Os líderes dos BRICS, o bloco dos países emergentes, condenaram, na 17.ª cimeira que decorreu no Brasil até esta segunda-feira, o aumento das tarifas aduaneiras previstas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – que escolheu a realização do encontro para anunciar tarifas adicionais de 10% sobre as exportações do bloco para os Estados Unidos.
O bloco emitiu uma declaração na qual manifestou "sérias preocupações" sobre o aumento das tarifas, que disse serem "inconsistentes com as regras da OMC (Organização Mundial do Comércio)". Numa crítica indireta aos Estados Unidos (uma vez que o país de Trump não é nomeado), o bloco afirmou que essas restrições "ameaçam reduzir o comércio global, perturbar as cadeias de abastecimento globais e introduzir incerteza".
Os Estados Unidos compraram quase 650 mil milhões de dólares aos países do bloco em 2023, bastante acima dos 294,9 mil milhões de dólares em sentido contrário. Dados da Organização Mundial do Comércio (OMC) apontam para excedentes comerciais com o Brasil e os Emirados Árabes Unidos (EAU), sendo que as importações norte-americanas neste segundo caso ficam próximas do nulo. Assim, os 24,9 mil milhões de dólares vendidos aos Emirados quase não têm correspondência em importações, enquanto com o Brasil o superávit fica na casa dos 3 mil milhões.
De resto, a situação é bastante menos positiva para os cofres norte-americanos. Na relação com a China, a tendência é mais do que clara, com o gigante asiático a exportar 448 mil milhões de dólares (381,2 mil milhões de euros) contra 147,8 mil milhões de dólares (125,9 mil milhões de euros) em sentido inverso.
Também a Indonésia regista uma relação quase unidirecional, com exportações de 28,1 mil milhões de dólares (23,9 mil milhões de euros) sem correspondente significativo do lado das importações oriundas dos EUA. Já a Índia regista um superávit de bens na casa dos 40 mil milhões de dólares, quase tanto quanto o valor das suas exportações em 2023 para os EUA.
Países como o Irão e a Rússia, altamente penalizados por sanções internacionais lideradas pelos EUA, têm fluxos de trocas quase inexistentes com os norte-americanos.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o negacionismo e o unilateralismo estão “corroendo os avanços do passado e sabotando o nosso futuro”. As declarações foram feitas na abertura de um plenário destinado a discutir planos para enfrentar as mudanças climáticas e ampliar o acesso à saúde, especialmente em nações em desenvolvimento, duas bandeiras da presidência brasileira do grupo. Lula saudou ações multilaterais como base para avanços na defesa do clima e na promoção da saúde, obtidas nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que apontou retrocessos: o aquecimento do planeta, citou o presidente, ocorre a um ritmo mais acelerado do que o previsto, ao mesmo tempo em que os investimentos em combustíveis fósseis seguem elevados e não dão mostras de virem a retroceder. “Precisamos de ter acesso e desenvolver tecnologias que permitam participar em todas as etapas das cadeias de valor. 80% das emissões de carbono são produzidas por menos de 60 empresas. A maioria atua nos setores de petróleo, gás e cimento”, disse Lula, citado pela imprensa brasileira. Lula não mencionou, contudo, que alguns dos maiores produtores e consumidores de petróleo e gás do planeta estavam sentados à mesa da cimeira: Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Rússia e China.
A declaração do grupo, de 31 páginas, que também visou as ações militares israelitas no Médio Oriente, poupou o seu membro fundador, a Rússia, de críticas e mencionou apenas uma vez a Ucrânia. Lula da Silva, presidente do Brasil e anfitrião, também criticou a decisão da NATO de aumentar as despesas com a defesa até 5% do PIB dos Estados-membros, salientando que é "sempre mais fácil investir na guerra do que na paz". A declaração também criticou os ataques ao Irão sem mencionar os Estados Unidos ou Israel, as duas nações que os conduziram.
Os líderes do BRICS manifestaram "grande preocupação" com a situação humanitária em Gaza, apelaram à libertação de todos os reféns, ao regresso à mesa das negociações e reafirmaram o seu compromisso com a solução de dois Estados.
O bloco duplicou de tamanho no ano passado e os analistas dizem que a consequente falta de coesão pode pôr em causa a sua capacidade de se tornar mais um pilar nos assuntos mundiais. Também veem a agenda moderada da cimeira como uma tentativa dos países membros de se manterem fora do radar de Trump – o que, de qualquer modo, não foi conseguido. Os analistas ocidentais enfatizam que a ausência dos presidentes da Rússia e da China implica um ‘deslace’ do próprio bloco, mas as declarações vindas de Moscovo e de Pequim vão no sentido contrário.
Fundado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, o bloco BRICS acrescentou, no ano passado, a Indonésia, o Irão, o Egipto, a Etiópia e os Emirados Árabes Unidos. Criou também uma nova categoria de ‘parceiros estratégicos’, que inclui a Bielorrússia, Cuba e Vietname.