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“A perceção do mundo fora da Península Ibérica é de que estamos a falar de um mercado único”

A espanhola Pérez-Llorca começou a operar diretamente em Portugal há um ano. Em entrevista, o managing partner da sociedade de advogados diz que os objetivos iniciais foram conseguidos, e que a ambição é continuar a crescer de forma orgânica. Defende a vantagem competitiva de ser uma organização multinacional e que a tendência é para a afirmação das grandes sociedades ibéricas.

Estão há um ano no mercado português. Os objetivos foram cumpridos?
Os objetivos para o primeiro ano eram vários e todos bem desafiadores. Primeiro, decidimos fazer o projeto em Portugal de forma greenfield [de raiz], significa verdadeiramente fazer tudo do zero, com tudo o que tem de bom e o que tem de mau. Para nós, as coisas boas eram muito mais do que as coisas menos boas, a começar por quando se começa com uma folha de papel em branco as limitações são menores, a responsabilidade é maior, mas é a possibilidade de fazermos alguma coisa que achamos que é diferente ou que de facto tem valor.


O segundo objetivo era o de montar uma equipa de excelência. Tínhamos a perfeita noção da dificuldade de um escritório internacional, neste caso um escritório espanhol, vir montar um escritório em Portugal, um mercado ainda que pequeno e com as suas limitações de escala, mas sofisticado, onde diria que reina uma abundância de escritórios bons e altamente qualificados. Começar do zero e ter de competir com incumbentes nunca é fácil. Para nós existia uma premissa: isto é uma maratona, não uma corrida de 100 metros, e nós deveríamos estar a olhar para uma geração que nos dê pelo menos ainda 15/20 anos de, como nós dizemos, full speed. Estávamos à procura de pessoas que tivessem experiência internacional – que tenham trabalhado em outras geografias ou que tenham trabalhado em estruturas internacionais já existentes em Portugal.

Porquê?
Sendo um escritório internacional e tendo tanta coisa para fazer, queríamos que os sócios do projeto de Lisboa não tivessem uma curva de aprendizagem muito longa, e isso, obviamente, seria facilitado se tivéssemos pessoas que já tivessem tido experiências importantes em termos de longevidade noutras estruturas internacionais. Então, basta entrar no nosso site e olhar para o perfil dos sócios e perceber de onde é que vieram e quantos anos passaram por essas casas. Isso para nós era muito importante, porque garantia logo desde o início que teríamos sócios que sabem navegar em estruturas internacionais, sabem o que isso implica; teríamos sócios com experiências prévias importantes a servir o mesmo tipo de clientes que servem na Pérez-Llorca e, portanto, com os mesmos códigos de comunicação e de linguagem de sofisticação do tipo de clientes para quem trabalhamos.


A coisa mais importante no nosso negócio é a gestão do capital humano; este é um negócio de capital humano intensivo e esse era talvez o objetivo mais importante para o primeiro ano de operação era atrair o tipo de talento de que precisávamos para criar valor para o negócio dos nossos clientes. Eu acho que esse objetivo foi alcançado de uma forma muito bem-sucedida. Somos verdadeiramente uns sortudos por termos tido a capacidade de atrair este colégio de 11 sócios que temos ao final de 12 meses.


O nome ajudou?
É um nome muito relevante na advocacia ibérica, ao qual se fazem um conjunto de associações pelo tipo de trabalho que fazemos, o tipo de cliente que atendemos, a excelência do trajeto em Espanha, o crescimento exponencial nos últimos anos. Tudo isso ajudava, mas tudo isso é normalmente muito conhecido dos advogados. O desafio ao abrir em Portugal é garantir que o mercado português sabe quem somos, garantir que, mais do que um escritório de advogados, vamos ser uma escola de formação de advogados extraordinária; garantir que vamos ser uma instituição nacional, que vamos trabalhar de forma árdua e vincada naquilo que nós chamamos implantação nacional e que, mais cedo do que tarde, somos vistos como um escritório ibérico e não como um escritório espanhol que tem uma sucursal em Portugal. Esse era um grande desafio. Passou muito por muitos almoços, muitos pequenos-almoços, muitas reuniões com o tecido empresarial português – e aqui podemos colocar aí as grandes empresas, as grandes instituições financeiras e os fundos mais relevantes. Somos a Perez Llorca, o que é que fazemos, o que é que achamos que podemos fazer por vocês; sejam generosos por favor e dêem-nos aquilo que é o mapa para que isto seja uma relação de sucesso para as duas partes, e sempre, parece-me, com uma abordagem talvez menos portuguesa do que aquilo que é habitual.


