O alívio do IRS vai a votos no Parlamento na quarta-feira ainda com um desfecho imprevisível quanto ao modelo de redução do imposto mediante a luz verde dos deputados ao projeto dos partidos que suportam o Governo ou o do PS. Mas conta para já com uma certeza: será aprovado sem a avaliação do impacto orçamental pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Em causa estão as propostas dos partidos que suportam o Governo, do PS, do Chega, da Iniciativa Liberal, do Bloco de Esquerda e do PCP que apontam para alívios fiscais em diferentes níveis e abrangência de escalões de rendimento.
Com a redução do IRS ainda à procura de acordo nas vésperas da votação dos projetos dos partidos que suportam o Governo e os da oposição, mantém-se o braço de ferro entre o PS e o PSD que já se aproximou aos socialistas e ao Chega com maiores reduções nos escalões mais baixos, mas não abdica da redução intercalar do IRS nos escalões mais elevados.
Os únicos números conhecidos são as alterações ao IRS, pretendidas pelo Executivo da AD: adicionam 348 milhões de alívio face ao que estava em vigor, que se irão refletir na diminuição das tabelas de retenção na fonte. O PS assegurou aos partidos que suportam o Governo que cumprem esta margem orçamental, mas ainda não apresentou os cálculos do impacto orçamental da proposta socialista. Já as propostas dos partidos de esquerda, PCP e BE, mais do que duplicam aquele valor, com um impacto maior para 2024 e correndo o risco de violar a norma-travão que impede o Parlamento de aprovar medidas que aumentem a despesa ou reduzam a receita para além do que já estava orçamentado.
“O pedido de avaliação à UTAO foi a forma que o PS ensaiou para arranjar uma desculpa para não aprovar na votação final global as propostas do PCP e BE que custam mais de 800 milhões e 700 milhões de euros, respetivamente”, avançou ao Jornal Económico (JE) Hugo Carneiro, vice-presidente do grupo parlamentar do PSD, considerando que “os deputados deviam ter uma entidade [UTAO] dotada dos meios necessários para avaliarem os impactos orçamentais das medidas aprovadas no Parlamento, a do IRS e não só, o mesmo se aplica à redução do IVA da eletricidade e abolição das portagens nas ex-SCUTS”, medidas propostas pelo PS e já aprovadas. Segundo Hugo Carneiro, “o PS diz que cumpre a margem orçamental de 348 milhões”.
Já o coordenador da UTAO, Rui Baleiras, afirmou ao JE que esse estudo de impacto orçamental foi pedido, mas esta entidade “já informou de que é impossível realizar esse trabalho. Não fizemos essa avaliação”, realçando que “o pedido que foi feito já caducou”. “Ficou claro entre nós e a Comissão Parlamentar que não havia condições para fazermos o estudo. Para mim, a questão está arrumada”, acrescentou Rui Baleiras.
No início de maio, os deputados pediram que UTAO avaliasse em 15 dias o impacto orçamental das propostas sobre IRS. Os deputados da Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) aprovaram, com o voto favorável de todos os partidos à exceção do PCP, um requerimento socialista para requerer a avaliação pela UTAO do impacto orçamental das iniciativas legislativas relacionadas com o IRS, incluindo as que baixaram sem votação. Em resposta, o coordenador da unidade técnica assegurou aos deputados que pediram avaliação que seria uma “missão impossível” avaliar até dia 23 de maio o impacto orçamental das propostas relativas à redução do IRS.
As várias propostas em cima da mesa serão debatidas e votadas na especialidade nesta quarta-feira, 5 de maio, e o Chega pode desempatar numa altura em que ainda se mantém o braço de ferro entre socialistas e sociais-democratas que insistem que a margem orçamental que existe para a redução intercalar do IRS deve abranger também os 7º e 8º escalões de rendimentos, sem descidas de taxas no OE2024.
“Está nas mãos dos partidos serem responsáveis. O PSD deu cinco contributos de aproximação, inclusive maiores reduções das taxas dos 3º e 4º escalões do IRS, que era uma das maiores reivindicações dos partidos da oposição”, afirma Hugo Carneiro em antecipação à votação desta quarta-feira, na qual, frisa, “será primeiro votada a proposta da AD. Vão ter de chumbar a nossa para poder votar a deles (do PS, BE e PCP)”.
O presidente do Chega admitiu na semana passada que o seu partido poderá votar contra a proposta do Governo para reduzir as taxas marginais de IRS e viabilizar a do PS, alegando que é mais próxima da sua. André Ventura assegurou não ter recebido “da parte do Governo, nem da bancada parlamentar do PSD, nenhuma negociação, proposta, contraproposta ou abertura em relação à alteração da legislação fiscal”. Mas Hugo Carneiro desmente: “não é verdade. Falei inúmeras vezes com o Chega e recusaram sempre conversar e negociar”.
Os ajustes à proposta do Governo
Após o PS ter forçado o adiamento da discussão de descida de IRS no Parlamento, com objetivo de dar oportunidade à negociação parlamentar e chegar acordo, o PSD traçou as linhas vermelhas para a proposta dos partidos que suportam o Executivo: baixar o imposto que recai sobre as famílias até ao 8º escalão e não ser introduzida nenhuma nova taxa superior a 50%, como o PS já sugeriu com a criação de um 10.º escalão com uma taxa nominal de 53%, para rendimentos acima dos 250 mil euros, indo ao encontro das pretensões do Partido Comunista que pretendia taxar a 56% os rendimentos mais elevados. E uma taxa de 50,5% para rendimentos acima de 80 mil euros.
