Um mundo com taxas de juro mais elevadas e com ciclos monetários mais curtos. É assim que Remi Olu-Pitan, diretora de crescimento multi-ativos e estratégias de rendimento da britânica Schroders prevê a política monetária no curto e médio prazo.
Numa passagem por Lisboa, onde apresentou as perspetivas da gestora de ativos aos clientes portugueses, a responsável britânica disse em entrevista ao JE que, depois dos cortes de juros este ano, o Banco Central Europeu (BCE) pode vir a aumentar as taxas novamente lá para o final de 2025, devido ao crescimento esperado da economia da zona euro, após o alívio monetário.
Quando é que o BCE vai começar a cortar nas taxas de juro?
Espero que o BCE comece a cortar nas taxas antes da Fed, não vão esperar pela Fed. Na reunião de abril, espero por sinais a indicar cortes em junho.
Como é que olha para a situação na zona euro?
O outlook atual é bom e mau. O crescimento é bastante fraco na Europa, particularmente no lado da produção e a confiança é baixa. Já passámos pelo lado mais negativo em termos de crescimento e estamos agora e estabilizar, não pensamos que venha a piorar. E deve começar a recuperar, mas não rapidamente porque ainda não existe o catalisador para a recuperação, mas o pior já aconteceu em termos de inflação, que está a descer. Penso que a grande questão é que não vai baixar mais significativamente a partir daqui.
Mas pensamos que o BCE tem espaço para cortar. Irão estar relutantes para cortar porque estão preocupados com a inflação, particularmente, a inflação principal na Europa devido à nossa situação de dependência de certas matérias-primas energéticas. Como consequência, o BCE vai se focar sempre nesses fatores externos e isto vai torná-los relutantes a cortar. E isto vai ajudar muito à recuperação da economia da zona euro e vai ser o catalisador que vai levar-nos à recuperação. O único problema é que a recuperação significa que a inflação vai regressar.
A inflação vai estar sempre à espreita?
A inflação está pegajosa e vai estar pegajosa durante algum tempo. Penso que é este o caso na Europa e nos EUA. Na Europa, a nossa inflação é conduzida por fatores externos e geopolíticos, e estes não vão desaparecer. Isto implica que precisamos de estar preparados para choques de inflação, e devemos ver muitos na Europa. Estamos a assistir a muitas negociações salariais, os salários vão subir, o que é inflacionário. Concordamos com o BCE quando diz que a inflação vai ser pegajosa. Temos tido ciclos monetários muito longos…
Isso vai mudar?
Pensamos que este ciclo de cortes será muito curto e depois vamos regressar a um ciclo de aumentos. Diria que devemos esperar para esta década por ciclos de aumentos e depois ciclos curtos de cortes. Existe um risco elevado de que as taxas de juro voltem a aumentar novamente em 2025, mais para o final.
Se o BCE cortar nos juros, vai levar a uma recuperação, e existe o risco inflacionário. É preciso uma abordagem mais flexível por parte dos bancos centrais. Por vezes parece algo sagrado, estão a avisar-nos que vão cortar ou que vão subir. Mas penso que já nos estão a preparar para isso: em que as taxas de juro vão estar mais altas durante mais tempo. Penso que querem que nos habituemos a taxas de juro de 4%. Os mercados financeiros ainda consideram isto fora do comum, e ficamos entusiasmados por podermos atingir os 2% a dado momento. Mas penso que o BCE está a dizer ‘não, os 4% vão ser a nova realidade’.
Pode acontecer no curto prazo?
Não imediatamente, mas talvez estejamos lá daqui a sete anos. Se pensarmos em como a economia está a responder às taxas de juro, podemos argumentar que a economia está a responder bem. Significa que a economia é capaz de absorver 4% de taxas. Mas isto precisa de ser testado.
Como é que olha para a situação nos EUA? Jerome Powell já apontou que vão ter lugar três cortes este ano.
Concordamos. No início do ano, o mercado descontava cinco a seis cortes, que pensamos que era muito agressivo. Mas, opinião pessoal, mesmo os três cortes podem ser desafiados. Os dados mostram que os EUA estão ainda muito fortes, muito resilientes.
A economia está a provar ser muito resiliente, estamos a assistir a uma soft landing nos EUA. Se a economia se mantiver resiliente vão ser necessários menos cortes. Os investidores, os mercados, estão muito optimistas. O crescimento está ok, a inflação está a cair, e o banco central vai dar-nos um presente, com a redução de taxas. É a mistura perfeita. É por isso que os mercados financeiros estão tão excitados nas ações e obrigações. Penso que seria um problema para os mercados se a inflação regressasse.
Quais as suas maiores preocupações para este ano?
A inflação, se parar de cair. O maior risco é que a inflação recupere. Isso seria um risco porque nesse ambiente deixaria de se falar em descida dos juros e teríamos que discutir aumentos e ninguém quer ouvir falar disso. Isso é um grande risco.
Podemos esperar uma recessão na zona euro?
Diria que a Europa está definitivamente numa recessão.
Pode ser mais profunda?
O que causaria o agravamento seria se o BCE não cortasse os juros ou se a inflação recuperasse devido a fatores externos, isso causaria uma recessão mais profunda.
Olhando para os riscos geoestratégicos, quais os principais receios?
As tensões no Médio Oriente são um problema crónico. Existe o risco real desta guerra expandir-se para outros territórios. Isso é um problema crónico e vai estar connosco durante uns tempos. E também estamos preocupados com os preços das matérias-primas, enquanto os preços da energia não respondem devido ao excesso de oferta, quando passar a houver escassez este ano, podemos ver uma grande resposta dos mercados de energia, o que vai ser muito doloroso para a Europa.
O outro tema na geopolítica vai ser as eleições nos EUA. Existe uma grande probabilidade de Donald Trump vir a ser o próximo presidente. Pensamos que isto causa tensões geopolíticas na China, mas também na Europa. E isso é uma grande preocupação. Num ambiente onde temos guerras à nossa porta, isto causa muita preocupação. Para os donos de ativos, a geopolítica significa que temos de ser muito cautelosos em relação aos ativos.
Obrigações ou ações este ano?
Gostamos mais de ações: norte-americana, mas também da Europa e do Japão. Estamos a assistir à resiliência do crescimento, com a inflação teimosa, mas sem subir. A resiliência de crescimento é a prioridade e isso apoia muito as ações.
Algum sector em particular?
A tecnologia é um sector muito interessante, tanto nos EUA como na Europa. Gostamos de tecnologia. E também de bens de consumo e de energia.
Como é que olham para o desempenho da China este ano, que é do dragão?
Tipicamente é um ano de boa sorte, esperamos que seja o caso da China. Mas é preciso paciência. O mercado precisa de um grande pacote de estímulos. É isso que os investidores esperam. Para apoiar a economia é preciso um pacote de estímulos, mas não vemos isso acontecer antes das eleições norte-americanas. Os decisores chineses querem esperar para ver qual o tipo de ambiente que vão ter nos próximos quatro anos antes de decidirem. Talvez estes apoios sejam decididos após as eleições americanas ou no início de 2025. Será difícil acontecer antes disso, portanto, os investidores precisam de ser um pouco mais pacientes.