Em 2001, o filme 'A.I. - Inteligência Artificial' de Steve Spielberg estreava nos cinemas, o iTunes e o Windows XP são lançados e as primeiras lojas Apple abrem portas. Em Portugal, nesse mesmo ano, nasce a Pragmasoft, uma empresa de software responsável pelo primeiro Portal de Automação e Tecnologia nacional e, a mais de dois mil quilómetros de distância, na Dinamarca, é fundada a tecnológica Wirtek.
Em julho deste ano, a primeira foi comprada pela segunda, num negócio que pode ascender a dois milhões de euros.
Humberto Ferreira, CEO e fundador da tecnológica sediada em Senhora da Hora, Matosinhos, falou com o Jornal Económico sobre as oportunidades desta fusão alicerçada na aposta das duas tecnológicas nas soluções para energias renováveis.
A empresa que fundou em 2001 acabou de ser adquirida pela dinamarquesa Wirtek. Como é que surgiu esta oportunidade?
Na PragmaSoft estamos já num processo de crescimento há algum tempo. Não estávamos à procura de nada. Estávamos a ver oportunidades de negócio, principalmente no exterior - porque a PragmaSoft tem trabalhado quase exclusivamente em Portugal - , e a ver como é que poderíamos crescer e criar algumas oportunidades. E surgiu um contacto de networking do LinkedIn. Conhecemos a Wirtek, o Michael [Aaen, CEO da empresa], e fomos falando. As coisas acertaram-se muito bem.
E quando é que foi o contacto?
Creio que deve ter sido no final do ano passado ou início de 2024. Foi um processo que se desenvolveu a partir daí. Eles [Wirtek] estavam, também, num processo de expansão. Vimos que os objetivos estavam alinhados e surgiu esta oportunidade. Para a Pragmasoft fez todo o sentido porque é uma oportunidade para conseguirmos atingir os nossos objetivos mais rapidamente do que prevíamos. Já tínhamos um objetivo a médio prazo, mas faz-nos todo o sentido este negócio.
A energia é a vossa bandeira. Quando falou com a Wirtek, ficou assente que era por aí [sector da energia]?
Sim. Nós sempre desenvolvemos software à medida. Nós trabalhamos muito no sector da energia, sempre foi o nosso core. E, para a Wirtek, é importante crescer neste mercado. As energias renováveis são um mercado importante a nível internacional e acho que isto dá-nos um conforto e uma possibilidade muito maior do que irmos sozinhos ou continuarmos este nosso crescimento sozinhos. Nós éramos um a startup no tempo em que não havia o conceito, em 2001. Mas trabalhámos sempre para a parte industrial e com foco na área da energia.
Sobre as condições que lhe foram apresentadas pela Wirtek, para si foi viável desde o início? Como é que o processo correu?
Foi muito fácil. A nossa cultura e os nossos objetivos estavam muito alinhados. Trabalhar com o Michael e com a equipa foi muito fácil, e acho que isso foi algo que nos fez ponderar mais facilmente este processo. Temos toda a confiança na direção que a Wirtek vai tomar.
Alguma outra empresa já tinha tentado esta operação?
Já, mas não recentemente. Não estávamos ativamente à procura, mas sim no nosso processo normal de trabalho. A nossa empresa já está no mercado há muitos anos e é uma empresa sólida. Nós temos tido um crescimento interessante. Este foi o contacto que nos fez mais sentido.
Quanto é que faturaram no final de 2023 e que valores preveem para este ano?
Fechámos o ano passado com 843 mil euros. Para este ano, prevemos atingir 1,1 milhões de euros, com cerca de 200/300 mil euros de EBITDA [lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações].
Sobre o valor final do negócio, que pode chegar aos dois milhões de euros, as coisas estão encaminhadas nesse sentido?
Temos objetivos a três anos, até ao final de 2026. E conforme esses objetivos, o valor da venda pode chegar aos dois milhões de euros. Ainda estamos no primeiro ano, mas com os objetivos que temos em comum, acho que serão alcançados.
No ano passado, começaram a comercializar produtos de software próprios para sistemas de energia. O que é que vocês têm a oferecer à Wirtek?
