Depois de muitos rumores e desmentidos, eis que a Fosun anunciou a redução da sua participação acionista no BCP para 20,03%. Tem agora uma participação equiparada à da Sonangol (que tem 19,49%) e com isto eis que o núcleo duro de acionistas do maior banco privado português cai de quase 50% para cerca de 40%.
Mas a cúpula de gestão do BCP está tranquila com esta redução. A administração liderada por Miguel Maya disse ao Jornal Económico que não vê que essa redução de 50% para 40% se traduza num enfraquecimento da estrutura acionista do banco. Até porque, o BCP tem rácios de capital fortes – rácio de capital CET1 de 14,9% e rácio de capital total de 19,4% (aumento de 357 pontos base e de 431 pontos base, respetivamente, face ao período homólogo de 2022), "evidenciando a forte capacidade de geração orgânica de capital", segundo dados dos primeiros nove meses.
Para além disso, lembra a mesma fonte, o BCP tem ratings de investimento das agências de notação financeira (é classificado como Investment Grade pelas quatro principais agências de rating) e, em termos de Credit Default Swaps (que mede o risco de incumprimento) o BCP compara bem com os pares europeus. Segundo uma apresentação institucional do BCP de outubro do ano passado, os spreads dos CDS do banco reduziram-se desde o fim de 2016, sobretudo depois do aumento de capital de fevereiro de 2017, reflexo da redução da exposição a ativos improdutivos e do reforço da cobertura dos NPE.
A mesma fonte lembra que os grandes bancos dificilmente têm acionistas com este nível de participações estratégicas, e cita por exemplo o espanhol Santander.
Também a Fitch, contactada pelo Jornal Económico, não considera que esta operação da Fosun enfraqueça a estrutura acionista do BCP. "Em primeiro lugar porque a Fosun está a vender apenas 5,6% e continuará a ser um acionista de referência e não creio que esta venda indique uma redução da confiança da Fosun no modelo de negócio do BCP. Em segundo lugar, na nossa opinião, a participação da Fosun sempre foi neutra em relação ao perfil de crédito do BCP. Embora consideremos que a Fosun apoiou a gestão do banco na estratégia de execução, nunca incluímos qualquer apoio da Fosun nas nossas classificações", diz o director de Financial Institutions
Fitch Ratings, Julien Grandjean.A holding Chiado, da Fosun, anunciou esta segunda-feira uma oferta particular das ações do BCP "através de um processo de accelerated bookbuilding dirigido exclusivamente a investidores institucionais qualificados", segundo um comunicado do BCP.
Depois da venda a Fosun fica com 20,03% do BCP. Mas apenas por 60 dias. Após a colocação, "a Chiado manterá 3.027.936.381 ações do BCP, sujeitas a um lock-up de 60 dias".
"O BCP foi informado que é intenção da Fosun manter uma participação acima dos 20% permanecendo como acionista de referência do banco", diz fonte oficial do banco liderado por Miguel Maya.
As ações do banco subiram esta segunda-feira para 0,67% para 0,2856 euros. Pelo que as ações do BCP vendidas pela Fosun, tendo em conta essa cotação, e que somam 1.498.003.810 ações, representam um valor de 427,83 milhões de euros. Isto para os 9,92% que venderam antes e neste processo de accelerated bookbuilding dirigido exclusivamente a investidores institucionais qualificados.
O BCP publicou ao fim da noite os resultados do accelerated bookbuilding. A Fosun, através do veículo Chiado, concluiu com sucesso a venda, por meio de oferta particular através de um processo de accelerated bookbuilding dirigido exclusivamente a investidores institucionais qualificados de 846 milhões de ações representativas de aproximadamente 5,60% do capital social do BCP.
"O valor total da receita da colocação atingiu aproximadamente 235.188.000 euros [235,2 milhões], correspondente a um preço de 0,2780 euros por ação", lê-se no comunicado publicado na CMVM ao fim do dia.
