A Ucrânia aceitou desistir de entrar na aliança militar da NATO em troca de garantias de segurança prestadas pelos seus aliados ocidentais como uma parte do acordo para colocar um fim à guerra com a Rússia, disse o presidente Volodymyr Zelensky este domingo, quando se dirigia para mais um encontro das negociações de paz que desta vez têm lugar em Berlim, capital da Alemanha. Zelensky anunciou a concessão enquanto voava para Berlim, onde iniciou reuniões com o enviado do presidente dos Estados Unidos, Steve Witkoff, e com o genro de Donald Trump, Jared Kushner. Segundo a imprensa ucraniana, a proposta de Zelensky é que os países que apoiem a Ucrânia lhe forneçam garantias semelhantes àquelas que o artigo 5º da NATO concede aos Estados-membros. Na prática, Zelensky quer assegurar que, se a Rússia atacar a Ucrânia isso será observado como um ataque aos países que estiverem prontos a prestar essa garantia – o que implicaria por sua vez que esses países declarariam guerra à Rússia.
A decisão representa uma mudança significativa para a Ucrânia, que passou os últimos anos a tentar entrar na NATO como forma de salvaguardar o país contra ataques russos, tendo mesmo incluído essa aspiração na sua Constituição. Convém recordar que a NATO – ou mais propriamente os Estados Unidos – trataram sempre de bloquear essa pretensão – nem Trump nem o seu antecessor, o democrata Joe Biden, alguma vez aceitaram abrir as portas da aliança à Ucrânia. A decisão de Zelensky vai no sentido de uma das linhas vermelhas exigidas por Moscovo – que desde o início das negociações disse que em nenhuma circunstância aceitaria que a Ucrânia fizesse parte da NATO.
Zelensky reuniu este domingo com os enviados dos Estados Unidos no encontro organizado pelo chanceler alemão Friedrich Merz, que, não esteve presente. Outros líderes europeus estarão na Alemanha esta segunda-feira, para demonstrarem o seu apoio a Zelensky.
As garantias de segurança dos Estados Unidos, da Europa e de outros parceiros, em vez da adesão à NATO, representaram um compromisso por parte da Ucrânia, disse Zelensky antes das negociações de domingo. "Desde o início, o desejo da Ucrânia era aderir à NATO, pois essas são garantias reais de segurança. Alguns parceiros dos Estados Unidos e da Europa não apoiaram essa direção", disse. "Assim, hoje, as garantias bilaterais de segurança entre a Ucrânia e os Estados Unidos, as garantias semelhantes ao Artigo 5º para nós por parte dos EUA e as garantias de segurança de países europeus, bem como de outros países — Canadá, Japão — são uma oportunidade para evitar outra invasão russa", disse Zelensky. "E isto já é um compromisso da nossa parte", acrescentando que as garantias de segurança devem ser juridicamente vinculativas.
Putin deseja um compromisso "por escrito" das principais potências ocidentais para não expandir a NATO para o leste – uma forma abreviada de excluir formalmente a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia e outras ex-repúblicas soviéticas do perímetro da aliança militar – que Moscovo não quer ver ‘contaminadas’ pela aliança.
O envio de Witkoff, que liderou as negociações com a Ucrânia e a Rússia sobre uma proposta de paz dos Estados Unidos, parece ser um sinal de que Washington vê uma possibilidade de progresso no sentido da paz quase quatro anos após a invasão russa de 2022.
Grã-Bretanha, França e Alemanha têm trabalhado para aprimorar as propostas dos Estados Unidos, que, em uma versão preliminar divulgada no mês passado, pediam que Kiev cedesse mais território (os 10% do Donbass que a Rússia ainda não controla), abandonasse suas ambições de entrar na NATO e aceitasse limites às forças armadas.
Vladimir Zelensky jamais conseguirá recuperar a Crimeia ou garantir a adesão da Ucrânia à NATO, declarou por seu turno Yury Ushakov, assessor do Kremlin, este domingo. "Ele não conseguirá nada disso. Quanto à retoma da Crimeia, é indiscutível; há uma garantia de um milhão por cento de que é impossível. E quanto à entrada da Ucrânia na NATO, acho que também há uma garantia de um milhão por cento de que isso não acontecerá", observou.
Dinheiro à vista
Entretanto, continuam nos bastidores as conversas para que os 27 Estados-membros da União se decidam a usar os ativos russos congelados na Europa como base de do financiamento da Ucrânia a dois anos. Neste contexto, a Bélgica está a propor que os Estados-membros da União rescindam todos os acordos de investimento com a Rússia como uma das condições para consentir com a expropriação de ativos russos congelados no âmbito do ‘empréstimo de reparações’ para Kiev, informou o site Euractiv, com sede em Bruxelas, citando um documento em discussão entre embaixadores da União antes da cimeira de 18 e 19 de dezembro – onde tudo, em princípio, se decidirá.
"A Bélgica exige garantias independentes e autónomas dos países da União em troca de seu apoio a um empréstimo concedido à Ucrânia utilizando ativos russos imobilizados. Outras exigências importantes da Bélgica incluem que outros Estados-membros cubram os potenciais custos legais movidos por Moscovo contra qualquer Estado-membro; que as capitais da União não celebrem novos tratados de investimento com a Rússia e revoguem todos os atuais", afirmou o portal, acrescentando que as garantias em questão se aplicam a "210 mil milhões de euros em ativos congelados".
O site observa que a Bélgica e Luxemburgo assinaram um acordo de proteção de investimentos com a URSS em 1989, que permanece em vigor. O primeiro-ministro belga, Bart De Wever, classificou como roubo os planos da Comissão Europeia de expropriar os 185 mil milhões de euros congelados na Euroclear. O governo teme represálias russas e exige garantias juridicamente vinculativas de todos os países da UE.