Nós temos uma carteira de clientes interessante, e queremos continuar a crescer com os clientes atuais. Não vai haver aqui um desfalque também do negócio da Pragmasoft. Nós queremos crescer com a nossa equipa. E há um foco também no crescimento do negócio atual. Acho que, em conjunto, vamos conseguir muito mais rapidamente criar soluções para a energia com estes produtos ou com outros. É uma questão de nos alinharmos, de darmos também soluções de produtos para a energia, nomeadamente para as renováveis. Mas o nosso foco será sempre o desenvolvimento de software para o mercado industrial.
O que muda internamente com este impulso recebido com entrada da Wirtek? Como é que isto vos vai permitir ir mais além nos vossos objetivos?
A Pragmasoft é uma pequena empresa e isto vai conferir aquele conforto e alguma estrutura que nós se calhar não temos internamente, quer seja de marketing, de comercial, e também fazer crescer a nossa equipa técnica. Agora, como temos esta possibilidade, mesmo clientes internacionais, fazemos aqui esta passagem de sermos uma empresa que trabalha no mercado nacional para passar a trabalhar no mercado internacional. Isso vai ser vai ser excelente para a Pragmasoft. Toda a parte da gestão e a equipa se mantêm. Queremos crescer. Com todo o know-how que a Wirtek nos vai trazer.
Está previsto expandirem a equipa?
Sim. Isso foi uma das coisas que que que nos fez sempre ponderar, porque já estávamos nesse caminho. Queríamos expandir o negócio, a equipa. Espero que aconteça nos próximos tempos.
A sede passa a ser na Dinamarca?
A Pragmasoft vai-se manter. Não vai mudar nada ao nível do nome. A empresa legalmente continua a mesma, mas ficamos integrados no grupo da Wirtek, que passa a ser sócia unitária da Pragmasoft.
Já teve oportunidade de ir ao escritório em Aalborg?
Não. É uma das coisas de que já estamos a falar. A Wirtek também tem um escritório na Roménia e nós temos comunicado com a equipa toda. Se calhar a primeira reunião até vai ser cá, com a equipa mais alargada. Mas eles [Wirtek] já vieram cá, não foi um negócio feito apenas online.
O que destaca das diferenças culturais enquanto empresários?
Culturalmente, com o Michael e com a equipa da Dinamarca foi uma integração fácil e muito interessante. Como estávamos tão alinhados nos objetivos, e como o nosso know-how, e como também foi o Michael que criou a empresa, temos uma empatia muito boa e as coisas correram muito bem. Acho que estamos todos muito agradados com o negócio e com as perspetivas futuras. Só tem tudo para correr bem.
E o que muda para si com esta integração?
Vou estar num grupo em que posso ter mais apoio em áreas que aqui estavam mais dificultadas a nível de internacional, a parte de marketing, também. A Pragmasoft nunca foi uma empresa que apostou muito na questão do marketing. Se queremos vir a ter serviços e produtos a nível internacional é fundamental. Vai-me dar essa capacidade de fazer esse trabalho de forma mais estruturada e melhor.
Como olha para a atividade de fusões e aquisições na área de IT em Portugal?
Uma das coisas que nos fez avançar com o negócio foi a questão de a Wirtek ser uma empresa internacional da Dinamarca, cotada no Nasdaq, que teve interesse em investir cá, a investir numa empresa portuguesa. Ver reconhecido o nosso trabalho foi muito importante.
Eu sou muito europeísta, por isso vejo como uma oportunidade de trabalho. Por isso, poder ver que nós podemos crescer a nível europeu, é um orgulho.
Que caminho seguiria a Pragmasoft sem esta integração?
O negócio está sólido. Acho que os nossos objetivos iriam ser de um crescimento mais lento. Irmos em conjunto, e com esta garantia da Wirtek de também querer expandir e apostar neste negócio da energia das renováveis, permite-nos chegar muito mais rápido aos objetivos e, se calhar, ter objetivos diferentes, em vez de fazermos o caminho mais lento que uma PME em Portugal às vezes tem de seguir. É um crescimento orgânico. Assim, ajuda-nos a fazer um crescimento um bocadinho mais rápido.