Economistas defendem que a descida da carga fiscal sobre os combustíveis é a forma mais rápida de aliviar a carteira dos portugueses num momento em que o preço dos combustíveis aproxima-se dos 100 dólares.
O mais recente disparo nas cotações internacionais do petróleo e, por arrasto, no preço dos combustíveis nas bombas nacionais deve-se sobretudo à ação concertada do maior cartel petrolífero do mundo, a Organização de Países Produtores de Petróleo e seus aliados (OPEP+).
O anúncio do prolongamento até final do ano dos cortes de produção saudita e russo lançaram algum pânico nos mercados, que reagiram em alta, suportados pela avaliação da Agência Internacional de Energia (AIE) de um défice no mercado global no último trimestre do ano. Quanto tempo durará este choque é, agora, a pergunta que se impõe.
Economistas contactados pelo Jornal Económico (JE) defendem que o Governo poderia reduzir a carga fiscal num momento de maior aperto, como forma de aliviar a carteira dos portugueses, apesar da perda de alguma receita. A carga fiscal sobre os combustíveis ronda os 50% do preço final da gasolina 95 e 46% no gasóleo, segundo os dados mais recentes do regulador ERSE.
O economista e ex-ministro da Indústria Luís Mira Amaral aponta aos impostos associados aos combustíveis, com foco no ISP, como o caminho mais fácil e óbvio para o Governo abordar esta questão. Ainda assim, mostra-se mais preocupado com a dinâmica dos bens energéticos, sublinhando também a incerteza em torno da sua evolução.
Apesar do impacto negativo nas suas receitas, o antigo ministro dos governos de Cavaco Silva lembra o potencial da energia como “arma política” para projetar a possibilidade de os cortes da OPEP+ se prolongarem para 2024.
Já João Duque também pede menos carga fiscal: "Descer o ISP. Esta é a forma imediata" para baixar os preços na bomba, defende. O economista aponta que uma mexida no IVA já seria mais complicada pois teria de obter aprovação da Comissão Europeia em Bruxelas.
Apesar da perda de receita, aponta que o "custo do combustível vai repercutir-se noutros produtos, o aumento é transversal. Não é possível ter sol na eira e chuva no nabal".
O Governo mantém em vigor o desconto no Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP). Para este mês, está previsto um desconto de 13,1 cêntimos por litro no gasóleo e 15,3 cêntimos por litro na gasolina.
Por sua vez, António Nogueira Leite, economista e professor universitário, está contidamente otimista. Lembrando a natureza do disparo nos preços do barril, a expectativa passa por uma situação temporária, um cenário que a própria AIE admite, ao falar numa reversão do défice criado no final de 2023 para um superavit no arranque de 2024, caso terminem os cortes saudita e russo.
“Tudo vai depender dos países da OPEP+ conseguirem fazer. Não vejo isso [pressão nos preços energéticos durante bastante tempo] como o cenário central, mas temos de continuar a seguir os dados com muita atenção”, resume. Um argumento a favor desta visão são os efeitos na receita de ambos os países neste ambiente de preços elevados: depois de um aumento inicial, a restrição do consumo irá levar a “uma perda líquida” para sauditas e russos.
Neste cenário de choque temporário, os efeitos na economia portuguesa serão contidos, continua. Assim, e apesar dos apelos recentes do Presidente da República, poucas medidas se afiguram como oportunas, considera António Nogueira Leite.
O economista aponta que o "Governo podia abrir mão de alguma receita", mas talvez seja cedo para tomar medidas, considera. "Para já, não faria grandes medidas, porque não sei quanto desta situação é temporário”, afirma.
Setembro arrancou com o anúncio saudita de que iria prolongar o corte de produção de um milhão de barris diários (bpd) até ao final deste ano, colocando o output do reino em 9 milhões de bpd. De seguida, Moscovo seguiu o passo, decretando a extensão do corte de 300 mil bpd até final de 2023. De uma assentada, os dois maiores exportadores mundiais de crude reduziram a oferta global significativamente, pressionando as suas cotações nos mercados internacionais.
A inflação na zona euro vinha já refletindo as subidas durante julho dos preços dos combustíveis, fenómeno que explica a não-descida do indicador em agosto na zona euro. isso mesmo reconheceu o Banco Central Europeu (BCE), ao explicar que as revisões em alta da inflação para 2024 se deviam sobretudo à expectativa de preços mais elevados nos bens energéticos.
No palco internacional, Mira Amaral destaca que a "Rússia ficará encantada se isto for uma arma política contra os países ocidentais e a Arábia Saudita, que tem tido um processo de descolagem dos EUA, talvez tenha imenso gozo em não aceitar o que o presidente Biden pediu. Portanto, por razões políticas, admito que tentem manter esse corte”, defende.
