O presidente da AICEP - Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal, Filipe Santos Costa, considera que 2024 tem todas as condições para ser um excelente ano, tanto na captação de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) como na frente das exportações. O Regime Contratual de Investimento aprovado há dias é a alavanca que faltava: “Vamos à Coreia do Sul e ao Japão para tentar atrair para Portugal o fabrico de semicondutores”, revelou. Por outro lado, Santos Costa afirma que a boa imagem de Portugal no exterior, levemente danificada pela crise política, está totalmente restaurada.
A AICEP está no Qatar a que título?
A minha presença aqui no Qatar é para participar na Web Summit que aqui se realiza, num painel sobre o papel que o Estado e os governos no dinamizar da cultura de inovação em tecnologia, em novos modelos de negócio. Participo no painel com o secretário da Economia do Rio de Janeiro e com a nossa congénere local, a Investing in Qatar. É uma oportunidade para apresentar Portugal como um país propício ao estabelecimento de projetos de empreendedorismo da nova economia. O nosso objetivo é sempre atrair capital para os projetos dos empreendedores portugueses. Está cá também a Startup Portugal e várias startups portuguesas. O nosso objetivo é expor e promover as startups portuguesas de forma a que elas possam levantar capital. E, por outro lado, atrair empresas estrangeiras para se estabelecerem em Portugal.
O Qatar e a generalidade da Península Arábica são já um ponto importante da capacidade portuguesa de atração de capital.
É isso mesmo, e nesta Web Summit, que tem as três vertes: procurar parceiros, procurar clientes e procurar capital. Mas aqui, de facto, o ponto forte e aquele que mais motiva as startups portuguesas a deslocarem-se ao Qatar é também para procurar parceiros, clientes, mas sobretudo para procurar capital. Espero que as empresas presentes tenham oportunidade de levantar capital, que é aquilo que procuram. A ligação da Web Summit a Portugal, onde tem parte da sua atividade, é muito importante para as empresas portuguesas. E tem dois eventos cruciais na geografia importante para tecnologia e capital: a América do Norte e o Médio Oriente – e também um pouco, agora, uma presença no Rio de Janeiro.
Que apreciação faz do balanço do IDE em 2023?
As indicações que temos são que o investimento direto estrangeiro cresceu 6,2% - estou a falar do stock de IDE no fecho de 2023, 180 mil milhões de euros. O investimento direto português no estrangeiro, que é cerca de um terço, fechou em valores próximos dos 65 mil milhões de euros, que é mais 5,8% que no fecho de 2022.
Diria que é um bom resultado?
É um excelente resultando, até porque muito deste investimento foi feito em atividades produtivas. Temos esta vantagem competitiva de um Portugal sustentável - pioneiro na dupla transição energética e digital no contexto europeu. É um país que é reconhecido e que tem capacidade (instalada e em desenvolvimento) em termos de eletricidade renovável, energias descarbonizadas – que permite atrair grandes projetos de indústria pesada e de produtos de base verde e circular. Devido a esta disponibilidade, a grande indústria pesada que se localiza na Europa quer ser descarbonizada – quer ser eletrificada – e nós partimos com essa vantagem. Esta dupla transição tem também a componente digital: o país está a atrair cada vez mais cabos marítimos de telecomunicações – temos conectividades de fibra ótica transcontinental, temos ligação Portugal-Brasil, temos os projetos que ligam ao continente africano, temos o cabo que nos liga ao Mediterrâneo até Port Said, mas sobretudo que nos liga a Marselha, que é o grande centro de amarração do Mediterrâneo, e temos agora o cabo Nuvem, que liga os Estados Unidos à Europa e que amarra em Portugal. E isso chamou a conectividade do Interland, a conectividade de Madrid para Lisboa. Isto são investimentos muito importantes. Esta dupla transição energética e digital está a inspirar-nos para fazer uma ofensiva na atração na manufatura de semicondutores.
Um sector de importância decisiva...
Temos na semana que vem uma missão à Coreia do Sul e ao Japão onde vamos apresentar Portugal como um destino para o investimento na manufatura de semicondutores. Vamos fazer uma proposta de valor com base no nosso novo Regime Contratual de Investimento para tentar atrair para Portugal o fabrico de semicondutores. Foi aprovado no passado dia 22 uma nova resolução do Conselho de Ministros sobre o Regime Contratual de Investimento destinado aos investimentos em sectores estratégicos ao abrigo do Quadro Temporário de Crise e Transição da Comissão Europeia – com um montante que deverá rondar inicialmente os mil milhões de euros, e que é uma segunda resolução – uma vez que já tínhamos outra de abril de 2023, que lançou este regime com 150 milhões de euros por ano. E esse já tem um aviso aberto desde novembro do ano passado até 31 de dezembro de 2024. Estas duas resoluções são as que nos permitirão conseguir os grandes projetos de investimento. Os números do stock de IDE refletem também o trabalho da AICEP.