Eu acho que nós de alguma forma trouxemos uma abordagem de refreshing [refrescamento] a um mercado na forma como temos lidado com os clientes, na forma como alimentamos um diálogo verdadeiramente permanente com os nossos clientes, para entender onde é que podemos agregar valor, onde é que não agregamos qualquer tipo de valor, e entender onde é que não se justifica estar a trazer uma Perez Llorca e provavelmente faz mais sentido trazer um escritório diferente, com outro tipo de valências, com outro tipo de posicionamento. Acho que uma das coisas boas, apesar do mercado ser pequeno e ter as suas limitações, uma das coisas boas do mercado jurídico é que há espaço para todos.

Teve uma reação positiva a essa abordagem ao mercado?
Diria que estamos todos satisfeitos, felizes, mas também surpreendidos com a rápida recetividade que encontrámos no mercado português. Eu acho que, pela natureza do projeto, por aquilo que é a nossa footprint [pegada] nacional, o escritório começa por ser, obviamente, um escritório espanhol com o coração em Madrid, a partir de Espanha constrói uma presença internacional que entende ser relevante para estar próximo dos centros de decisão mais importantes, sejam geopolíticos ou geoeconómicos – tem escritórios em Singapura, Bruxelas, Londres e Nova Iorque, acho que é autoexplicativo as quatro cidades e o que se pretende com presença nessas quatro cidades –, então, é normal que no nosso plano de negócios para um primeiro ano em Portugal fosse que muito provavelmente a nossa receita estará muito indexada àquilo que a máquina vai gerar, àquilo que os nossos sócios que estão em Nova Iorque, em Londres e Singapura e em Bruxelas vão estar 24/7 a vender o escritório de Lisboa; o que fazem muito bem. Aquilo que nós não esperávamos é que o nível de penetração nacional para projetos de interesse nacional, projetos grandes, em particular nas áreas de infraestrutura, lato, senso e se quisermos dar mais cor na área da transição energética em particular, que as coisas acontecessem tão bem e tão rápido.


São empresas portuguesas que pretendem o quadro internacional?
Diria empresas portuguesas onde nós tivemos a capacidade de apresentar de forma clara o que podemos fazer pelo negócio deles, o que é a nossa proposta de valor.


Nós estamos num momento em Portugal, onde alguns dos grandes projetos em curso são tecnologias novas. Quando olhamos para aquilo que hoje acontece em Portugal e que você tenta adivinhar o que é que pode ser verdadeiramente transformacional para o meu PIB, dificilmente você vai sair dos grandes projetos de transição energética, dos grandes projetos de hidrogénio verde, de tudo o que acontece no hub de Sines, tudo o que pode acontecer à volta dos data centers [centros de dados], tudo o que pode acontecer com o potencial offshore, num primeiro momento eólico. Tudo isto tem coisas muito positivas para nós. Em primeiro lugar, é o tipo de trabalho onde nós gostamos de estar, é complexo, são setores regulados com uma componente de sofisticação muito vincada.


Em segundo, são tudo tecnologias novas em Portugal, isto para um projeto que acabou de começar extraordinário; quer dizer que o conhecimento de todos os concorrentes no mercado está nivelado; ninguém em Portugal pode dizer que é uma autoridade em offshore, ninguém em Portugal pode dizer que é uma autoridade em projetos de hidrogénio verde, em projetos de baterias, ninguém. Nós temos a sorte de termos um conjunto de pessoas aqui que tiveram experiências longas fora de Portugal, onde trabalharam em projetos similares e, portanto, há um conhecimento técnico e um capital acumulado.


Uma coisa que me parece inevitável e quero acreditar que isto é uma verdade absoluta não só na Perez Llorca como em qualquer escritório de advogados em Portugal mais atento é que muito pouco daquilo que é importante em Portugal é decidido em Portugal. Basta olhar para a estrutura de capital hoje das grandes empresas portuguesas ou dos grandes bancos que operam em Portugal, basta saber a proveniência do dinheiro de tudo o que está a acontecer em Sines, basta olhar mais uma vez para a lista de quem poderão ser os 40 ou 50 interessados, num primeiro momento, em olhar para o leilão da de offshore. Então, se o centro de decisão não está aqui e se o dinheiro não está aqui, o que é que está aqui? O que está aqui é a execução de alta qualidade, espera-se, do serviço jurídico; isso, nós estamos aqui para garantir, mas é mais do que isso, eu posso estar convencido de que tenho a equipa mais bem preparada para esse tipo de trabalho, mas quem está nos Estados Unidos, em Singapura, Londres, no Japão ou na Escandinávia, que obrigação é que tem de saber, se eu não for lá com frequência dizer e partilhar aquilo que podemos fazer por eles ou pelos clientes deles? Nesse sentido, trazemos algo de novo para a mesa. Nós visitamos os nossos clientes com uma proposta de valor. Levar algo que não seja informação; o cliente vê muito pouco valor na informação. Quando se fala em Portugal que os honorários de advogados são cada vez mais baixos, o que é verdade, e que o cliente está cada vez menos disponível para pagar bons honorários, há que fazer também um exercício deste lado da mesa que é, mas o que é que é a minha proposta, valor é óbvio para o cliente? Aquilo que eu estou a passar para o meu cliente é informação ou é mais do que informação? Se for informação, o cliente vai ver muito pouco valor e está disponível para pagar muito pouco por informação. Se for advice [conselho] estratégico, se for algo mais tangível, se vou explicar ao meu cliente que ele tem de estar atento a uma nova regulação que saiu, porque desta forma e daquela vai afetar o seu business ou a sua cadeia de valor, aí o cliente já começa a ver valor. Esse é o terceiro objetivo.


