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"As relações laborais vão ter uma alteração total do paradigma”

O mercado de trabalho mudou com a pandemia, globalizou-se, em muitos setores, e acelerou tendências. As novas tecnologias obrigam à adaptação das empresas, mas também dos trabalhadores, que têm de apostar na sua própria formação e capacitar-se que deixaram de existir empregos para a vida, e do decisor político. Até porque a mudança vai acelerar.

Como se transformou o mercado de trabalho em Portugal desde a pandemia?
Sobretudo em duas vertentes: por um lado, a forma como se trabalha, as ferramentas que nós temos. Quando pensamos em antes da covid, pensamos que team meetings, Zoom, Skype eram ferramentas ou que não eram utilizadas em Portugal, de todo, ou as empresas que as utilizavam faziam-no quase como recurso secundário. Passou a ser “a” ferramenta. Hoje, já não trabalhamos sem pensar que podemos fazer reuniões, com todas as vantagens que isso tem, via Teams. É a eficiência, é a gestão do tempo, é também a metodologia da agenda de trabalho que está associada. A pandemia veio trazer ao nosso dia a dia ferramentas que nos tornam mais ágeis e mais eficientes.


Num segundo patamar, também houve uma mudança na mentalidade. Percebemos que queremos trabalhar de uma forma menos pessoal e estamos bem com a questão do teletrabalho, que claramente era algo que antes da covid não só as empresas viam como dificuldade, mas também as pessoas. Hoje, há um exercício até de alguma resistência para retomar paradigmas antigos.


Uma terceira, já um bocadinho mais consequente disso, é que esta flexibilidade também nos associou a podermos ver que podemos ter mais do que uma relação de trabalho, ou seja, o emprego para a vida já não é um conceito que esteja enraizado – ainda está bastante, mas muito longe daquilo que era.

As novas gerações estão mais adaptadas.
As novas gerações nem percebem o que é isto de um emprego para a vida e acham isso uma coisa totalmente anacrónica.
Eu digo a geração ativa mais sénior que estava nessas circunstâncias em momento de pandemia, que tinha muito mais resistência à mudança e que hoje ainda tem, mas, ainda assim, hoje já se percebe que, afinal, também gera oportunidades.
Uma das mudanças foi a globalização do mercado de trabalho. As empresas portuguesas com o quadro regulamentar, fiscal, que temos, estão adaptadas à competição por talento?
A resposta que me ocorre é que se não tem vai ter de passar a ter; é inevitável. Nós temos de ser, necessariamente, um país atrativo e, portanto, temos de criar condições de vida, de trabalho e condições naturalmente fiscais, porque é, sem dúvida nenhuma, um dos elementos fundamentais para atrair investimento, e, naturalmente, no âmbito das relações laborais, também talento.
Uma das coisas que nós temos hoje de enfrentar, por um lado, são os nómadas que, de facto, vieram para Portugal muito com a covid, pelo bom tempo, porque Portugal tem esta singularidade, tem um tempo fantástico quase o ano inteiro. Portanto, é um país fácil de viver. Depois, é manter e preservar esse talento, e isso implica, necessariamente, políticas de investimento, porque só com investimento, sobretudo estrangeiro, é que nós conseguimos também reter e atrair talento. Por outro lado, a um nível não corporativo, mas a um nível individual, criar também condições de sustentabilidade para quem fica em Portugal, para quem opta, também, por ter os seus rendimentos em Portugal, e ser tributado em Portugal. E nós temos, hoje em dia, decorrente também do fluxo migratório não só de Portugal para o estrangeiro, mas também do estrangeiro para Portugal, do ponto de vista político, este desafio. Queremos atrair para Portugal, sabemos que existe uma massa de imigração para Portugal muito significativa, o que gera problemas ou desafios do ponto de vista legislativo, para poder criar uma regulação no mercado de forma a que não se crie também desequilíbrios e desigualdades entre quem estava e quem vem.

