O rápido avanço das alterações climáticas têm vindo a provocar diversas catástrofes um pouco por todo o mundo. Apesar de Portugal não ser um dos países mais afetados por este tipo de problemas, o tema deve ser debatido e questionado. Estarão as cidades e as infraestruturas portuguesas, nomeadamente no sector do imobiliário, preparadas para as alterações climáticas?
Em entrevista ao Jornal Económico, Bernardo Matos de Pinho, diretor da Associação Portuguesa de Projectistas e Consultores (APPC) e da empresa de engenharia e gestão Tecnoplano, considera que o país anda a duas velocidades: uma dos promotores imobiliários e privados e uma segunda através do Estado.
As infraestruturas em Portugal estão preparadas para a evolução das alterações climáticas?
É um facto que com o aquecimento global que já está demonstrado e a ser antecipado de um grau e meio nos próximos cinco anos, é um facto científico que não podemos negar. Estamos numa tendência de descarbonizar a economia. Tem havido vários investimentos na área das energias para acelerar o processo de descarbonização da nossa economia, que está agora a migrar para a parte industrial e da mobilidade. Mas também é um facto que em 2016, 2017, havia a clara conclusão de que as alterações climáticas iam ser uma realidade e que os países tinham que se preparar para os impactos dessas alterações climáticas.
Ou seja, todos aqueles fenómenos que nós assistíamos de dez em dez anos ou de 50 em 50 anos, cada vez iam sendo mais encurtados e ter um impacto cada vez mais recorrente nas nossas infraestruturas, nos nossos edifícios. Acho que as empresas que a APPC representa, que são a maioria das grandes empresas de engenharia e arquitetura, sempre estiveram à altura.
Grande parte delas estiveram envolvidas no plano de investimento das barragens, quer seja na reformulação e reestruturação do parque escolar, na disposição dos nossos rios e zonas costeiras, em eventos culturais como a Parque Expo e o Euro 2004. A engenharia e arquitetura sempre teviram capacidade de dar resposta aos desafios. Obviamente que para nós é importante que haja instrumentos e haja dinamizadores para que o desenvolvimento de tecnologias e de capacitação dos próprios quadros das empresas estejam disponíveis. Sabemos e temos perfeita consciência que passa pela arquitetura e engenharia o desenvolvimento das soluções e a execução técnica da preparação das cidades e das nossas infraestruturas para os efeitos das alterações climáticas.
Que resposta está a ser dada para responder a estes desafios?
Obviamente que há bons exemplos. O plano de drenagem da cidade de Lisboa é um bom exemplo de uma autarquia, apesar de ser um projeto já bastante antigo, de resolver o problema das cheias de Lisboa, colocando uma infraestrutura que possa fluir de forma a ter uma capacidade de absorção dos impactos das chuvas severas e drená-lo rapidamente para o rio Tejo, evitando aquelas cheias e aquele acumular da água pluvial nas zonas históricas de Lisboa que temos vindo a assistir, mas acho que tem de haver passos mais incisivos.
Portugal claramente anda a duas velocidades. Temos, por um lado, os promotores imobiliários privados mais estruturados, quer seja por via de de origem dos seus financiamentos, que são financiamentos que olham mais para as questões da sustentabilidade e da resiliência dos seus investimentos, quer seja pelo cliente final que é um cliente mais estruturado e com uma maior consciência que se tiver um empreendimento sustentável, o seu ativo vai ter uma maior valorização do que um empreendimento não sustentável.
O Estado, por seu lado, continua lá está, a duas velocidades. O Estado quando contrata, contrata tipicamente pelo preço mais baixo. Ainda continua a abusar do código da contratação pública e, por via também ou pela deterioração dos quadros técnicos do sector público e a degradação dessa capacidade técnica não se ter capacitado de componentes e de competências técnicas mais atuais para poder contratar de forma eficiente edifícios mais sustentáveis e continua na questão do preço e nos regulamentos tradicionais. E isso é que é o game changer. O Estado tem que também ser um impulsionador de soluções sustentáveis. Não só os investidores, especialmente os estrangeiros estruturados que têm essa preocupação e que não conseguem captar financiamento se não tiverem esse tipo de certificações. As empresas do sector vão-se munindo de competências. Mas se por um lado temos o país a andar a duas velocidades, nós não conseguimos acelerar o processo de formação dos engenheiros e dos arquitetos nessas competências.
O que falta ao Estado para dar resposta a esses desafios e mudar de velocidade?
O problema é que o sector público tem vindo a degradar os seus quadros técnicos por via das questões financeiras. Cada vez mais estas temáticas tornam-se mais multidisciplinares e complexas, com várias dinâmicas. E eu não acredito que as diferentes entidades públicas espalhadas pelo país consigam-se capacitar das competências técnicas para saber contratar de forma eficiente. O Estado terá de alguma forma, por exemplo, ter um departamento centralizado, com técnicos qualificados que possam suportar as diferentes autarquias e as diferentes instituições públicas para ajudá-las a contratar de forma mais eficiente. É impensável cada capelinha espalhada pelo país ter capacidade de poder ter estas competências para poder contratar de forma eficiente e não como assistimos, que é a forma mais fácil que é por um critério de preço. Eu até posso pôr uns critérios de qualidade, mas a maneira como estão feitos basicamente vai sempre dar ao preço. Isso é um inibidor da disrupção e da evolução das tecnologias e do projeto.
