Os arguidos da Operação Picoas, Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes, terão recebido comissões ilegítimas no valor de 0,5% do total das compras feitas pela Altice France no ano passado, revelou ontem o fundador do grupo, Patrick Drahi, numa conference call com investidores. O grupo vai deixar de trabalhar com cerca de cem empresas que foram identificadas como estando relacionadas com os dois arguidos, garantiu o maior acionista da Altice.
"Até ao momento, tanto quanto é do nosso conhecimento, a investigação judicial decorre apenas em Portugal, mas nós identificamos várias entidades da Altice fora de Portugal que fizeram negócio com esses fornecedores, nomeadamente em França", disse Patrick Drahi, referindo-se a entidades identificadas pelas autoridades portuguesas no âmbito da Operação Picoas, que investiga um alegado esquema de corrupção liderado por Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes, que terá lesado a Altice e o Estado português em centenas de milhões de euros.
De acordo com Drahi, essas empresas fizeram negócios também com a Altice France, sobretudo para o fornecimento de equipamentos e serviços nas áreas técnicas da empresa, representando 2% do total de aquisições realizadas no ano passado. "A potencial fraude terá ocorrido apenas na parte que diz respeito às comissões que essas entidades receberam e que representaram 0,5% do total gasto com fornecimentos externos", explicou Patrick Drahi.
"É um valor baixo, mas ao deixar de trabalhar com esses fornecedores vamos conseguir baixar um pouco os custos da Altice France", acrescentou Patrick Drahi.
Em 2022, a Altice France gastou 3,2 mil milhões em fornecimentos e serviços externos, o que significa que as entidades sob investigação na Operação Picoas terão ficado com uma fatia de 64 milhões de euros, dos quais 16 milhões - 0,5% do total - dirão respeito a comissões que correspondiam a uma sobrefaturação de 20% a 30% sobre o valor de mercado dos bens e serviços adquiridos pela Altice.
Investigação interna identificou 100 empresas e "portugueses importantes" relacionados com Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes
À semelhança do que já fizera na conference call de segunda-feira, o fundador da Altice voltou a garantir que o grupo está a fazer tudo para apurar responsabilidades e proteger os interesses dos investidores. Foram identificadas cerca de 100 empresas relacionadas com Armando Pereira e Hernâni Vaz Antunes, com as quais o grupo deixa a partir de agora de trabalhar, garantiu Patrick Drahi, referindo também que há alguns "portugueses importantes" ("big Portuguese people", em inglês) cujos nomes aparecem como estando envolvidos ou relacionados com essas transações.
Na segunda-feira, Drahi disse sentir-se "traído e desiludido" após ter conhecimento dos negócios sob investigação na Operação Picoas. E revelou, pela primeira vez, os contornos exatos da participação de Armando Pereira na Altice. O português deixou de ter ações da Altice em 2005 (deteve 1%), mas tem direitos económicos sobre 20% dos lucros auferidos pelo próprio Drahi.
Armando Pereira foi consultor da Altice France até julho
Outro pormenor relevante que foi divulgado nesta conferência telefónica diz respeito ao papel de Armando Pereira como consultor da SFR, a operadora de telecomunicações do grupo Altice em França, até ao mês passado, já depois de ser detido e acusado de 11 crimes no âmbito da Operação Picoas.
“Em relação ao envolvimento de Pereira em França, ele era vice-diretor-geral do nosso negócio francês, a SFR, desde o final de 2017 até ao início de 2019. No qual, lado a lado com o nosso anterior CEO, teve um papel essencial no relançamento do negócio e construir a rede de fibra 5G”, disse Patrick Drahi.
“Em agosto de 2022, há um ano, quando promovi Mathieu Cocq a CEO da SFR, pedi a Pereira que aconselhasse Mathieu nas questões operacionais da SFR por um período transitório de um ano”, adiantou, garantindo que esta consultoria "terminou no final de julho de 2023”.