Há largos meses que o foco do mercado tem sido o arranque da descida dos juros na zona euro e o momento parece ter chegado com a reunião de junho. A expectativa é de um corte de 25 pontos praticamente certo, mas mantém-se a interrogação sobre o rumo da política monetária após esta semana. Com a inflação a subir novamente, uma dinâmica salarial forte e a economia norte-americana ainda longe de descidas de juros, o BCE tem um caminho incerto a percorrer.
O QUE DIZEM OS ANALISTAS SOBRE OS JUROS DA ZONA EURO ATÉ AO FINAL DO ANO?
O consenso dos analistas é que um corte em junho é praticamente garantido, algo que as taxas implícitas de mercado também já refletem. No entanto, a evolução após junho é incerta, embora a visão predominante seja de mais dois cortes até ao final do ano, um em setembro e outro em dezembro, ambos de 25 pontos base (p.b.).
A confirmar-se este cenário, os juros diretores da zona euro fecharão 2024 entre 3,25% e 3,75%, recuando do atual intervalo de 4% a 4,5%, um máximo histórico na moeda única.
QUAL A VISÃO DOS MERCADOS?
Perante os dados mais recentes da inflação, que mostraram uma subida ligeira de 2,4% para 2,6% em maio, o mercado voltou a retrair-se quanto à magnitude das descidas de taxas este ano, apontando agora a cortes cumulativos de 60 p.b. até ao final do ano. Tal fica mais próximo de dois cortes de 25 p.b. do que de três, com os investidores a anteciparem uma probabilidade abaixo de 50% de uma terceira descida.
Como tal, mais descidas em julho são vistas como tendo menos de 10% de probabilidade, com o mercado a adiar novo corte para outubro.
QUE MENSAGEM TÊM PASSADO OS RESPONSÁVEIS PELA POLÍTICA MONETÁRIA DO BCE?
O sinal mais evidente de que uma descida em junho está cimentada veio de Philip Lane, economista chefe do BCE, que admitiu no início da semana ver como apropriado “remover o nível superior de restrição” da política monetária na zona euro. Na mesma linha, o governador do Banco da Finlândia destacou a “descida sustentada” da inflação de volta ao objetivo de 2%.
Antes, havia sido a vice-presidente do BCE, Isabel Schnabel, a recomendar prudência após junho, praticamente confirmando implicitamente um corte na reunião desta semana.
Durante o mês de maio, vários governadores prestaram declarações sobre a possibilidade de cortes de juros já na próxima reunião, cenário que nenhum rejeitou. O líder do banco central grego, Yannis Stournaras, um dos membros mais dovish do painel, considera “três cortes em 2024 o cenário mais provável”, isto apesar de ser um dos governadores sem voto na reunião de junho. Também Mārtiņš Kazāks, governador do Banco da Letónia e outro dos membros sem voto em junho (nem em julho), afirmou que “é bastante provável que junho seja quando arrancamos com cortes”.
De destacar também as afirmações de dois dos membros mais hawkish do Conselho: o belga Pierre Wunsch projetou que, “exceto se se verificar uma grande surpresa, o primeiro meio ponto de descida deve estar para breve”, enquanto o austríaco Robert Holzmann revelou estar pronto “para apoiar um corte adicional [após junho]”.
QUAIS OS PRINCIPAIS FATORES A INFLUENCIAREM A DECISÃO?
O BCE tem repetido a sua dependência dos dados, tendo frisado na última reunião a necessidade de conhecer os números do mercado laboral no primeiro trimestre, sobretudo dos salários. Segundo a ferramenta de rastreamento de salários desenhada pelo BCE, os salários negociados cresceram em média 4% este ano face a 4,5% em 2023, retirando alguma pressão sobre o banco central.
A inflação, apesar da subida ligeira em maio de 2,4% para 2,6%, está numa tendência implícita de descida, aquele que é o principal indicador na avaliação do BCE. Recorde-se que o pico do fenómeno inflacionista foi de 10,6% em outubro de 2022, valor que rapidamente recuou para uma taxa mais próxima do objetivo de 2%.
Na mesma linha, a inflação subjacente, um indicador com menos ruído na análise dos preços, vinha caindo há mais de um ano antes da ligeira subida de maio, quando passou de 2,7% para 2,9%. Mais preocupante é a tendência do lado dos serviços, onde a inflação voltou a superar os 4% que se vinham verificando desde novembro, tocando os 4,1%.
Ainda assim, todos estes efeitos podem tornar-se secundários face ao diferencial entre taxas diretoras na zona euro e nos EUA. Com uma atividade mais forte e uma inflação mais persistente, a Reserva Federal não deve cortar juros até setembro, estimam os analistas, agravando a tendência de desvalorização do euro. No limite, tal pode levar a nova subida da inflação, isto apesar de a tendência histórica da zona euro mostrar que as ações europeias tendem a valorizar após descidas dos juros não seguidas de recessão, destaca a Goldman Sachs.