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BCE reconhece que juros nos depósitos têm demorado a reagir às subidas das taxas diretoras

Depois de anos de taxas diretoras negativas, os juros nos depósitos a prazo e à ordem têm-se mantido aquém da subida decretada pelo BCE nas taxas de referência, o que mostra uma "genuína transmissão mais reduzida da política monetária" nestes indicadores.

Apesar da subida agressiva dos juros diretores na zona euro, o Banco Central Europeu (BCE) reconhece que as taxas nos depósitos não têm subido ao mesmo ritmo, falando numa “genuína transmissão mais reduzida da política monetária” nestes indicadores. A política ultra-acomodatícia dos últimos anos também ajuda a explicar este fenómeno, isto numa altura em que os decisores do BCE vão debatendo publicamente os timings dos cortes de juros que o mercado tanto antecipa.

A baixa remuneração nos depósitos não é um problema exclusivamente português, embora Portugal seja dos países na zona euro que pior compara neste departamento. Na caixa temática lançada na véspera da divulgação do Boletim Económico de janeiro, o BCE explora esta dinâmica, admitindo que a transmissão da política monetária tem sido mais fraca nos instrumentos à ordem apesar dos 450 pontos base (p.b.) de subida cumulativa desde o arranque do aperto monetário.

Em outubro do ano passado, a taxa média nos novos depósitos a prazo de empresas e famílias foi de 3,7% e 3,27%, respetivamente, o que fica ainda longe dos 4% de referência. Nos depósitos à ordem, que tipicamente observam taxas mais baixas e menos sensíveis a alterações nos juros diretores, a diferença era ainda maior.

Esta resistência a subir as remunerações dos depósitos é explicada em parte pelo período anterior de política ultra-acomodatícia e taxas negativas, quando os bancos tiveram de manter juros nos depósitos acima dos referenciais abaixo de zero decretados pelo BCE. Ao mesmo tempo, a diferença entre as remunerações nos depósitos a prazo e à ordem levou a um fluxo considerável destes últimos instrumentos para os primeiros, com as famílias e empresas a procurarem condições mais favoráveis para as suas poupanças.

Recorde-se que em Portugal este movimento foi particularmente intenso, levando mesmo à fixação de um teto na remuneração paga pelos certificados de aforro nacionais em 2,5% depois da enorme procura por parte das famílias.

Por outro lado, a rápida e agressiva subida dos juros tem contribuído decisivamente para um abrandamento da criação de moeda até mínimos históricos no bloco euro. Ao diminuir a procura por crédito, a subida dos juros leva também a uma dinâmica consideravelmente mais baixa nas massas monetárias, embora com consequências menos gravosas para o PIB do que em fenómenos mais tradicionais deste género – ou seja, não motivados por uma “reorientação do portfólio”, como apelida o BCE, de fluxos vindos dos depósitos à ordem para os a prazo.

“Noutras palavras, uma redução na M1 (massa monetária constituída pelos ativos mais líquidos, sobretudo depósitos à ordem) resultante de uma diminuição no portfólio de depósitos a prazo devia, em princípio, ter um impacto mais limitado na capacidade de gastar dos agentes”, escreve o BCE.

Falcões pombas marcam posição

Esta análise surge numa altura em que o debate em torno de possíveis cortes de juros se adensa. O mercado espera o arranque da normalização da política monetária já na primeira metade deste ano, mas Isabel Schnabel, membro do Comité Executivo do BCE, tentou afastar a discussão esta quarta-feira.

Para a economista alemã, é “ainda muito cedo para discutir cortes de juros”, apontando ao retorno da inflação a 2%, o objetivo de médio-prazo do banco central. Ainda assim, o indicador tem vindo a cair, reconheceu, o que também permite algum otimismo contido do lado do mercado laboral.

“À medida que a inflação cai, esperamos uma redução gradual do crescimento salarial em 2024”, escreveu numa sessão de perguntas e respostas na rede social X, antigo Twitter. Após os comentários de Schnabel, frequentemente apontada como uma das responsáveis mais hawkish do BCE, o mercado ajustou as suas previsões, apontando a cinco cortes de juros de 25 p.b. este ano em vez de seis pela primeira vez desde meados de dezembro, segundo os dados da Bloomberg.

Na mesma linha, a probabilidade calculada de um corte já na reunião de março caiu de 50% para 33%.

Recorde-se que ainda na véspera destes comentários, Mário Centeno, governador do Banco de Portugal e uma das vozes mais dovish do comité de política monetária do BCE, antecipou que os cortes de juros surjam “mais cedo do que havíamos pensado até há pouco tempo”. Também o governador do Banco de França, François Villeroix de Galhau, se havia pronunciado na terça-feira sobre o assunto, reforçando que qualquer corte estará contingente à ancoragem das expectativas de curto-prazo em torno de 2%.