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Bloco católico do Sul da Europa ganha peso em Bruxelas com espanhola a liderar guerra contra grandes tecnológicas

Teresa Ribera foi uma das responsáveis pela criação pela "exceção ibérica" na crise energética após a invasão da Ucrânia. Vai agora liderar a transição climática na Europa e enfrentar a ira das tecnológicas nos vários processos interpostos por Bruxelas. Países do sul da Europa ganham peso em Bruxelas com pastas mais relevantes.

Há 500 anos que uma mulher espanhola não tinha tanto poder na Europa. Da nomeação da socialista espanhola Teresa Ribera para um dos mais importantes cargos da nova Comissão Europeia, é preciso recuar até ao final do séc XV quando a rainha consorte Isabel I de Castela (filha de Isabel de Portugal, rainha de Castela) dominava uma boa parte da Península Ibérica e do mundo (com a ascensão do império espanhol), em conjunto com o rei Fernando, numa dupla que ficou conhecida para a história como os reis Católicos. 

Teresa Ribera vai ser a segunda mulher mais poderosa da Europa a seguir a Ursula von der Leyen. Fica com a pasta da Transição Climática e também com a Concorrência, onde sucede à toda-poderosa Margrethe Vestager, a política dinamarquesa que inspirou a personagem da primeira-ministra da série Borgen. A política espanhola vai ficar responsável pela luta contra o domínio do mercado pelas grandes tecnológicas norte-americanas: Apple, Amazon, Google ou Meta. 

Analisando a distribuição de pelouros na nova Comissão Europeia, a presidente da Comissão Europeia deu os cargos mais económicos e industriais aos países com políticas mais intervencionistas, o que poderá ser uma tábua de salvação para a economia europeia, apenas uma semana depois de Mario Draghi apresentar o seu plano de fomento, onde pede mais ação à Europa para combater o domínio chinês e norte-americano. 

O bloco católico do sul da Europa, França, Espanha e Itália aplica políticas intervencionistas nas suas economias e tem exigido mais gastos conjuntos, regras orçamentais mais flexíveis e mais política industrial. 

Além de Teresa Ribera com a Transição Climática e Concorrência, o francês Stephane Sejourne vai ser vice-presidente para a Prosperidade e Estratégia Industrial, enquanto o italiano Raffaele Fito fica como vice-presidente para a Coesão e Reformas. Já a portuguesa Maria Luís Albuquerque vai ficar com a pasta dos Serviços Financeiros. 

A estratégia da nova Comissão deverá mudar, salienta o "Financial Times": do foco da descarbonização para dar prioridade ao crescimento económico e aumento dos gastos com defesa em altura de tensões geopolíticas com a Rússia. No entanto, a presidente comunitária garante que não vai descurar a luta contra as alterações climáticas. 

O gaulês vai ficar responsável por conduzir uma política industrial com base na inovação e mais investimento; já o transalpino vai gerir os fundos de coesão no valor de milhares de milhões de euros que procuram mitigar o fosso entre os países mais ricos e os mais pobres. 

Quem é a segunda mulher mais poderosa da Europa? 

Teresa Ribera Rodriguez (Madrid, 1969) licenciou-se em Direito pela Universidade Complutense de Madrid. Em 1995, entrou para o corpo de dirigentes do Estado espanhol. Foi também professora de Direito na Universidade Autónoma de Madrid. 

Integrou o governo de Jose Luis Zapatero como secretária de Estado das Alterações Climáticas entre 2008 e 2011. Entrou para o executivo de Pedro Sanchez em 2018 onde se manteve até agora como ministra para a Transição Ecológica e o Desafio Demográfico de Espanha, e ocupava também o cargo de terceira vice-presidente do governo. 

Foi uma das responsáveis pela criação do mecanismo ibérico que estipula um preço máximo de referência para a venda da eletricidade por parte das centrais a gás natural, impedindo que os preços no mercado grossista fiquem inflacionados (o preço do gás disparou após a invasão da Ucrânia). O mecanismo entrou em vigor em junho de 2022, após uma longa maratona negocial entre Lisboa e Madrid com Bruxelas. Foi desativado no final de 2023, mas já não era ativado desde fevereiro do ano passado, pois os preços do gás já estabilizaram face à pré-invasão da Ucrânia pela Rússia. 

João Pedro Matos Fernandes conviveu com a então ministra da Transição Ecológica quando era ministro do Ambiente: "A Teresa está excecionalmente bem preparada. E é muito relevante que a transição fique com ela. Vai dar um papel de relevo a tudo o que são questões de clima e energia. Tem um entendimento que as questões do clima são transversais e não sectoriais. Para além de ter sido uma extraordinária e muito competente ministra da energia, clima e ambiente, tem uma grande sensibilidade social e capacidade política". 