Como olhamos para as plataformas tecnológicas? Temos questões de relação laboral, de tributação.
É uma dificuldade?
É uma dificuldade e eu acho que é uma oportunidade. As plataformas digitais estão e vão ficar como ferramentas importantes para o desenvolvimento da economia. O que se passa é que têm associadas formas diferentes de desenvolvimento da relação e nesse sentido há, efetivamente, para os governantes do nosso país, o desafio de também saber regular – e regular bem – matérias de relações, porque o paradigma atual de um contrato de trabalho, de um contrato subordinado, à luz dos conceitos atuais, não faz qualquer sentido de ser utilizado para as plataformas. É uma opinião pessoal. Não devemos ver nisso um problema, mas uma oportunidade. As relações laborais vão ter uma alteração total do paradigma. Se calhar isto é mais ou menos polémico – não é o mais importante ter uma relação de trabalho subordinado, o que é importante para o país é que se gere rendimento, oportunidades de obter rendimentos, com estabilidade, com qualidade e em diversidade, e isso é que deve ser a preocupação.


Portanto, o conceito atual de contrato de trabalho, eu diria, não é enquadrável, tal como existe hoje no conceito das plataformas, porque as plataformas são, pela forma como se interage, verdadeiras relações liberais; é o prestador que vai decidir quando quer exercer aquela atividade, em que termos é que quer. É difícil ter um conceito de contrato de trabalho como ele hoje existe, mas desde que ele seja devidamente protegido, tutelado, essas relações devem ser mantidas e promovidas, porque elas em si mesmo geram oportunidades, geram rendimento para cada um dos indivíduos. Basta ver o fluxo migratório que foi gerado; pode não ser consensual do ponto de vista social, mas definitivamente é necessário para o país. O país precisa desse fluxo migratório. Do ponto de vista de segurança social é também uma oportunidade que também tem de ser legislada em conformidade.

A realidade está a mexer-se depressa demais para o legislador?
Eu acho que não. Tenho este assunto das plataformas digitais no meu dia a dia, aquilo que posso dizer é que, do ponto de vista legislativo, não vale a pena estarmos a tentar legislar tendo em atenção o caso particular, mas legislar de forma geral e abstrata, que é aquilo que a lei que se exige, para novas formas de desenvolvimento de relações. Isto é que é mesmo importante, porque o contrato de trabalho e as relações, tal como elas existiam até hoje, podemos abrir as mãos, fechar as mãos, o vento vai passar e nós vamos efetivamente ser ultrapassados por isso. Vamos ter inteligência artificial, que também tem de ser legislada, porque ela em si própria também cria disrupções, na forma de trabalhar e nos próprios contratos tradicionais. Portanto, há que apenas criar espaço para legislar de forma correta, tendo em conta as necessidades futuras e não a fazer o exercício que está a ser feito atualmente, que é com base nos conceitos dos paradigmas antigo eu vou tentar enquadrar, forçar a entrada destas formas novas de relação, porque isso é um exercício que não traz nenhum resultado. E também não é um exercício de futuro e nós temos de viver para o futuro.

Novas tecnologias obrigam a adaptar. Continua a ser difícil reestruturar em Portugal?
Estamos a falar de reduções de pessoas, de trabalhadores nos quadros. Eu costumo dizer que o mercado todos os dias emprega e todos os dias despede, mas é assim mesmo. Para a economia e para o país funcionarem, têm de funcionar com esta flexibilidade. Criar mecanismos protecionistas para o desemprego infundado, totalmente de acordo, criar medidas protecionistas ou ultraprotecionistas para determinar ou apertar a malha total ao desemprego parece-me impossível e, talvez por defeito de profissão, parece-me até que não é saudável.
Hoje, em Portugal, nós temos desemprego, mas é um desemprego que é residual e sobretudo tem uma coisa muito boa, que é um desemprego constante; nós estamos desde 2020 com uma média de 6% [de taxa de desemprego], mais décima, menos décima, o que é muitíssimo positivo, mas também temos de ver este desemprego com o outro lado, que é o emprego, e o emprego também tem aumentado. Basta ver que neste último trimestre aumentámos, estamos praticamente com mais de cinco milhões de população ativa empregada e temos quase mais uma décima de aumento, o que é muito relevante.
O desemprego em si não é dramático se depois for colmatado com possibilidades novas de emprego. Este vento da tecnologia, das eficiências, da produtividade, vai naturalmente conduzir a uma redução ou desmaterialização total de determinadas funções. Nós temos é de ver do outro lado da porta: há também muitas outras funções novas à espera de empregos.