A cimeira do Alasca entre os presidentes norte-americano Donald Trump e russo Vladimir Putin será a primeira reunião presencial entre ambos desde o início da invasão da Ucrânia, mas não há planos para a presença de líderes europeus, o que levanta questões sobre a importância da diplomacia do bloco no cenário mundial.
“Há, por parte dos Estados Unidos, uma força muito grande, mesmo perante os seus amigos e não apenas perante os seus adversários”, disse o embaixador Francisco Seixa da Costa em declarações ao JE, enfatizando que a Europa não conta na agenda da Casa Branca. Muito por culpa própria, admite o analista: “a Europa capitulou em várias situações”, citando casos emblemáticos como a questão das tarifas e a última assembleia da NATO em Haia, Países Baixos. Nesse quadro, não seria de esperar que Trump convidasse os europeus para o Alasca. O máximo a que esteve disposto foi a presença esta quarta-feira num encontro online com alguns líderes europeus, ao qual se deverá associar o presidente ucraniano.
As repercussões deste posicionamento, disse ainda Seixas da Costa, vão custar caro à Europa. E não é provável que venham a ser dirimidas por uma qualquer opção estratégica ao nível do bloco dos 27.
"A reunião no Alasca pode oferecer mais um momento de verdade à Europa, porque a União Europeia encontra-se à margem do que pode ser o esforço de paz mais importante desde o início da guerra, com Trump e Putin a marcarem um encontro sem nenhum líder europeu oficialmente convidado", afirmou Alberto Alemanno, professor de Direito da União em Paris, citado pela agência Euronews. É um sinal claro de que a Europa está a ser deixada de lado.
A Europa está concentrada nos esforços para garantir um lugar à mesa de negociações para o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, mas as recentes ameaças dos EUA de cortar o financiamento dos esforços de defesa da Ucrânia deixaram a Europa cautelosa e conciliadora, disse o analista.
"Isto é extremamente complicado e frustrante para milhões de europeus que gostariam de ver os seus líderes europeus falarem mais alto em vez de aceitarem, mais uma vez, mais imposições, mais intimidações, mais subjugação a esta administração norte-americana num momento em que esta negociação poderia remodelar fundamentalmente a segurança europeia", concluiu.
Mesmo que Trump e Putin cheguem a um acordo, este não poderá ser implementado contra a vontade da Ucrânia e da Europa, afirmam alguns analistas. Mas até isso já tem provas em contrário. Quando Trump tentou impor como contrapartida para a paz a entrega aos Estados Unidos das chamadas terras raras, Kiev disse, em primeira instância, que "não, definitivamente não", até acabar por dizer "está bem" a um plano que nada tinha de proveitoso para o país.
Antes das negociações, Donald Trump disse que um acordo de cessar-fogo poderia envolver a troca de territórios entre a Ucrânia e a Rússia, uma sugestão rejeitada por Zelensky e fortemente combatida pelos líderes europeus em comunicado emitido no domingo. A principal diplomata da União, Kaja Kallas, convocou uma reunião virtual informal rápida de ministros das Relações Exteriores da UE na segunda-feira para discutir a situação, mas o que dali resultou foi pouco ou nada.
De facto, já esta terça-feira, os líderes da União Europeia emitiram uma declaração conjunta para antecipar a cimeira, onde destacavam o seu apoio inabalável à Ucrânia. Todos os líderes da UE assinaram o texto, exceto a Hungria. Assim, a declaração dos 26 e não dos 27 saudou os esforços do presidente Trump para "acabar com a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia e alcançar uma paz e segurança justas e duradouras para a Ucrânia". Os líderes destacaram que uma paz duradoura é necessária com respeito ao direito internacional, sublinhando a integridade territorial da Ucrânia. "As fronteiras internacionais não devem ser alteradas pela força", diz o comunicado.
Os líderes da Europa também refletiram sobre a cimeira do Alasca, afirmando que o caminho para a paz não pode ser decidido sem a Ucrânia e exigiram que qualquer solução diplomática proteja os interesses vitais de segurança da Ucrânia e da Europa. O texto também deu um sinal claro de que a UE está disposta a fornecer mais apoio político, financeiro e militar à Ucrânia para a sua autodefesa e exigiu garantias de segurança para Kiev. Além disso, prometeu apoio ao caminho da Ucrânia rumo à adesão à UE.
A declaração foi redigida pelo presidente do Conselho da UE, António Costa, e aprovada pelos líderes europeus na noite de segunda-feira, mas a Hungria recusou-se a assinar. "A Hungria não se associa a esta Declaração", concluía o texto.
Pouco depois da publicação da declaração da UE 26, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, publicou nas redes sociais uma justificação: "Antes que o coro liberal-mainstream comece a sua nova versão da sua música favorita, 'o fantoche de Putin', decidi compartilhar por que NÃO posso apoiar a declaração em nome da Hungria: a declaração tenta estabelecer condições para uma reunião para a qual os líderes da UE não foram convidados; o facto de a UE ter sido deixada de lado já é triste por si só. A única coisa que poderia piorar seria se começássemos a dar instruções do lugar de observadores; a única ação sensata para os líderes da UE é iniciar uma cimeira UE-Rússia, seguindo o exemplo da reunião EUA-Rússia. Vamos dar uma oportunidade à paz”.