Eu diria três grandes objetivos: pessoas, implantação nacional e garantir que os clientes em Portugal sabem o que é que a Perez Llorca pode oferecer. Os três foram alcançados de uma forma muito satisfatória. Em quase todos eles é um trabalho em curso.

Apesar desse reconhecimento, a carteira de clientes tem ainda um peso grande de clientes transnacionais?
Eu diria que, para já, com um mix muito interessante e muito equilibrado – o que não deixa de ter sido uma surpresa, e aí mérito total não a quem esteve os últimos 18 anos fora, mas dos sócios que estiveram aqui e que fizeram um belíssimo trabalho. Com eles vinha com um conjunto de acessos e de clientes que fazem com que aquilo que fosse eventualmente uma expectativa inicial de parte, uma parte importante, senão uma a maioria da receita estar indexada à clientela internacional e a trabalho cross border acabou por não se concretizar nessa magnitude ou com essa grandeza. Não deixou de ser uma surpresa.
Se me perguntar o que é que é uma tendência natural, não só por causa do modelo de negócio e a presença internacional que temos, mas, acima de tudo, por aquilo que acontece em termos de negócio em Portugal, eu acho que a tendência é claramente para a parte da receita que tem uma ligação ao trabalho cross border ser claramente superior àquilo que se faz em Portugal.

Brasil e PALOP são um objetivo, fazem sentido?
Interesse, sim, a resposta não pode ser outra. Se faz sentido, serão os nossos clientes a dizê-lo.
O nosso modelo de negócio é muito fácil, não há aqui um masterplan, não há aqui uma receita mágica que nós temos e os outros não têm. A nossa única estratégia é fazer o melhor trabalho para os nossos clientes, estar naquilo que é o melhor trabalho dos nossos clientes e naquilo que é mais complexo, e saber onde é que eles precisam de nós. Saber onde é que eles precisam de nós está muitas vezes ligado a geografia; Portugal é um belo exemplo disso, não surge do nada, Portugal surge como algo muito natural. Existia a procura de clientes, em alguns casos até existia a estranheza, porque não a capacidade de nos poderem servir nos dois lados da fronteira, existia a perceção fora da Península Ibérica de que a Península Ibérica é uma economia cada vez mais integrada – e eu claramente acredito nisso –, então Portugal foi também isso, foi ir ao encontro daquilo que é um pedido dos nossos clientes.


O que é que eu acho que pode acontecer no Brasil e já e já acontece, acho que nós fazermos lei local não é uma possibilidade, [porque] existe uma restrição que não nos permite fazer aquilo que nós fazemos em Portugal, enquanto firma internacional. Aquilo que existe é, do lado de Espanha, um investimento estrangeiro no Brasil histórico muito significativo; antes de a China ganhar o peso que ganhou enquanto investidor estrangeiro no Brasil, os Estados Unidos eram historicamente o maior investidor e Espanha estava sempre num top 3. Os grandes conglomerados de infraestrutura espanhóis têm uma presença maciça no Brasil. O que é que isso pode representar para nós e já representa com alguma regularidade: a partir do momento em que a Pérez-Llorca de Lisboa tem um sócio que esteve 13 anos no Brasil, tem um senior counsel que esteve 12 anos no Brasil. Eu diria que Brasil, neste primeiro ano, foi muito mais óbvio nos nossos números, do que os PALOP.


