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Bancos apostam no prazo de prescrição para não serem condenados a pagar mais de 220 milhões à AdC

Os cinco bancos que contestam a acusação de terem trocado informação comercial sobre os spreads do crédito à habitação, ao consumo e às empresas por e-mail e por telefone durante mais de dez anos apresentaram pareceres a defenderem que o processo já está prescrito.

Os bancos que recorreram das multas da Autoridade da Concorrência (AdC) no caso conhecido como “cartel da banca” pediram esta quarta-feira ao tribunal a absolvição ou coimas simbólicas, alegando não terem partilhado informações estratégicas nem violado a normal concorrência. Mas ainda o julgamento não tinha começado e já invocavam a prescrição dos prazos de condenação.

Com isso tentam fazer cair as coimas que nos 14 bancos acusados em 2019 somava 225 milhões de euros.

A leitura da sentença está prevista para a próxima sexta-feira, dia 20.

Nas alegações do processo. que está a ser julgado no Tribunal da Concorrência, em Santarém a Caixa Geral de Depósitos, o BCP, o Santander, o BPI e o BBVA apresentaram pareceres que defendem que os prazos de prescrição no processo de contraordenação já foram ultrapassados

A invocação de que teriam sido ultrapassados os prazos de prescrição assenta na lei aplicável ao caso, e que diz que são sete anos e meio acrescido de três anos de suspensão para o recurso judicial (artigo nº 74 da Lei da Concorrência, antes da revisão de 2022). A este prazo é preciso ter em conta o período de 159 dias em que o prazo esteve suspenso por força da legislação de combate à pandemia de Covid-19.

Segundo o jornal “Expresso”, os pareceres a defender que já passou o prazo de prescrição foram apresentados antes da sessão marcada para alegações finais.

Esta sexta-feira, a juíza Mariana Gomes Machado fará a sentença sobre as coimas de 225 milhões de euros e aqui é esperado que a sentença seja desfavorável aos bancos. Mas a juíza admitiu, segundo o “Expresso”, que também na sexta-feira  haverá uma decisão sobre as prescrições.

O facto de esses pareceres terem chegado “na 25ª hora” ao tribunal motivou a contestação do procurador do Ministério Público, Paulo Vieira, por dar pouco tempo para o contraditório. O procurador do Ministério Público que tem acompanhado o julgamento tem o entendimento de que “a prescrição ainda não ocorreu”.

A divergência sobre o prazo de prescrição estará relacionada com a decisão da própria juíza de ter decretado o congelamento dos prazos prescricionais quando, em 2022, pediu ajuda ao Tribunal de Justiça da União Europeia.

Em abril de 2022, a juíza Mariana Gomes Machado deu os factos da AdC como provados mas, ao mesmo tempo, decidiu suspender a instância e remeter ao TJUE para esclarecimentos, nomeadamente por não ter ficado provado se a troca de informação teve ou não efeito sobre os consumidores, pelo que o julgamento foi retomado após a decisão europeia. A juíza decidiu que não havia contabilização de prazos durante esse tempo.

“É uma matéria que será discutida nas instâncias superiores”, antecipou a juíza. O caso é recorrível para o Tribunal da Relação de Lisboa e, depois, para matérias como as prescrições, para o Tribunal Constitucional.

Portanto, se a juíza decidisse já pela prescrição esta sexta-feira, caberia à Autoridade da Concorrência e ao Ministério Público recorrerem para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Se não decidir pela prescrição, são os bancos que vão recorrer para instância superior. De qualquer maneira, o recurso é sempre mais prazo a correr pela que a prescrição é praticamente garantida. Razão pela qual os bancos envolvidos no chamado “cartel da banca” não constituíram provisões para a coima de 225 milhões de euros aplicada pela Autoridade da Concorrência em 2019.

Além da CGD, BCP, Santander, BPI e BBVA, o caso está ser contestado pelo Montepio, BES em liquidação, banco BIC, Crédito Agrícola, Deutsche Bank, Unión de Créditos Inmobiliarios (UCI) e Barclays Bank.