Que resulta em que termos mensuráveis?
Tivemos em 2023 um novo recorde de investimento transitado pela AICEP: foram 3,5 mil milhões de euros, com 36 ‘leads’ de IDE, que somaram cerca de 2,8 mil milhões de euros e cerca de 700 milhões em reinvestimento, distribuídos em 12 projetos (nacionais ou estrangeiros). E temos o nosso pipeline, muito alavancado na dupla transição: temos 44 projetos em carteira para um total de 32 mil milhões de euros – e que estão muito distribuídos pelas nossas fileiras de aposta: a indústria automóvel, com muito ênfase na mobilidade elétrica; ciências da vida, com muito ênfase nas farmacêuticas; a agroindústria, com muito ênfase nos produtos alimentares; e a metalurgia, com muito ênfase nas matérias base, nomeadamente no aço.
Nessa área particular, perspetiva mais um bom ano para 2024?
Acho que será um excelente ano. Com o Regime Contratual de Investimento estamos agora devidamente habilitados para desenvolvermos o nosso trabalho – um trabalho muito intenso entre os ministros da Economia, dos Negócios Estrangeiros e das Finanças. Vai permitir-nos relançar Portugal nesse muito competitivo mercado global de atração dos melhores projetos de indústria produtiva.
Na outra vertente da AICEP, as exportações, o ano de 2023 acabou por não ser negativo, como chegou a ser antecipado.
Foi um ano excelente: em 2023 face a 2022 temos um crescimento forte nos bens e serviços. Cresceram 4,7% - e temos uma ligeira diminuição das importações, 1,8%. Com esta variação, invertemos o saldo da balança comercial: passámos de um défice comercial de 4,7 mil milhões de euros em 2022 para um superavit de 3,3 mil milhões em 2023 – portanto, temos uma viragem de oito mil milhões. O superavit é o mais elevado desde que é contabilizado, ou seja, desde 1948, e corresponde a 1,3% do PIB em 2023 – quando tivermos um défice da balança comercial de 2,4% em 2022, de 2,8% em 2021.
O turismo a funcionar.
Fala-se muito nos serviços – com o crescimento das exportações dos serviços de turismo, da ordem dos 19%. Mas também, falava há pouco da conectividade, as tecnologias digitais de informação e comunicação cresceram 13% - portanto, temos um crescimento dos serviços dos quais metade será relacionado com o turismo, o que quer dizer que metade não será relacionado com o turismo. Mas, mesmo as exportações de bens e serviços para os mercados extracomunitários – e estas ligações intercontinentais têm um papel – que agora significam 36% do total, cresceram 6,7%. As exportações para o mercado comunitário cresceram 3,7%. O que significa que estamos a diversificar a economia.
Uma das apostas fortes da agência.
O crescimento é o dobro para fora da Europa. É de facto um dos nossos objetivos. na exportação de bens sem serviços somos deficitários mas, mesmo aí, tivemos uma diminuição de 800 milhões de euros – eram 77,6 mil milhões de euros em 2023 quando tinham sido de 78,4 mil milhões em 2022, menos 1% – mas as importações de bens foram de 105 mil milhões de euros, menos 4,5 mil milhões, menos 4,1%. Ou seja, a nossa taxa de cobertura melhorou para os 73,9%, uma melhoria de 2,3 pontos percentuais. Tivemos uma quebra global de 4,5 mil milhões de euros nas importações de bens, que é mais que justificada por uma quebra de seis mil milhões nas importações de combustíveis fósseis e derivados. Assim como a diminuição de 800 milhões nas exportações é mais que justificada pela diminuição de 1,5 mil milhões de euros nas exportações dos mesmos combustíveis. Sem isto, as exportações de bens até teriam crescido.
O ano de 2024 voltará a ser positivo?
Tenho esperança que sim, Continuamos a apoiar a internacionalização e a diversificação das empresas. No plano anual da AICEP temos quatro milhões de euros para promoções no estrangeiro, temos 150 ações planeadas para 40 países, com uma grande aposta nos mercados extracomunitários: Canadá, Estados Unidos, China e Japão.
No meio de tudo isso, eleições antecipadas. Teme que a crise política ‘contamine’ tudo?
Não creio. As notícias internacionais refletiram investigações sobre matérias económicas diretamente relacionadas com as transições digital e energética – que não são caprichos nacionais. Essas notícias causaram algum sobressalto, mas creio que isso será superado pelas eleições, pela constituição de um novo governo – que será sempre um governo amigo do investimento. Seremos sempre um país aberto à economia internacional. Os investidores percebem que Portugal é um país estável e com orientações políticas moderadas.