A nova proposta dos partidos que suportam o Governo no Parlamento para redução do IRS iguala o do PS e do Chega para as taxas do 3.º e 4.º escalões com taxas de 22% e 25% respetivamente (menos 0,5 pontos percentuais em cada escalão face à proposta inicial do Governo) mas não abdica de descida nos rendimentos mais altos, rejeitada pelos socialistas.
Sem consenso parlamentar na proposta do Governo para baixar o IRS – que assegura um alívio adicional do IRS de 348 milhões de euros face ao corte de 1.191milhões previsto no OE2024 -, os sociais-democratas decidiram ajustar a medida para a aproximar dos moldes avançados pelo PS, cuja proposta foi aprovada a 24 de abril na generalidade com a abstenção do Chega.
A nova proposta do PSD, mais aproximada da do PS e do Chega, aumenta assim o rendimento líquido dos salários entre o 3º e 4º escalões, mas reduz o benefício dos escalões superiores. Indo também ao encontro do PS, no 6º escalão, para retribuições entre 27.146 e 39.791 euros brutos anuais, os partidos que suportam o Governo fazem uma redução menor para acomodar a margem orçamental, mas ficando ainda a taxa do imposto ligeiramente abaixo do pretendido pelos socialistas: em vez de baixar 3 p.p., de 37% para 34%, deverá ter uma redução menor, de apenas 1 p.p., para 35%, contra os 35,5% propostos agora pelo PS, reduzindo em 0,5 pp a sua proposta inicial de 36% também numa tentativa de se aproximar do PSD.
Após várias propostas apresentadas pelo PS e pelo PSD e CDS, as diferenças entre as diferenças resumem-se agora praticamente ao 7º e ao 8º escalão (salários entre 3.100 e 6.000 euros brutos) com uma diferença de meio ponto percentual no patamar de rendimentos brutos entre 39.791 e 51.997 euros, onde o PS propõe uma taxa de IRS de 43,5%, contra 43% proposto pelos sociais-democratas. E de 0,25 p.p. no intervalo de retribuições entre 51.997 e 81.199 euros do 8º escalão com o PS a propor aqui uma taxa de 45%, contra 44,75% propostos pelo PSD.
Já no 2º escalão de rendimentos, o PS propõe uma taxa de 16,5%, contra os 17,5% propostos pelo PSD.
O projeto do Chega, por seu lado, propõe uma redução mais substancial das taxas do imposto até ao 8.º escalão – deixando apenas inalterada a do 9.º, que corresponde ao escalão de rendimento mais elevado, enquanto o da IL propõe o aumento a dedução específica, a redução das taxas do imposto (considerando apenas dois patamares) e fixa o mínimo de existência no valor equivalente a 14 salários mínimos nacionais ao valor atual (820 euros).
Na sua proposta, o Chega propõe uma taxa de 17% para o 2º escalão e nos 7º e 8º propõe 42,5% e 44,5%, descidas ligeiramente superiores face às que o PSD defende.
Na tentativa de consensualizar propostas, o PSD já assegurou que irá também incluir a atualização automática dos escalões do IRS a partir de 2025, tal como o pretendido pelos socialistas e também vão ao encontro do PS e do Chega na atualização do mínimo de existência. Foram ainda sinalizadas duas normas programáticas para que no Orçamento do Estado para 2025 o Governo possa avaliar o alargamento da dedução dos juros do crédito à habitação de contratos após 2011 no IRS (atualmente só se aplica no caso de créditos contraídos até 2011), tal como pretendido pelo Bloco, e uma revisão do valor das deduções específicas das categorias A e H, reclamada pelo PCP. Só a atualização da dedução específica, reclamada pelos comunistas, representa, isoladamente, um alívio fiscal de 580 milhões de euros.
Prazo e falta de meios, os argumentos da UTAO para não avaliar
O requerimento de 8 de maio da COFAP solicitou à unidade coordenada por Rui Nuno Baleiras “que a avaliação considere a produção de efeitos das alterações à tabela constante do artigo 68.º do Código do IRS ainda no ano de 2024, remetendo-se as demais para 2025”.
A 10 de maio, o coordenador da unidade técnica respondeu aos deputados que pediram avaliação, tendo sinalizado com uma “missão impossível” avaliar até dia 23 de maio o impacto orçamental das propostas relativas à redução do IRS, conforme solicitado pela COFAP. Numa carta enviada aos deputados, Rui Baleiras apontou como motivos o prazo definido, a falta de meios informativos e os custos de oportunidade.
Segundo a UTAO, “um exercício de previsão orçamental profissionalmente sério sobre apenas qualquer uma das propostas legislativas não cabe em 15 dias consecutivos de trabalho (fins de semana incluídos)”, sendo que, neste caso, estão em causa sete iniciativas legislativas propondo alterações a vários artigos do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).
De acordo com Rui Baleiras, mesmo que unidade “parasse toda a demais produção e dedicasse plenamente os cinco recursos humanos a este trabalho (quatro analistas e o coordenador) durante 15 dias consecutivos, nunca seria capaz de entregar uma avaliação técnica suficientemente rigorosa para não induzir em erro as discussões políticas das iniciativas legislativas em sede de comissão ou plenário“.
Outro dos motivos avançados foi a carência de meios informativos necessários à avaliação, já que “os cálculos exigem microdados da campanha de IRS mais recente” e “a UTAO não dispõe de acesso às bases de microdados da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)”. Na resposta a UTAO realçou ainda que, adicionalmente, “mesmo que se conseguisse aceder a ela, a desatualização da mesma face a tantas alterações legais entretanto produzidas tornaria inútil a própria base de dados”.