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Teodora Cardoso ou o rigor da independência

A economista habituou os portugueses a esperarem pela análise do Conselho de Finanças Públicas (a que presidiu entre 2012 e 2019) para saberem o estado da economia 'despida' das narrativas políticas.

A voz talvez fosse um pouco sumida e os decibéis contidos, mas a independência e o rigor com que habituou os governos a terem de lidar com a realidade dos números em detrimento das fantasias da agenda política, transformaram a economista Teodora Cardoso, desaparecida este sábado aos 81 anos, na analista a que os portugueses recorriam quando precisavam de ter certezas.

Foi nesse contexto – como primeira presidente do Conselho de Finanças Públicas – que Teodora Cardoso tornou a análise económica inteligível para os portugueses e potencialmente penalizadora para os governos, a quem não cuidada de agradar. Não era esse o seu papel e Teodora Cardoso deixou sempre claro que a política não entrava nas suas contas. Como era também claro que o mediatismo que o lugar no Conselho de Finanças lhe proporcionava também não lhe interessava.

Nascida em Estremoz e licenciada em Economia pelo Instituto Superior de Economia, Teodora Cardoso desenvolveu grande parte da sua carreira no Banco de Portugal: ao longo de duas décadas, chefiou o Departamento de Estatísticas e Estudos Económicos, foi consultora da administração e administradora entre 2008 e 2012.

Entre março de 1973 e setembro de 1992 esteve no Departamento de Estatística e Estudos Económicos, com funções de coordenadora do núcleo de Economia Monetária, Diretora de Departamento e Consultora da Administração.

Como sublinha a sua biografia, a sua grande motivação foi sempre o lado técnico da função de economista: participou na elaboração da Lei Orgânica do Banco de Portugal (1975) e na reformulação geral das estatísticas monetárias (1976/1977), esteve envolvida na negociação dos acordos de estabilização com o Fundo Monetário Internacional (1984/1985) e representou o Banco de Portugal no Sub-Comité de Política Monetária do Comité de Governadores da Comunidade Europeia, de 1990 a 1992.

Em 1992, passou a trabalhar para o Banco Português de Investimento (BPI), onde foi consultora da administração até 2008. No Conselho de Finanças Públicas, organismo que nasceu na sequência do programa de ajustamento financeiro, esteve na sua liderança entre 2012 e 2019.

Nas diversas intervenções públicas que foi fazendo ao longo dos tempos distinguia-se pela clarividência da análise e pela antecipação de cenários – que os políticos tratavam de esquecer rapidamente – tendo chamado a atenção para o facto de Portugal não ter percebido a tempo que tinha de mudar o seu paradigma de desenvolvimento. De algum modo, essa capacidade de antecipação e o ‘desprezo’ que claramente tinha pelas tiradas politicamente corretas afastaram-na de uma carreira publica que as suas valências técnicas podiam ter imposto.

Como disseram muitos dos políticos que tiveram de lidar com o seu rigor – que tantas vezes ia em sentido contrário às notas oficiais dos ministérios das Finanças – Teodora Cardoso era também a garantia de que os portugueses tinham à sua disposição notas simples (isto é, simplificadas) sobre o andamento da economia sem terem de se distrair com as narrativas oficiais.