Qual a responsabilidade dos municípios no sistema de proteção civil e de que forma se poderão organizar?
Tem sido feito um caminho no sentido de reforçar o patamar local da Proteção Civil, ou seja, a dimensão autárquica. Neste contexto destacam-se os municípios sem esquecer as freguesias e das unidades locais de Proteção Civil. Os municípios já têm um papel central e que baseado no princípio da subsidiariedade, tem-se defendido o propósito de resolver localmente a esmagadora maioria de todo o trabalho de Proteção Civil, a menos que tenha de escalar para uma área mais regional ou até nacional. Os municípios vão ser cada vez mais o centro da Proteção Civil.
Como é que estão os municípios para assumir este papel?
Estão a velocidades muito diferentes. Há um relatório do Tribunal de Contas, de 2022, que faz uma análise direcionada para os bombeiros voluntários e que estão na proximidade, e que conclui que os municípios estão a várias dimensões. Nas principais cidades do país, podemos dizer que os municípios estão organizados e que têm estruturas e orçamentos relevantes para lidar com as responsabilidades que acarretam a transferência de competências em nome do Estado. No litoral encontramos um estado mais avançado mas no interior, diria que muitas autarquias não têm a mínima estrutura para lidar com a dimensão das responsabilidades que têm. E é preocupante, sobretudo porque a transferência de competências já tem algum tempo. Mas também existem muitos municípios do litoral onde são evidentes algumas fragilidades a este nível, mesmo nas zonas onde há mais recursos.
Qual o modelo que deve ser utilizado para financiar a Proteção Civil local?
A lei das Finanças Locais não consagra nenhum tipo de apoios específicos para a Proteção Civil e no Fundo de Equilíbrio Financeiro deveria existir uma rubrica específica compatível com aquilo que é a importância da Proteção Civil. Até porque a Proteção Civil é um instrumento de coesão, de desenvolvimento importante do ecossistema social e económico. Deveria haver uma autonomização de uma transferência dedicada à Proteção Civil, independentemente do pacote financeiro decorrente da transferência de competências para as autarquias. Há algumas coisas estranhas nesta dimensão. Por exemplo: quando uma autarquia dispõe de um corpo de bombeiros profissional, não recebe nenhuma verba por isso. E o orçamento anual de um corpo de bombeiros é de vários milhões de euros. Em contrapartida, através da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, os bombeiros voluntários têm apoios. Há aqui o tratamento diferenciado entre os bombeiros profissionais e os voluntários.
Seria importante voltar a falar da taxa municipal de Proteção Civil?
Muitos municípios tentaram implementar uma taxa municipal de Proteção Civil: a forma como essa taxa foi montada não foi a melhor e o Tribunal Constitucional acabou por declarar inconstitucionais todos os regulamentos que se tentaram implantar em alguns municípios. É necessário revisitar a taxa municipal de Proteção Civil porque as autarquias e os municípios têm um papel relevantíssimo para levar à prática essa atividade, aproximando-a dos cidadãos e das empresas, apesar de ser difuso quantificar o benefício da Proteção Civil. A reintrodução da taxa será um instrumento de justiça porque não estamos a falar de um imposto para os cidadãos. Num município com um elevado índice de industrialização, e mesmo sabendo que os municípios competem entre si para a instalação destas indústrias, essas empresas são fatores de risco. Quando falamos da responsabilidade social das empresas, vejo com toda a naturalidade que as empresas participem nesse reforço de Proteção Civil. Estamos a falar do transporte de matérias perigosas e de outros riscos que se acentuam. Sem prejuízo que a Proteção Civil seja uma responsabilidade do Estado e portanto, ser paga através do orçamento público com base nos impostos cobrados, creio que haveria vantagens em chamar as empresas e até acredito que haja disponibilidade das organizações no sentido de suportar alguns encargos porque isso faz parte do seu papel a partir do momento em que se integram no território. Essa aproximação é desejável em todas as dimensões e portanto essa taxa tem condições para ser praticada com justiça e de ser um factor de justiça social.
E um fator de competitividade também.
Também, sim. As coisas que não têm um preço muitas vezes não são valorizadas. A Proteção Civil é um bem cada vez maior, que nos tem mantido nesta tranquilidade em que vivemos. Estamos a entrar num período de verão que é sempre perigoso mas apesar de tudo, a Proteção Civil está aí.
Que futuro para a profissionalização dos meios de socorro no nosso país?
O voluntariado está em crise. Um estudo recente diz que nos últimos vinte anos perderam-se dez mil bombeiros voluntários. É necessário reconstruir equipas para reforçar o combate na defesa florestal contra incêndios e não há pessoas. Os bombeiros estão aflitos. Tem-se avançado na profissionalização mas é insuficiente. Com a Covid acentuou-se a diminuição no voluntariado. Há muitos anos que defendo a constituição de estruturas profissionais nos bombeiros. Foram colocadas em prática as equipas de intervenção permanentes mas estas são um penso rápido no assunto apesar de constituírem um bom ponto de partida. Devem ser aumentadas e aí temos duas soluções: continuar a utilizar a infraestrutura disponível que são as mais de 400 associações humanitárias e reforçar a presença de profissionais; outro modelo, talvez mais futurista, passa pelo corpo nacional de bombeiros, profissionalização completa do socorro na primeira intervenção.