A Alemanha, mergulhada numa crise económica que se transformou numa crise política, arrisca uma perda de crescimento de mais do dobro da média europeia com o protecionismo renovado nos EUA sob a administração de Donald Trump, dada a importância da indústria no país e a sua elevada integração com a economia norte-americana. Esta estimativa foi publicada ainda antes do colapso da coligação que sustenta o governo alemão e que deve levar a eleições antecipadas, sendo que o chanceler Scholz já admite um voto de confiança mais cedo do que a data inicialmente sugerida, daqui a mais de dois meses.
As propostas de Trump, que passam por impor tarifas aduaneiras a qualquer produto produzido fora do país – o que, claro, inclui a zona euro –, irão prejudicar ambas as economias, agravando a inflação nos EUA e reduzindo a procura por bens europeus. No entanto, os impactos serão assimétricos entre os países europeus, sendo a Alemanha um dos mais prejudicados: o setor automóvel será dos mais visados pelo protecionismo de Trump e os EUA são o principal destino das exportações alemãs.
Segundo a estimativa do Grantham Institute, da London School of Economics (LSE), a zona euro enfrenta uma redução do PIB de 0,11%, mas a Alemanha arrisca ver um impacto de 0,23% – ou seja, ligeiramente mais do que o dobro da média europeia. Já o Instituto de Economia da Universidade de Colónia aponta para perdas na ordem dos 127 mil milhões de euros caso a UE responda com contramedidas retaliatórias, valor que pode escalar para 180 mil milhões no final do mandato se a taxa chegar a 20%.
Ainda antes da publicação deste estudo, a Goldman Sachs também havia alertado para impactos negativos consideráveis na zona euro, com a Alemanha à cabeça: o bloco da moeda única arrisca perder 1% de PIB no próximo ano, enquanto a economia germânica perderia 1,1%. Em sentido contrário, a Espanha registaria uma perda menos intensa, com apenas 0,6%.
Este cenário traçado pelo banco de investimento norte-americano prevê tarifas sobre os produtos europeus abaixo dos 10% sugeridos por Trump durante a campanha e apenas em setores específicos, como o automóvel – precisamente um dos mais relevantes para a economia alemã, apesar dos problemas profundos que se têm verificado, como o encerramento de fábricas da Volkswagen no país pela primeira vez na história centenária da empresa.
Os despedimentos não se resumem, contudo, ao setor automóvel – nem sequer à indústria. Além da Volkswagen, a Schaeffler, fornecedora de componentes para a produção automóvel, fez saber que irá cortar a força de trabalho na Europa em 4.700 postos, dos quais 2.800 na Alemanha; já esta segunda-feira, o Deutsche Bank anunciou o despedimento de 111 gestores seniores, uma das medidas para revitalizar as unidades de retalho e gestão de fortunas.
O cenário económico na Alemanha há largos trimestres que não é famoso, com a maior economia do bloco euro a transformar-se também no maior problema da moeda única. Anos de desinvestimento e uma política assente em energia barata permitiram que o setor industrial germânico fosse ultrapassado, nomeadamente pelo chinês, deixando o país mergulhado numa recessão da qual não parece capaz de sair num futuro próximo.
Após uma subida de 2,9% em agosto, a produção industrial alemã voltou a cair em outubro, recuando 2,5%, ou seja, mais do dobro do projetado pelo mercado, que apontava para 1,1%. Os bens de capital foram os que mais motivaram esta evolução, caindo 4,0% depois de subir 6,9% no mês anterior, com o setor automóvel a registar uma volatilidade acrescida. A componente externa também piorou no mês em análise, dada a queda de 2,5% nas exportações e uma subida de 2,1% nas importações.
Scholz admite voto de confiança este ano
Na vertente política, e após o colapso da coligação ‘semáforo’ (SPD, Verdes e Democratas Livres), Olaf Scholz prepara-se para convocar um voto de confiança, acedendo aos apelos da oposição para que este ocorra antes da data inicialmente proposta de 15 de janeiro.
“Não tenho problema nenhum em convocar um voto de confiança para antes do Natal, caso toda a gente concorde”, afirmou o chanceler numa entrevista televisiva este domingo.
O governante afasta-se ainda de responsabilidades pela queda da coligação, acusando o ministro das Finanças, Christian Lindner, de minar o acordo. Scholz argumenta que o ministro, que representa os neoliberais Democratas Livres, teve uma postura repetidamente pouco construtiva, atirando por terra semanas de negociações árduas para a aprovação do Orçamento do Estado para 2025.
Lindner e o seu partido realizaram reuniões internas com vista a apresentar uma proposta própria de orçamento (ou um conjunto de medidas para o documento) claramente contrária às prioridades de governação dos Verdes: menos impostos sobre as empresas, abolição do adicional de solidariedade, prolongamento dos horários de trabalho e da idade mínima de reforma, redução de subsídios ambientais e sociais são algumas das medidas emblemáticas do documento conhecido há duas semanas.
Perante este cenário, Scholz até poderia continuar com um governo minoritário coligado apenas com os Verdes, mas a governação seria quase impossível, ficando, na prática, como um Executivo sem poderes até às eleições no final do próximo ano. No entanto, uma importante reunião sobre a proposta orçamental entre os parceiros de coligação, marcada para esta segunda-feira, foi cancelada, aumentando a probabilidade de o documento não ser aprovado.