A liquidação da colocação ocorrerá a 25 de janeiro de 2024. Após a liquidação, a Chiado passará a deter 3.027.936.381 ações do BCP, sujeitas a um lock-up de 60 dias, "sujeito a certas exceções".
A UBS AG, Sucursal em Londres atua como Sole Bookrunner da colocação.
Os chineses entraram no capital do BCP em 2016, através de um aumento de capital que lhes deu 16,7% do capital do maior banco privado em Portugal e pelo qual pagaram 175 milhões de euros. Entretanto a Fosun foi reforçando a participação no BCP e distanciando-se do outro acionista, a angolana Sonangol, e no fim de 2021 atingiu os 29,9% que teve até ao ano passado, pelo menos até junho.
Depois disso, a Bloomberg noticia que havia um plano de vendas ambicioso da Fosun para reduzir a dívida e que poderia afetar ativos nacionais. Mas em julho de 2022 o presidente da Fosun, Guo Guangchang, deu uma entrevista por escrito ao Jornal Expresso onde garante que “não está previsto qualquer desinvestimento em Portugal”. Isto numa altura em que o grupo privado chinês esteve sob escrutínio, com notícias na imprensa internacional a dar conta de problemas de liquidez e de gestão de uma dívida de 40 mil milhões de dólares .
A Fosun detém 85% do capital da Fidelidade e, através da seguradora, é dona do grupo Luz Saúde. A seguradora foi o primeiro ativo que comprou, em 2014, num capital partilhado com a Caixa Geral de Depósitos, detendo uma participação de 15%. A Fosun tem ainda cerca de 5% da REN.
Segundo fonte ligada à Fosun, não está em cima da mesa a venda da participação na Fidelidade. Mas vai avançar a entrada em bolsa da Luz Saúde que pretende realizar um aumento de capital até um máximo de 20% do seu capital no âmbito do processo da oferta pública inicial (IPO) já confirmado pela Fidelidade.
O que diz a Fosun?
Os chineses dizem que “de modo a promover melhor o foco estratégico e alcançar um desenvolvimento estável, especialmente considerando a forte subida no preço das ações dos bancos portugueses e do BCP num período recente, o Grupo Fosun decidiu vender parte das ações do banco após uma análise de vários fatores”.
“Trata-se de um comportamento de investimento normal e uma operação financeira. Após esta transação, a Fosun continua a deter 20% do BCP”, diz fonte oficial da Fosun.
Questionada sobre a razão que a leva a reduzir a sua participação no BCP e se isso significa que o cash flow da Fosun continua pressionado? fonte oficial da empresa diz que “a redução da participação da Fosun no BCP não tem qualquer relação com a situação financeira e de cash flow”.
“Nos últimos anos, o Grupo Fosun tem continuado a otimizar a sua estrutura de dívida, a reduzir a escala das suas dívidas/passivos com juros e a melhorar continuamente a sua posição de cash flow. Até ao final de 2023, as responsabilidades financeiras do grupo continuaram a diminuir em comparação com o final de 2022”, diz a Fosun.
Haverá um plano de redução posteriormente? O Grupo Fosun diz que “continuará a apoiar o desenvolvimento do BCP". Mas não se compromete com o futuro até porque diz, "a Fosun e o BCP são empresas cotadas, e qualquer informação relevante será publicada através de anúncio, se for o caso”. Tal como refere o comunicado, o "lock-up period", ou seja o acordo para manter os 20%, é apenas de 60 dias.
“Os investimentos da Fosun em Portugal, como a Fidelidade, continuarão a ser componentes muito importantes para o Grupo. A venda de ações do BCP é um comportamento de investimento normal e uma operação financeira, e não deve ser interpretada como um sinal de que a Fosun deixou de estar otimista em relação ao mercado português sob quaisquer circunstâncias”, sublinha fonte oficial da Fosun.
Fonte oficial diz que "a Fosun é uma empresa global, sedeada na China, com quase 50% das suas receitas a provirem de mercados internacionais. A Fosun continua muito otimista em relação aos mercados estrangeiros, incluindo Portugal".