Recorde-se que a contraordenação aplicada ao Deutsche Bank, com uma coima de 350 mil euros, prescreveu antes do início do julgamento – a sucursal do grupo alemão regia-se pelo anterior regime da concorrência.

Antes já o Abanca, também sob o anterior regime, tinha visto o caso prescrever ainda na fase administrativa, não tendo sido condenado pela Concorrência por esse motivo.

A nova legislação da concorrência aplica-se aos restantes bancos, como a CGD e o BCP, porque as infrações foram até 2013, pelo que a prescrição não foi logo determinada – mas os bancos alegam que ela, entretanto, já chegou.

No processo, que teve origem num pedido de clemência apresentado em 2013 pelo Barclays, a AdC condenou a Caixa Geral de Depósitos (CGD) ao pagamento de 82 milhões de euros, o BCP de 60 milhões, o Santander Totta de 35,65 milhões, o BPI em 30 milhões, o Montepio em 13 milhões (coima reduzida em metade por ter aderido ao pedido de clemência), o Banco Bilbao Vizcaya Argentaria em 2,5 milhões, o BES (mau) em 700 mil euros, o Banco BIC em 500 mil euros, o Deutsche Bank (cuja infração prescreveu em outubro de 2020) e a Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo em 350 mil euros cada um. Já à Union de Créditos Inmobiliarios coube um pagamento de 150 mil e ao Banif (que não recorreu) de mil euros.

A prática concertada durou mais de dez anos, entre 2002 e 2013, com os bancos a trocarem informação sensível referente à oferta de produtos de crédito na banca de retalho, designadamente crédito à habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas.

“Neste esquema, cada banco facultava aos demais, informação sensível sobre as suas ofertas comerciais, indicando, por exemplo, os spreads a aplicar num futuro próximo no crédito à habitação ou os valores do crédito concedido no mês anterior, dados que, de outro modo, não seriam acessíveis aos concorrentes”, segundo o comunicado da AdC em 2019.

Ainda que na decisão final a AdC não fale em cartel mas sim em prática concertada de preços na concessão de crédito, o caso ficou conhecido na gíria por “cartel da banca”.

O julgamento do processo conhecido por “cartel da banca” tem esta semana a sua fase final As alegações dos bancos ocorrem depois da decisão de julho do tribunal europeu, que admitiu que a troca de informações “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto”.

Nas alegações do processo que está a ser julgado no Tribunal da Concorrência, em Santarém, os advogados dos bancos pronunciaram-se esta quarta-feira sobre um acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), proferido em 29 de julho, que considerou que a troca de informações mantida pelos bancos durante mais de uma década “pode constituir uma restrição à concorrência por objeto” e que “basta que essa troca constitua uma forma de coordenação que, pela sua própria natureza, seja necessariamente (…) prejudicial ao correto e normal funcionamento da concorrência”.

A Autoridade da Concorrência defendeu esta quarta-feira em tribunal que, após a decisão “cristalina” da Justiça europeia, devem ser confirmadas as coimas de 225 milhões de euros aplicadas aos bancos por troca de informação sobre créditos.

Desde outubro de 2021, decorre no Tribunal da Concorrência o julgamento de recurso de 11 bancos dos multados, em 2019, pela AdC pela prática concertada de troca de informação sensível no crédito.

Segundo o TJUE, para que um mercado funcione em condições normais, “os operadores têm de determinar de forma autónoma a política que tencionam seguir e têm de permanecer na incerteza quanto aos comportamentos futuros de outros participantes”.

Após esta interpretação do tribunal europeu, cabe agora ao Tribunal da Concorrência decidir se os factos são ou não uma “restrição por objeto” – geralmente os tribunais nacionais seguem o entendimento do tribunal europeu – e decidir as coimas a aplicar aos factos provados (se se mantêm ou são revistos os valores da Autoridade da Concorrência).