Outro fator indissociável da pressão nos bens energéticos, acrescenta, é a rápida e “precipitada” transição climática promovida por Bruxelas. Esta política tem um impacto “inflacionista”, argumenta, ao travar investimentos necessários no sector dos combustíveis fósseis, e pode ter efeitos ainda mais negativos do lado político.
“Queremos passar para um modelo altamente intensivo em matérias-primas e minerais que a Europa não possui. […] Isto vai criar alguma pressão inflacionista nestas matérias-primas, que são cada vez mais controladas pela China”, lembra, em linha com os avisos recentes da Presidência espanhola da UE.
Os responsáveis europeus de energia reúnem-se no início de outubro em Granada e em cima da mesa está a tendência de cada vez mais dependência da China em componentes-chave para o novo modelo energético europeu, sobretudo nas baterias de lítios e células combustíveis. O medo dos responsáveis europeus é que a UE se torne mais dependente da China até 2030 do que era da Rússia no capítulo energético, uma situação indesejável depois dos problemas com as cadeias globais de fornecimento durante a pandemia e das tensões geopolíticas com Moscovo após a invasão da Ucrânia.
Petróleo a caminho dos 100 dólares
O petróleo negociou nos 95 dólares na terça-feira, em máximos de 10 meses e caminha agora para os 100 dólares, apontam os analistas consultados pelo JE.
"A força do preço do petróleo dos últimos 3 meses deriva fundamentalmente do aproveitamento da OPEP+ do controlo que exercem no mercado, através do corte da produção, não obstante assumirem que o mercado está e irá estar muito apertado, no que respeita ao binómio procura/oferta. O que não apenas os beneficia diretamente como contraria as medidas da União Europeia no sentido de conter os preços do crude, para além de favorecer a Rússia, criando condições para que mantenha o conflito na Ucrânia", defendeu ao JE o consultor de investimentos Marco Silva.
Questionado sobre forças baixistas, aponta que uma descida "poderá ocorrer caso o cartel inverta a estratégia de subir e manter os preços num patamar mais perto dos 100 dólares, nível que pode ser atingido nas próximas semanas. Uma eventual recessão económica mundial pode igualmente ajudar a diminuir o preço, contudo a OPEP+ poderá responder com mais cortes".
"No final do dia, a melhor solução seria a pressão política a nível global, nomeadamente sobre a Arábia Saudita, no sentido de reduzir o aproveitamento que está a exercer sobre o preço, dado que é o país com maior disponibilidade para cortar ou aumentar a produção", afirma o analista.
Por sua vez, Henrique Tomé aponta que "os cortes no fornecimento de petróleo da Arábia Saudita e da Rússia continuam a influenciar os preços do petróleo. Ambos os países anunciaram há duas semanas que irão prolongar os cortes na produção e na exportação até ao final do ano, apanhando os mercados desprevenidos, uma vez que era esperado um prolongamento de apenas um mês".
"As mudanças na curva dos futuros do petróleo mostram que o mercado pode estar com falta de oferta no curto prazo e que o mercado físico de petróleo está a ficar mais pressionado. Observando o gráfico abaixo, que traça a curva atual de futuros, bem como as curvas da semana e do mês anterior, podemos ver um forte aumento nos contratos de curto prazo. Esta situação indica que ou a procura a curto prazo é muito forte, ou a oferta a curto prazo é limitada", acrescenta.
Sobre a barreira dos 100 dólares por barril, aponta que as "as expectativas sobre novas subidas em direção à marca dos 100 dólares voltam a aumentar. No entanto, ainda existem alguns fatores de risco que podem comprometer o desempenho do petróleo nos próximos meses. Em primeiro lugar, a atividade económica continua a abrandar e espera-se que a procura por petróleo possa diminuir ao longo do tempo. A situação no mercado chinês também continua a ser uma incógnita, uma vez que os indicadores económicos continuam a dar dados mistos sobre a economia chinesa e continuam a existir evidências de que o país deverá crescer menos do que se esperava inicialmente o que poderá também afetar a procura por petróleo".
"A juntar a tudo isto, não nos devemos esquecer que os EUA poderão voltar a intervir através da libertação temporária das reservas estratégicas de petróleo como o fizeram anteriormente o que levaria a quedas nos preços, pelo menos a curto prazo", remata o analista da XTB.
Por sua vez, a UBS espera que o Brent "negoceie nos 90-100 dólares por barril nos próximos meses, com uma meta de 95 dólares por barril no final do ano", segundo o analista Giovanni Staunovo.