A intenção da administração norte-americana, liderada por Donald Trump, de avançar com uma tarifa de 100% sobre filmes produzidos no estrangeiro gera desagrado na Academia Portuguesa de Cinema. Em declarações ao Jornal Económico (JE) o diretor-geral, Diogo Camões, considera que caso os Estados Unidos avancem mesmo com a medida isso seria "apenas mais um gesto previsível na sua miopia".
Diogo Camões considera que esta tarifa de 100% aos filmes estrangeiros, anunciada pelos Estados Unidos no final de setembro, vale a pensa ser observada "com ceticismo" do que "levada a sério de imediato". Isto porque a medida tem origem num governo, que no entender do diretor-geral da Academia Portuguesa de Cinema, se tem pautado por proclamar "medidas ruidosas e de aplicação duvidosa".
E num caso em que de facto a medida avance esta seria "apenas mais um gesto previsível na sua miopia [governo norte-americano", reforça Diogo Camões.
Apesar de a ameaça tarifária sobre a indústria de cinema estrangeira estar bem presente, tal como já aconteceu com outros setores de atividade económica, a realidade é que existem poucos detalhes sobre os contornos dessa mesma tarifa, ponto esse também levantado pelo diretor-geral da Academia Portuguesa de Cinema.
"Não é a primeira vez que o atual governo norte-americano transforma a ameaça de tarifas em exercício retórico, sempre com grande efeito mediático e pouca clareza prática. Fica por esclarecer não só o mecanismo de cálculo e a aplicabilidade dessas tarifas como a própria definição de “filme americano”, num setor em que financiamento, equipas e processos de produção cada vez mais raramente se confinam a uma só fronteira", refere Diogo Camões.
Mais clara contudo é a posição do governo norte-americano. E tal como já aconteceu com outros tópicos o presidente Donald Trump recorreu à sua rede social Truth Social para vincar a sua visão sobre o assunto. Para o governante o negócio cinematográfico norte-americano foi "roubado" dos Estados Unidos por outros países tal como se "rouba um doce a uma criança".
Contudo de acordo com dados da Motion Picture Association, transcritos na agência noticiosa Reuters, a indústria do filme norte-americano teve um excedente de 15,3 biliões de dólares, em denominação norte-americana, o equivalente a 13,2 mil milhões de euros, em 2023, com 22,6 biliões de dólares, ou 19,5 mil milhões de euros, em exportações para mercados internacionais.
Cinema português acumula distinções internacionais
A ameaça tarifária surge numa altura em que o cinema português, em 2024, valeu 73,3 milhões de euros de receita, de acordo com os dados do ICA, e numa fase em que a produção nacional vai acumulando distinções internacionais apesar de a quantidade de filmes estar a registar uma ligeira quebra.
O período pós-pandémico tem trazido menos produção nacional. Em 2022, de acordo com o ICA, tinham sido contabilizadas 101 obras nacionais, um número que caiu para os 98 e 96 em 2023 e 2024.
Mas esta descida na produção nacional não travou as distinções internacionais, em 2024. O cinema português acumulou distinções em eventos como o Festival de Cannes, com Miguel Gomes a ser distinguido como melhor realizador pelo filme Grand Tour.
O Festival de Cannes premiou também a curta de ficção Bad For a Moment, de Daniel Soares, com a menção especial para uma curta.
A isto soma-se o Silver Bear Jury Prize no Berlinale- Berlin International Film somou-se o Silver Bear do júri, através do filme L’Empire de Bruno Dumont.
No Locarno Film Festival o filme Hanami de Denise Fernandes foi distinguido como o melhor realizador emergente, a que se juntou o Montgolfière d'Or no Festival des 3 Continents.
On Falling de Laura Carreira esteve também em destaque em 2024 com prémios acumulados em três festivais: Festival de San Sebastián, BFI - London Film Festival, Thessaloniki Film Festival.
No total foram 35 prémios distribuídos por 25 obras cinematográficas entre longas de ficção, curtas de ficção, longas de documentário, curtas de animação.
Diretor-geral critica oportunismo económico norte-americano
Diogo Camões considera que para um país, como os Estados Unidos, que vendem ao mundo uma narrativa de ser a "referência global da liberdade criativa", com Hollywood como "o seu rosto mais visível", decidir taxar todo o cinema que não controla revela "mais medo do que força" e dificilmente se justifica como verdadeira proteção cultural. "Trata-se antes de oportunismo económico mascarado de pseudo-patriotismo", afirma o diretor-geral da Academia Portuguesa de Cinema.
Diogo Camões considera que o mais provável, caso os Estados Unidos avancem com uma tarifa aos filmes estrangeiros, é que a medida "não fortaleça" a indústria cinematográfica norte-americano. No entender do diretor-geral da Academia Portuguesa de Cinema a tarifa pode mesmo "isolar" a indústria cinematográfica do resto do mundo, "encarecer" o acesso do público dos Estados Unidos ao cinema internacional e "afastar" esses filmes das suas salas.
"Portugal e outros países continuarão a encontrar novos circuitos internacionais e públicos abertos a olhares diversos. Quem insiste em erguer barreiras condena-se a empobrecer o seu horizonte cultural", sublinha Diogo Camões.