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Trump na Casa Branca? Europa deve estar cautelosa com gás dos EUA

A eleição de Donald Trump acarreta riscos para o abastecimento de gás para a Europa, alerta estudo de think tank norte-americano. EUA são o segundo maior fornecedor de gás de Portugal. Passada a crise energética provocada pela invasão russa da Ucrânia, estudo defende que Europa deve continuar a fortalecer a sua segurança energética. Como? Energias renováveis são chave.

A Europa deve ser cautelosa em relação ao fornecimento de gás natural pelos EUA se Donald Trump vencer as eleições. O alerta é feito num policy paper da Brookings Institution, um think tank norte-americano sediado em Washington.

Analisando um documento estratégico do think tank conservador Heritage Foundation (Projeto 2025), para definir uma agenda política para a próxima administração republicana, o Brookings destaca que o documento defende que o Congresso dos EUA deve reformar a Lei do Gás Natural para " alargar as aprovações de projetos de GNL a todos os aliados da América, referindo-se especificamente à NATO, em vez de apenas aos países com acordos de comércio livre, como na atual legislação aplicável".

"Estas palavras soam a boas notícias para os importadores europeus de GNL. Mas as repetidas expressões de desdém do candidato republicano, para com a NATO, a Europa e a Ucrânia, sugerem que os aliados europeus devem ser cautelosos em relação à segurança do fornecimento energético proveniente dos EUA, caso o próximo presidente dos EUA seja republicano", conclui o policy paper Atribulado divórcio do gás russo na Europa, produzido pela Brookings Institution, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), das autoras Samantha Gross e Constanze Stelzenmüller.

O maior fornecedor de gás natural de Portugal, em 2023, foi a Nigéria com quase dois milhões de metros cúbicos de gás (Nm3). Seguem-se EUA com 1,9 milhões de metros cúbicos, Rússia (373 mil Nm3), Trinidade e Tobago (221 mil Nm3). Por gasoduto, chegaram 547 mil Nm3 de gás de Espanha, segundo os dados da Direção-Geral de Energia (DGEG).

Este documento conclui também que a Europa conseguiu livrar-se da dependência face à Rússia no gás natural, mas continua dependente de fornecedores externos para obter o seu gás natural. Perante a impossibilidade de uma independência energética total, o Velho Continente deve continuar a apostar na sua segurança energética, através de uma maior aposta nas energias renováveis.

Antes da invasão russa, mais de 40% do gás natural importado pela Europa tinha origem na Rússia, que era então o maior fornecedor. O gás chegava à UE através de quatro gasodutos principais.

Alguns casos eram mais preocupantes: a Áustria e a Letónia tinham uma dependência superior a 80%. Mas o caso da Alemanha era mesmo o mais preocupante, devido aos volumes, importando quase o dobro do volume de Itália, o segundo maior cliente.

Mas, chegados ao final de 2023, quase dois anos após o início da invasão, a Europa continua a importar 15% do seu gás da Rússia (face aos 47% registados em 2021): quase 9% via gasodutos e mais de 6% via gás natural liquefeito (GNL).

O diagnóstico é claro: "os poucos Estados-membros que não conseguiram ou não decidiram reduzir a sua dependência continuam a ser altamente vulneráveis ao uso das importações de energia como arma por parte da Rússia".

As autoras destacam que a adaptação da Europa, ao fecho da torneira do seu principal fornecedor de gás, é "geralmente contada em termos heróicos, com o continente a assegurar novos fornecedores, a poupar ou a substituir outros (muitas vezes com generosos subsídios estatais para a indústria e/ou para os consumidores), de modo a resistir à tempestade e a atirar o declínio das receitas à cara da Rússia, que transformou o gás numa arma".

Apesar de considerarem que a "narrativa não é falsa" e que a "escala e a velocidade da resposta teriam sido certamente inimagináveis do ponto de vista político antes da invasão", o "facto" é que o "autoelogio" "esconde" que houve "significativas diferenças regionais tanto no abastecimento de energia como na resposta à crise, o que tornará difícil no futuro gerar uma resposta política à escala europeia".

"A trajetória de afastamento e adaptação tem sido bastante diferente de país para país, e tem tido um custo elevado: graves prejuízos para as indústrias de uso intensivo de energia, subsídios controversos e políticas protecionistas, além de tensões políticas acrescidas dentro e entre países europeus. Acima de tudo, é uma trajetória incompleta e vulnerável a choques futuros, como a contínua chantagem contra os países europeus que continuam a importar gás russo, o fim do acordo de trânsito de gás ucraniano, um resultado eleitoral desfavorável nos Estados Unidos ou a elevada volatilidade política e de preços que é típica do mercado de GNL", pode-se ler no documento.

"Em suma, a Europa continua, por enquanto, largamente dependente do gás importado, tendo-se limitado a diversificar os seus fornecedores e a aumentar a sua dependência relativa do GNL, que é mais caro. Manter a competitividade industrial europeia face aos elevados preços do GNL e aos imensos regimes de subsídios estatais para as energias limpas nos Estados Unidos e na China vai ser um desafio. A autonomia energética é, obviamente, inalcançável para a Europa. Mas a experiência de 2022-2024 deverá servir como incentivo para fortalecer a segurança energética, assegurando os fluxos transfronteiriços e investindo nas energias renováveis e na transição para a energia verde", concluem as autoras.