Se faz ou fez terapia em algum momento da sua vida saberá que um dos modelos de trabalho utilizados por – arrisco, a maioria – dos profissionais são os apontamentos no bloco de notas sobre o que o paciente vai dizendo. O CASMI – Centro Avançado de Saúde Mental e Investigação, em Vale de Cambra, quer acabar com esse hábito e digitalizar a informação recolhida pelos profissionais.
“Temos o projeto de acabar com o papel. Os psicólogos são «doidos» por notas escritas no papel. Quero criar uma sala inteligente, com toda a tecnologia que existe e que permite, inclusive, reconhecer padrões de voz, conhecer palavras repetidas que significam sentimentos disto ou daquilo ou fazer reconhecimento facial para perceber a expressão”, avança, ao Jornal Económico (JE), a cofundadora Estela Brandão de Bastos.
“Depois, [o sistema] reproduz todas essas notas de que o psicólogo vai precisar quando tiver a próxima consulta com aquele paciente e faz outputs essenciais ao exercício da função para o psicólogo não se preocupar. É uma espécie de Copilot que gostava muito de desenvolver para apoiar os psicólogos, mas claro que há aqui muitas questões, inclusive deontológicas, que têm de ser bem trabalhadas com a Ordem dos Psicólogos”, admite a gestora.
É assim tão difícil unir psicólogos e tecnologia? A resposta é “nim”. Autocaracterizado como centro de investigação e startup e clínica de psicologia, o CASMI tem estado a trabalhar com a Microsoft para utilizar o digital enquanto complemento ao serviço humanizado, até porque existem gestos feitos durante as consultas que nem o melhor software do mundo deverá ser capaz de captar.
“Bem sei que há médicos e advogados que não gostam de tecnologia, mas há aqui uma «cola» importante de que como contribuímos para essas indústrias ficarem melhores. Temos aqui uma boa oportunidade de mostrar que a Inteligência Artificial, que agora está na berra, é feita pelas pessoas. Se não usarmos a tecnologia para ajudar as pessoas começa logo mal. Aqui é a tecnologia a ir ao mais fundamental daquilo que nós somos. Não é um contra o outro”, afirma, ao JE, o diretor executivo de Startups e Nativos Digitais da Microsoft Portugal, Francisco España.
Em termos práticos, o CASMI utiliza – além do Teams para as sessões de terapia à distância – Realidade Virtual e biomarcadores, como a frequência cardíaca e a SpO2 (saturação periférica de oxigénio), para indicadores biológicos mensuráveis que podem dar informações sobre o estado cardiovascular e respiratório de alguém. Os biomarcadores são recolhidos por Microsoft Power Apps & Power Automate.
Fundado em 2021, o projeto foi pensado antes da pandemia - ainda que o ano possa dar a entender o contrário por duas amigas de infância, a Estela Bastos e Sónia Vide. “Já tínhamos conhecimento de que era o parente pobre das organizações ao nível da saúde e inclusive em contexto hospitalar”, reconheceu. “Desde o primeiro momento que quisemos fazer suportar os serviços dos profissionais de saúde mental por tecnologia. Ela está aí, portanto não há como dizer que não, apesar da grande reticência de muitos deles no uso. Os psicólogos odeiam tecnologia. Nós andamos sempre aqui a partir pedra…”, lamenta Estela Bastos.
Para Francisco España, é uma mais-valia verem os resultados dos investimentos que a multinacional faz em Portugal. “Acabamos por, enquanto Microsoft, tornarmo-nos «clientes» e ter os nossos colaboradores a usufruir do projeto. Queremos saber como estamos, fazer o benchmark, ver as diferenças, e depois também ajudar com data points. Ou seja, perceber como é temos mais informação consoante o alvo da tecnologia. Eu próprio tive essa experiência e é fenomenal ver os blind sides, quando achamos que está tudo bem, mas o bem acaba por ser relativo”, diz ao JE.
Europeus sem apoio psicológico
A Comissão Europeia publicou ontem o novo Eurobarómetro da saúde mental, no qual se conclui que nove em cada dez europeus que participaram no estudo (89%) consideram que a promoção da saúde mental é tão importante como a da saúde física. No entanto, mais de metade dos inquiridos (54%) com um problema de saúde mental não recebeu qualquer ajuda de um profissional e quase metade da amostra (46%) debateu-se com um problema emocional ou psicossocial, como a depressão ou a ansiedade, nos últimos doze meses.
Quando confrontados com as formas como a União Europeia poderia dar um maior contributo para melhorar a saúde mental dos cidadãos dos diferentes Estados-membros, mais de quatro em cada dez assinalaram “melhorar a qualidade de vida em geral” (45%), “melhorar o acesso e o apoio ao diagnóstico, ao tratamento e aos cuidados de saúde mental” (37%) e “apoiar a saúde mental dos mais vulneráveis” (37%).