Sobre o facto de Madrid ter conseguido obter um cargo muito importante na nova Comissão Europeia, o responsável reconhece que "Espanha é um país muito importante, e tem estado comprometido com a Europa e as políticas europeias". 

Em relação à criação do mecanismo ibérico, Matos Fernandes revela que a ideia partiu de Madrid... e de Lisboa. "Fomos mesmo nós os dois que o desenhámos. Na minha última deslocação oficial, um belo dia em Roma, fui eu quem explicou a Pedro Sanchez, António Costa e Mario Draghi o que devia ser a exceção", tendo o ministro do Ambiente seguinte, Duarte Cordeiro, sido o responsável pela implementação da medida, afirma. 

Sobre os principais desafios que Teresa Ribera vai enfrentar, o líder da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) afirma: "na alteração climática, deveríamos revisitar o pacto ecológico europeu e o que não conseguimos implementar nos últimos anos como resultado da Covid e a invasão da Ucrânia", apontando para a crise energética que se seguiu, com subida dos preços e impacto na inflação, a par da subida das taxas de juros, que afetou particularmente o sector das renováveis pois é um sector de capital intensivo. "É preciso que a política económica e fiscal esteja alinhada com o contributo dos estados-membros". 

Em relação ao mecanismo ibérico, Pedro Amaral Jorge conclui que a "exceção ibérica não beneficiou Portugal de todo. Tínhamos o efeito controlado, pois as eólicas vendiam eletricidade abaixo do preço do mercado. Não teve grandes resultados e não se percebe quem vai pagar essa conta. Alguém vai ter de pagar este gás. Foi uma medida populista que não fez sentido nenhum". 

Enfrentar as grandes tecnológicas 

Teresa Ribera não vai ter vida fácil na sua outra pasta, onde vai ter de enfrentar as grandes tecnológicas norte-americanas, as maiores empresas do mundo, com muito dinheiro para litigar qualquer decisão de Bruxelas. 

A ex-comissária para a Concorrência, a dinamarquesa Margrethe Vestager, tinha a Apple, Google e Meta no seu alvo por falharem em cumprir o Digital Markets Act. 

Recentemente, Bruxelas teve duas grandes vitórias: o Tribunal Europeu de Justiça rejeitou os recursos da Apple e da Google. A primeira vai ser obrigada a devolver 13 mil milhões de euros em impostos à Irlanda; no caso da segunda, vai ter de pagar 2,4 mil milhões por violar regras anti-concorrenciais devido ao seu serviço de compras. 

Debaixo da sua mira também deverá estar o crescimento da inteligência artificial e o seu impacto no domínio do mercado pelas 'big tech'. 

Por outro lado, deverá acelerar a caça aos subsídios dados por estados externos à UE para as suas empresas comprarem empresas europeias. 

Além das grandes tecnológicas, a política espanhola vai ter de supervisionar bancos e companhias aéreas, com o poder de aprovar ou vetar operações de milhares de milhões de euros de grandes empresas. Por outro lado, vai ter também o poder de aplicar coimas multimilionárias a grandes multinacionais que não cumpram as regras da concorrência, incluindo tentar afastar rivais mais pequenos ou fixar preços, destaca a "Reuters". 

Quem era Isabel I de Castela? 

De Isabel I sabe-se que tinha os olhos verdes como a sua avó (Filipa de Lencastre, a inglesa que foi rainha de Portugal) e que não se limitava a ser uma rainha consorte, tomando o poder em suas mãos, se bem que nos bastidores. 

O historiador britânico Giles Tremlett considera-a "a fundadora de um pequeno clube de mulheres cuja influência espalhou-se além das fronteiras dos seus países, incluindo Elisabete I de Inglaterra, Catarina A Grande da Rússia e Maria Teresa da Áustria. Apesar de todas estas mulheres serem fortes, nenhuma teve um efeito tão duradouro como Isabel", escreveu no "History Extra", o portal da "BBC" dedicado à história. 

Os reis católicos uniram Aragão e Castela criando Espanha, expulsaram os mouros da Ibéria, financiaram a viagem de Cristóvão Colombo que descobriu as Américas, o que marcou o início do império espanhol. Mas nem tudo foram rosas: ordenaram a expulsão dos judeus de Espanha (160 mil) e deram início à sangrenta Inquisição Espanhola (que provocou entre 30 mil a 300 mil mortos). 

A reconquista terminou com a queda da cidade de Granada o que marcou também o fim da ocupação moura da Ibéria ao fim de oito séculos. Para a história ficaram as palavras da mãe de Boabdil, ou Maomé XII, o último sultão da cidade andaluza: "Chora como uma mulher pelo que não soubeste defender como um homem", terá dito Aixa, segundo a lenda. Boabdil rendeu-se aos reis católicos e teve permissão para exilar-se em Marrocos.