O constitucionalista José Moreira da Silva, sócio da SRS Legal, considera que o novo salário mínimo nacional, de 820 euros, e o aumento das pensões em 2024, em média 6,2%, poderão avançar, apesar deste contexto político que se gerou com a operação judicial aos negócios do lítio e, consequente, demissão do primeiro-ministro.
“A questão que se podem colocar é se essas medidas não poderão ser vistas como eleitoralistas”, ressalva o advogado. “O art. 186.º/5 da Constituição tem as palavras-chave sobre a restrição dos poderes dos governos em duas situações: (i) antes da aprovação dos programas do Governo na Assembleia da República e após a demissão do Governo. Mas é muito lacunar sobre os poderes de governos de gestão corrente, dizendo que o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, começa por explicar.
De acordo com José Moreira da Silva, o que são os atos necessários tem sido alvo de várias interpretações e de acórdãos do Tribunal Constitucional (TC) mas, segundo a prática política e as interpretações do TC, “o Governo de gestão não esta impedido de aprovar leis, mas está restrito a situações de necessidade, ou seja, situações que seriam prejudicadas caso fossem deixadas apenas após eleições para o novo governo”. No final, cabe ao Presidente verificar se essas medidas são admissíveis e enviar ao TC os diplomas.
Em relação ao Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) como um todo, José de Matos Correia, constitucionalista e consultor da CMS, reitera que todas as propostas de lei caducam com a demissão do Governo, nos termos do n.º 6 do artigo 167.º da Constituição.
Lembrando que a demissão só produz efeitos a partir da formalização, por decreto do Presidente da República, José de Matos Correia diz que, quando o mesmo for publicado, automaticamente, caducam todas as propostas de lei do Governo, incluindo esta.
“Se essa publicação ocorrer após a votação final global do Orçamento (isto é, a votação derradeira), o problema já não se coloca. Com efeito, com a aprovação a proposta de lei deixa de subsistir, dando lugar a um novo ato, que é um decreto da Assembleia da República (artigo 159.º do Regimento da Assembleia da República)”, detalha.
“Assim, se a demissão do Governo for formalizada antes da votação final global, a proposta de Orçamento caduca. Diferentemente, se o decreto de exoneração for posterior à votação final global, o decreto da Assembleia da República permanece e é remetido ao Presidente da República para promulgação”, sublinha o jurista.
Para Mário João Fernandes, consultor da Abreu Advogados, toda esta questão é também uma das razões pelas quais o Presidente da República ainda não se pronunciou sobre o que segue à demissão apresentada pelo primeiro-ministro.
E reforça: enquanto a proposta de lei 109-XV, do OE2024 não for aprovada em votação final global, promulgada pelo Presidente da República, referendada pelo primeiro-ministro e publicada no Diário da República, não tem quaisquer efeitos. “Se antes dessa votação final global se verificar a demissão do Governo, todas as propostas de lei apresentadas pelo Governo caducam, nos termos do nº 6 do artigo 167º da Constituição da República Portuguesa”, refere.
No início de 2020, o país entrou em 2022 com um Orçamento em duodécimos, após o OE2022 ter sido chumbado pelo Parlamento na generalidade, até à entrada em vigor do novo Orçamento a 28 de junho de 2022. O objetivo deste regime é garantir a estabilidade da transferência de ano orçamental para evitar qualquer perturbação no funcionamento dos serviços e no cumprimento das funções essenciais do Estado e demais organismos públicos. Em 2020, o novo Orçamento entrou em vigor em abril, mas em 2022 os duodécimos acabaram por durar todo o primeiro semestre.
Com Lígia Simões