Nos PALOP, ao contrário dos nossos concorrentes ou da maioria dos nossos concorrentes, nós não temos escritório em Maputo, em Luanda, nós não temos escritórios correspondentes e não vejo isso a acontecer num futuro a curto médio, médio prazo. Aquilo que acontece é que nós somos muito presentes em Londres e em Nova Iorque, com presenças importantes e com massa crítica importante, e o mesmo acontece em Singapura. São mercados muito sofisticados, que há muitos anos já perceberam que uma parte importante do trabalho jurídico no mundo do trabalho mais sofisticado, especialmente ligado ao investimento estrangeiro que acontece nessas jurisdições, é muito feito e liderado pelos escritórios de Lisboa. Então, é normal que alguns clientes nos procurem para saber o que é que nós podemos fazer por eles também nesses países. A forma como nós neste momento trabalhamos na África lusófona é uma forma relativamente simples: estamos disponíveis para ajudar, achamos que podemos ajudar, achamos que podemos agregar valor e localmente vamos trabalhar com quem entendermos que é o escritório mais qualificado para aquele assunto, e isso pode ser, literalmente, qualquer escritório de Lisboa. Qualquer um dos nossos concorrentes que tenha uma presença local, desde que as credenciais e qualidade estejam lá, nós vamos trabalhar com qualquer escritório. É essa a estratégia, para já. Seria muito menos presente e muito menos óbvio neste momento, quer em termos de plano de negócios imediato, quer em termos de receita, do que o Brasil. [Temos] muito mais atividade com Brasil.

Temos notado em Portugal uma maior apetência por parte de sociedades internacionais. A Perez Llorca é um exemplo. Como olham para a forma como o mercado se está a desenvolver, até com a introdução da multidisciplinaridade?
Primeiro ponto, eu acho que fez todo o sentido para nós, da mesma maneira que acho que nas últimas duas décadas fez todo o sentido para os quatro escritórios ibéricos que já temos em Portugal. Termos os cinco grandes players ibéricos em Portugal, para mim, não é uma novidade nem deveria ser surpreendente para ninguém; basta pensar, mais uma vez, na Península Ibérica como um todo em termos de integração económica e de infraestrutura e de conectividade. A própria perceção do mundo fora da Península Ibérica é de que estamos a falar de um mercado único. Acho que era inevitável o movimento. Existem outros escritórios espanhóis, além dos cinco que tenho em mente, que também abriram em Portugal, então, escritórios espanhóis a abrir em Portugal parece-me natural.

A dimensão do mercado espanhol é muito superior à do português, mas a verdade é que não vemos os escritórios portugueses a tentarem ter uma maior capacidade em Espanha? Porquê?
Há imensas razões para isso. A primeira, recursos: aquilo que os quatro ou cinco grandes escritórios espanhóis fazem, fizeram e vão fazer em Portugal exige balance sheet. Para se ter um balanço robusto para fazer determinados movimentos estratégicos, é preciso ser rentável na jurisdição como é Espanha, é preciso estar a ser bem-sucedido em outras geografias, como nós no México, em Londres ou em Nova Iorque. Isso tudo permite ter um balanço que depois está associado a uma cultura de tomar risco, porque sem tomada de risco não há grandes retornos. Esta coisa de querer outperform o mercado sem tomar risco é uma coisa que não existe.


Para um escritório espanhol que tem o conforto do balanço é uma coisa, para os escritórios portugueses que têm os desafios que têm dadas as limitações de tamanho do mercado, quer de rentabilidade, quer de margem, poder a conseguir reunir consensos internos de entrar num mercado tão competitivo com é o espanhol, é um grande desafio.

E sociedades dos dois países juntarem-se?
Se vejo como possível no futuro movimentos que possamos apelidar de transibéricos? Acho que sim. Aquilo que aconteceu há anos entre uma Gonçalves Pereira e a Cuatrecasas, eu acho que há escritórios portugueses e escritórios espanhóis que hoje são independentes e que provavelmente vão olhar para a Península Ibérica como nós, a Uria, a Garrigues, a Cuatrecasas, a Gomez-Acebo olharam e, no final do dia, estar só de um lado da fronteira não é necessariamente uma coisa boa. Há aqui uma ponta que nos falta.

No vosso caso será só crescimento orgânico?
Orgânico. Se há uma decisão que foi tomada é porque várias opções foram contempladas. Para nós foi muito evidente e muito óbvio que upside de abrir greenfield superava largamente o downside. O que teria sido o upside de uma opção diferente? Teria sido começar em Portugal já com um book of business e com uma operação up and running, uma coisa extraordinária e com imensas vantagens. O que é que isso nos retiraria? A possibilidade de atrair o tipo de pessoas que nós atraímos. Não temos a mais pequena dúvida de que só atraímos as pessoas que hoje estão aqui porque lhes dissemos que o projeto era começar com uma folha de papel em branco e que eles, daqui a 10, 15 ou 20 anos olhariam para trás e muito provavelmente, se tudo correr em condições normais, teriam sido fundadores de uma coisa com significado, e poucas vezes essa oportunidade surge na carreira de um advogado português. Estão a dar-me uma folha de papel em branco para eu construir um escritório de advogados. Quantas vezes é que isto acontece?