É possível mitigar o flagelo dos incêndios florestais sem resolver o problema da desertificação do interior?
O problema dos incêndios florestais tem duas dimensões. A primeira é a forma como tratamos o nosso território. Os portugueses, todos, têm um cartão de cidadão ou bilhete de identidade. Mas nós em Portugal não temos uma certificação, não temos um bilhete de identidade de grande parte do nosso território. Portanto, não sabemos verdadeiramente de quem é aquele território. Isso só acontece em partes da Grécia e em mais nenhum país da União Europeia. E quando não sabemos de quem é o território, nós temos grandes dificuldades em fazer políticas que incidam sobre esse mesmo território. A segunda dimensão é a da estruturação da propriedade. Fruto de muitas circunstâncias históricas, nós temos um problema resultante da nossa visão de minifúndio, não apenas em relação ao território mas também enquanto comunidade, a forma como as pessoas usam os apartamentos em propriedade horizontal. Os incêndios florestais são questões de natureza fundiária e também de simbolismo para as pessoas que aí vivam. A forma como as pessoas se relacionam com o território, como dão valor económico ao território, como as autarquias incorporam o território não apenas numa perspetiva de aproveitamento urbano. E tudo isto faz um caldo de cultura que leva a que nós tenhamos uma desvalorização daquilo que é essencial num Estado. Não há Estado sem pessoas, sem território e sem organização.