O Banco Central Europeu (BCE) prepara-se para aquela que é vista como uma das reuniões mais importantes da sua história, quando o mercado toma praticamente como certo um corte de juros de 25 pontos base (p.b.), o primeiro desde 2019. O caminho para lá de junho é mais incerto, sobretudo dada a influência da Reserva Federal norte-americana na política monetária europeia, e as projeções dos analistas dividem-se desde um a três cortes adicionais este ano.
A reunião de junho tem gerado expectativa no mercado pela perspetiva de corte de juros após seis encontros do BCE sem mexidas que deixaram as taxas de referência em máximos absolutos na história da moeda única. Se os investidores já vinham antecipando uma redução, os comentários recentes de Philip Lane, economista-chefe do banco, e outros membros do Conselho de Governadores praticamente cimentaram essa possibilidade.
Lane afirmou no início da semana crer ser adequado começar a “remover o nível superior de restrição” da política monetária europeia, declarações vistas como uma confirmação implícita de um corte já em junho. Na mesma linha, Isabel Schnabel, membro da direção executiva do banco e uma das suas vozes mais hawkish, pedia cautela após junho, admitindo uma descida nesse mês.
Já antes, o governador do banco central de Portugal, Mário Centeno, havia sido das vozes mais ativas no pedido de precaução com a duração do aperto monetário, argumentando que os riscos de cortar tarde demais começavam a sobrepor-se aos de cortar cedo demais.
O consenso dos analistas é que um corte em junho é praticamente garantido, algo que as taxas implícitas de mercado também já refletem. No entanto, a evolução após junho é incerta: a Goldman Sachs, Generali e Allianz mantêm a projeção de três cortes este ano, tal como a Ebury, mas o mercado recuou para uma estimativa de 60 p.b. de descidas acumuladas até ao final de 2024.
“Os mercados foram longe demais ao recuar os cortes acumulados este ano para apenas 60 p.b.”, escreve o analista da Generali Investments Martin Wolburg, argumentando que “as preocupações com os salários estão provavelmente exageradas”. Isto deve-se sobretudo o aumento de 6,2% em termos homólogos nos salários negociados na Alemanha, embora tal reflita “extraordinariamente um pagamento único para compensar os trabalhadores pela subida da inflação”.
“A ferramenta de rastreamento de salários do BCE sugere que os salários negociados cresceram em média 4% este ano (face a 4,5% em 2023)”, apontam, justificando que a tendência implícita no indicador é de descida.
“O debate agora é sobre a probabilidade de um terceiro corte em dezembro: o mercado atribui 50% de probabilidade, enquanto a nossa análise sugere três cortes”, completa Mauro Valle, responsável por rendimento fixo da Generali, lembrando a dependência dos dados tantas vezes frisada pela presidente do BCE, Christine Lagarde. Até junho não serão conhecidos dados estatísticos relevantes para a política monetária europeia, acrescenta a Goldman Sachs, o que torna mais provável uma pausa após junho até setembro.
Ainda assim, “é improvável que o banco forneça uma forward guidance clara”. “Em vez disso, a presidente Lagarde pode reiterar a postura dependente dos dados e que irão tomar decisões reunião a reunião”, projetam os analistas da Ebury.
Há, no entanto, outro fator determinante na política monetária europeia e que pode mesmo superar os restantes: o rumo da Reserva Federal norte-americana. A maior economia do mundo é tipicamente um dos motores das mudanças de ciclo económico mundial e a perspetiva de cortes na zona euro face à persistência dos juros em máximos nos EUA agrava o diferencial, penalizando a moeda única.
“Uma Fed teimosa no meio de um aperto monetário no BCE pode acabar por contribuir para piorar a inflação através de um euro mais fraco”, lembra Martin Wolburg. “Esta é uma via de transmissão que o BCE não pode ignorar.”
“No entanto, esperamos que a Fed corte em setembro e depois em dezembro. Tal daria margem ao BCE para cortes trimestrais de 25 p.b. até ao final do ano”, rematam os analistas da Generali.