Por vezes, em filosofia, concebemos dilemas éticos em que nos imaginamos a ter de escolher entre salvar uma ou cinco vidas e a ter de justificar a nossa escolha. Cinco são mais do que um e se a dignidade de cada vida é igual à dos demais, então não há como escapar à racionalidade fria de que devemos salvar as cinco com sacrifício da outra. Mas basta pensarmos que a dignidade de cada um é infinita para percebermos que cinco vezes o infinito ou o infinito uma vez só é exactamente o mesmo nas contas da aritmética. Portanto, se nos dispomos a fazer outras contas é porque já prescindimos do valor infinito das vidas. Se é para não fazer cedências, então não há contas a fazer. Podemos ter de escolher entre cinco e uma vida, mas não há contas que amenizem o peso de uma escolha.
A antiguidade grega percebeu isso cedo, mas parece que os nossos tempos fazem por esquecê-lo. A vida que se liberta do trágico tem um travo de tragédia para os nossos tempos.
É como se houvesse uma meta-dilema sobre a maneira como enfrentamos escolhas difíceis. Ou aprendemos a suportá-las, para isso contribuindo decisivamente o trabalho colectivo da imaginação que antecipa e nos faz viver fingidamente a situação, ou redesenhamos a vida de tal maneira que nunca chegamos a deparar-nos com dilemas. Ambas as perspectivas dão resposta ao problema das escolhas difíceis: ou comparecemos ou ausentamo-nos diante delas. Mas entre as duas não devia haver dúvidas sobre qual deveríamos escolher. Numa somos sujeitos morais do mundo, noutra tornamo-nos apenas pacientes de uma racionalidade ética que inventamos para abdicar de sermos sujeitos dela.