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Tsai Ing-wen: a mulher que quer transformar Taiwan num país

No dia 2 de dezembro de 2016, uma sexta-feira, Donald Trump, o então novo inquilino da Casa Branca recebeu uma inesperada chamada telefónica: do lado de lá da linha estava Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan, uma ilha ao largo da China continental, que para a maioria do mundo é uma ilha ao largo da China continental.

Tendo alicerçado a sua corrida ao lugar que ocupava na recusa em levar uma presidência ‘by the book’, Trump apressou-se a anunciar esse telefonema ao mundo como se se tratasse da evidência de que a sua prestação não podia ter começado melhor. Mas, mal desligou a chamada, o presidente republicano ter-se-á esquecido dela de imediato e, menos de três meses depois, convidava o presidente chinês, Xi Jinping, para uma conferência de alto nível, que o líder do regime de Pequim tratou de adiar até ao limite do razoável.

Muitos anos mais tarde, em novembro de 2021, a União Europeia – cuja estratégia diplomática é alicerçada no princípio da não-existência – organizou a primeira viagem a Taiwan de uma delegação oficial comum elenco de alto nível. Talvez porque Ursula von der Leyen e Charles Michel estivessem retidos em teletrabalho por motivo da pandemia, a delegação de alto nível era constituída por um eurodeputado francês, outro checo, outro austríaco, um eurodeputado grego, ainda um italiano e dois eurodeputados lituanos. A visita pretendia retribuir uma viagem oficial do ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, Joseph Wu, à Europa Central, que incluiu uma visita não oficial (portanto clandestina, em termos diplomáticos) a Bruxelas.

Este distanciamento diplomático é a fórmula encontrada pela maioria dos países do planeta para lidar com questões de soberania que ultrapassam os seus próprios interesses e a sua capacidade de intervenção. Isto é, não fingem que a questão não existe, mas tratam de não manifestar uma opinião quando alguém pede uma opinião.

Prestes a fazer 66 anos (em 31 de agosto) e aparentando ter menos 25, Tsai Ing-wen, presidente de Taiwan desde 2016 (depois de uma primeira tentativa frustrada em 2012), está apostada em encontrar uma saída para esta incómoda situação: a de ser uma espécie de país sem bilhete de identidade, o que, entre outras coisas, o impossibilita de ter um lugar na Assembleia Geral das Nações Unidas, o que acontece desde há 51 anos, quando os direitos políticos na organização lhe foram retirados e entregues a Pequim. Entrou a República Popular da China, saiu a República da China, o nome oficial de Taiwan.

A última cimeira da NATO ofereceu a Tsai Ing-wen a oportunidade certa: o encontro de Bruxelas isolou a China como o principal inimigo dos seus 30 membros. Não foi bem isso – a cimeira da NATO isolou a China como o principal inimigo dos Estados Unidos e os restantes 29 membros disseram que sim, mesmo que, por exemplo, como Portugal, tivessem todo o interesse em não alinhar nesta ideia –, mas isso agora não interessa nada. Depois desse infeliz encontro de Madrid no final de junho passado, Tsai Ing-wen percebeu que os tempos estão a mudar. E que a causa dessa mudança reside num facto de que a presidente de Taiwan já desconfiava: no que tem a ver com a China, democratas e republicanos dos Estados Unidos estão muito alinhados, como não acontece em muitos outros temas.

Não sendo (ainda) possível convidar nem o presidente norte-americana, Joe Biden, nem a vice-presidente, Kamala Harris, a visitar Taiwan, talvez a presença da terceira figura da linha de sucessão, Nancy Pelosi (de 82 anos), fosse uma boa solução de compromisso. Seria, pelo menos, bem melhor que a acabrunhada visita dos eurodeputados, que passou ao largo de qualquer relevância. E serviria os intentos de Tsai Ing-wen: farta de liderar um país sem bilhete de identidade e de ter como elemento identificador da sua identidade nacional o facto de ser o melhor fabricante do mundo de semicondutores, a visita de Pelosi seria com certeza mais que suficiente para atirar a ilha ao largo da China continental para o topo das preocupações de todo o mundo, ONU incluída. Como se sabe, foi isso mesmo que aconteceu.

E se a estratégia pecou de algum modo, foi por excesso: com os céus da ilha cheios de aviões de guerra chineses e os mares em redor atulhados de barcos com a mesma proveniência, Taiwan deixou de ser um problema que a diplomacia internacional mantém debaixo do tapete, para onde foi atirado no já longínquo ano de 1979, para passar a ser um enorme problema em relação ao qual as embaixadas de todo o mundo já não podem deixar de se pronunciar.

Formada em Direito por insistência do pai – que teve 11 filhos – e com um Ph.D na London School of Economics, Tsai Ing-wen nunca mais será apenas a presidente de um país que não existe. 

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