os problemas da Europa. E como o centro político, onde estão os PS e os PSD desta Europa, não tem tido essa capacidade, tem propiciado o crescimento dos extremismos, enfim, que há um tempo que são de esquerda, mas vivemos uma fase na Europa em que os extremismos que estão na moda são os de direita.
O que agrava o problema.
E isso é dramático, isso é dramático para as democracias europeias. Os Estados Unidos estão numa situação idêntica. O Brasil está numa situação idêntica, numa radicalização violenta entre os dois pólos que disputam o poder. Felizmente para nós, na Europa a radicalização não tem o nível de violência que tem, nomeadamente, nos Estados Unidos e no Brasil. Mas é verdade que o centro político, esse centro político, não tem sido capaz de se congregar, de ser reformista, como os países precisam que seja. Vão gerindo a espuma dos dias e o politicamente correto e, obviamente, problemas como a imigração, que é hoje o principal tema de preocupação política dos europeus – está demonstrado em todas as sondagens de opinião que é a questão da imigração desregrada – criam opções radicais.
Aliás, eu, quando o Presidente Cavaco Silva nomeou o governo minoritário do engenheiro Sócrates e já havia sinais de que as coisas estavam a começar a descambar, eu fui muito crítico do professor Cavaco Silva porque entendia que naquela altura tinha que se pressionar o mais possível a ter um Governo com um apoio parlamentar muito estável e comprometido no PS e no PSD. E não foi isso que aconteceu.
Depois veio a bancarrota.
E teve de ser um compromisso entre o PS e o PSD a permitir ao país fazer um acordo com a troika, com um plano que permitiu ao país sair da bancarrota e voltar ao crescimento económico com o primeiro-ministro Passos Coelho.
Muitas vezes, quando falo nisto as pessoas dizem que 'um bloco central é um problema'. Negativo! Só houve um governo de bloco central: era primeiro-ministro o Dr. Mário Soares era vice primeiro ministro o Dr. Mota Pinto. Foi um governo que durou quase três anos. Mas foi só um. Há outro bloco central que, esse sim, nós queremos que tenha pouca importância e tem muita: que é o bloco central de interesses. Que são os rapazes do PS e do PSD que andam sempre nos negócios, mas isso é uma outra conversa.