Wim Wenders não é um vidente, mas terá dito a Miguel Gomes, na véspera da atribuição dos prémios da 77ª edição do Festival de Cannes, que, quiçá, lhe iria entregar o prémio de mise-en-scène quando o diretor artístico Thierry Frémaux os apresentou. Com, ou sem, bola de cristal, a verdade é que o realizador português Miguel Gomes arrebatou o prémio de realização na Croisette. Um momento memorável para a história do cinema português e um tour de force para Miguel Gomes, que à boleia desta vitória poderá vir a concretizar um projeto complexo, adaptação do romance “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, a rodar no Brasil. Mas antes que esse futuro aconteça, importa celebrar o momento e o feito de “Grand Tour”, que chegará às salas portuguesas em novembro.
A nova longa-metragem do cineasta português, com Crista Alfaiate e Gonçalo Waddington no elenco, conta a história de dois noivos, incapazes de chegar a um acordo ou de habitar o mesmo espaço no mesmo tempo. Um homem medroso, uma mulher valente. Ele em fuga por vários países asiáticos, ela seguindo na sua peugada. O tempo? Início do século XX. Sem cor, antes num belo preto e branco que deixa ao espetador todo o espaço do mundo para o ‘colorir’.
Foram sete os países que Miguel Gomes e a sua equipa percorreram no continente asiático. E foram vários os imprevistos a que tiveram de fazer frente. Particularmente na derradeira fase de filmagens, em que foram alertados para o facto de a sua entrada na China, estar em risco. Ainda não lhe chamavam ‘pandemia’, mas era ‘essa’ a restrição, em 2020. Apesar dos contratempos, “Grand Tour” fez-se. Não num ato solitário, mas fruto do trabalho de equipa, como Miguel Gomes fez questão de sublinhar em Cannes, chamando ao palco todos aqueles que lhe permitiram realizar este filme. Ocasião que, também, aproveitou para homenagear a nossa cinematografia: “Obrigado ao cinema português. Sei de onde venho. Há grandes mestres, como [Manoel] Oliveira, que me inspiraram a fazer filmes”.
Também na competição oficial, a curta-metragem de Daniel Soares, que integrou a secção que atribuiu a Palma d’Ouro a “Arena”, de João Salaviza, em 2009, fez em Cannes a sua estreia mundial. Com produção de O Som e a Fúria e Kid With a Bike, “Mau por um momento” mereceu uma menção especial do júri, que o realizador considerou “uma conquista muito importante”.