Quando nós olhamos só para o preço, estamos a inibir a disrupção e a criatividade. E o próprio código da contratação pública e a forma como está a ser usado ou tem vindo a ser usado é um inibidor da criatividade e disrupção. Isso é algo que, até ao nível da Comissão Europeia tem-se falado muito e tem-se debatido para passarem a diretivas mais incisivas nesse aspeto de deter processos mais focados na qualificação e na qualidade do produto do que propriamente no preço.
Que papel tem a União Europeia neste processo?
A União Europeia tem em marcha a implementação de um programa de sustentabilidade, que é o Levels, que vem substituir o inglês breeam e o norte-americano Leed e por via do Brexit, a União Europeia sentiu a necessidade de desenvolver o programa de desenvolvimento de projetos sustentáveis com base no Levels e obviamente vêm aí regras novas e pelas diretivas comunitárias.
Portugal é um país que não é tão afetado por grandes catástrofes como vemos lá fora, como os sismos. Será por isso também que o Estado não dá a mesma importância a este tema?
Eu acho que sismos é uma questão de uma visibilidade estatística. Acho que é algo que não devemos descurar e que é um trabalho diário dos técnicos de apresentarem sempre soluções quepossam responder de forma eficiente a esse fenómeno que pode ocorrer a qualquer momento. A nível de ordenamento do território, até temos alguma preocupação com construções em zonas críticas e realmente tem havido essa preocupação. Por isso é que se calhar não tem ocorrido tantas desgraças como noutros países menos desenvolvidos. Nesse aspeto acho que é um aspeto positivo porque se tivéssemos em determinadas zonas construções iríamos ter catástrofes.
O plano de monotorização também tem funcionado e espero que não seja um drama, mas o facto é que a qualidade de vida vai ser afetada pelas alterações climáticas, quer seja pela fraca qualidade da construção. Esta questão dos efeitos muito repentinos das chuvas cada vez vão ser maiores, como os incêndios também é algo que é preocupante, porque já percebemos que não é com mais bombeiros que resolvemos o problema dos incêndios é com uma evolução do nosso ordenamento, da nossa floresta, que tem que ser organizada de outra forma.
Falou nos problemas da construção e nos atrasos que temos em Portugal face a outros países. Isto deve-se sobretudo aos problemas da falta de mão de obra e dos custos da construção?
Tudo isto tem ligações, não é, como é óbvio, quando nós temos, por um lado, o sector público que por via da crise financeira foi obrigado a reduzir os seus quadros e, portanto, perdeu capacidade técnica de poder contratar com qualidade e com as novas temáticas em cima da mesa e como base. Por outro lado, também a degradação da forma como contratam ao nível do preço, obviamente que nós temos técnicos e universidades muito boas, de altíssima qualidade, todos os técnicos sentiram ou foram forçados a emigrar. Os mais afoitos, com mais ambição, que tipicamente são aqueles que têm mais vontade de crescer e são os com mais capacidade de desenvolvimento de competências emigraram e foram para outros países porque não conseguiam ter o nível de vida que gostariam de ter com a remuneração que as empresas em Portugal podem disponibilizar.
Isso é um problema e uma realidade que temos que resolver. Só mesmo estando na vanguarda destas novas temáticas é que podemos ter valor acrescentado. Hoje em dia as empresas portuguesas de arquitetura e engenharia compõem o seu orçamento e as suas receitas com a exportação de serviços, porque a venda de projetos e de consultadoria em Portugal tem margens que não permitem a remuneração adequada dos técnicos, em linha com as suas competências e até ao seu risco, porque a maior parte dos técnicos tem que subscrever e tem que assinar termos de responsabilidade de que se ocorrer algo de errado, são responsabilizados por isso e portanto, nem o nível de remuneração está em linha com as competências e riscos da atividade. Por isso muitos emigram e vão para outros países onde podem ganhar muito mais.
Em suma, Portugal forma bem, mas depois paga mal.
Quando não há uma visão, parece-me de longo prazo e estrutural para um país acontecem este tipo de fenómenos. Se formos ver o sector da engenharia e da arquitetura tem um efeito multiplicador na fileira da construção, porque se nós de alguma forma exportamos projetos e vamos fazer projetos lá fora, como projetamos de uma forma mais entendível e mais fácil de executar por parte de um construtor e deum fabricante nacional mais fácil é estas empresas virem por arrasto.Portanto, capacitar as empresas de arquitetura de engenharia é investir na exportação dessas competências e da fileira da construção.
Quando estamos aqui a falar de uma componente que tem um peso, se calhar de 1% da totalidade do investimento, quando digo investimento, não é só o projeto e a construção, mas também a operação do edifício. Estamos aqui a inverter aqui um bocado os princípios. Temos que saber jogar com as armas que temos e delapidar e deteriorar este sector é prejudicar a fileira da construção e a exportação dessas competências.