O sector agroalimentar nacional continua a crescer muito à custa do aumento das exportações e ganhos de quota internacionais, dada a qualidade dos produtos portugueses, mas também alguma inovação. No entanto, incongruências no IVA e os Impostos Especiais sobre o Consumo criam entraves às empresas, o que afeta sobretudo a sua capacidade de investigação e desenvolvimento, alerta Jorge Henriques, presidente da Federação das Indústrias Portuguesas Agroalimentares. À conversa com o JE, o reeleito líder da Federação fala num arranque positivo de contatos com o Governo, mas há ainda bastante trabalho pela frente.
O novo Governo já passou os 100 dias de legislatura. O que espera a FIPA desta nova legislatura?
A indústria tem enormes expectativas relativamente a este Governo. Estamos num período extremamente desafiante, a invasão da Ucrânia pela Rússia, a guerra no Médio Oriente, a questão do Mar Vermelho… A par disso, temos vindo a evidenciar a necessidade, na Europa, da reindustrialização da indústria agroalimentar e a produção de matérias-primas base. Temos expectativas nacionais, nomeadamente na questão da mudança do ciclo económico, que assente a sua base em maior competitividade, associado a um maior crescimento. Algumas das medidas iniciais propostas pelo Governo são extremamente positivas, mas mesmo nesta situação de fragmentação parlamentar mantemos as expectativas que definimos inicialmente, sobretudo para os ministérios da nossa área. Temos de falar e crescer cada vez menos para uma sociedade agrária e mais para uma agroindustrial. Estamos num momento que, apesar das perspetivas desafiantes, mas positivas, tem de ser olhado com muita precaução, sobretudo por esta conjuntura a nível europeu, com a perda de competitividade e o abrandamento da economia da zona euro.
Como classificam o pacote de relançamento da economia? Poderia ter sido dada mais atenção ao sector agroalimentar?
Vemos com preocupação. Algumas das medidas é evidente que tocam a indústria – as questões de simplificação, do IRC, do tratamento fiscal no aumento da capacidade e dimensão das empresas, a concentração, tudo o que diz respeito aos capitais investidos e o seu tratamento em sede fiscal… tudo isso é significativo e toca o nosso sector. O país tem necessidade de definir concretamente, e discutimos ainda recentemente com o ministro da Agricultura as prioridades da indústria para esta legislatura, e olhar para a questão da reindustrialização agroalimentar. As medidas transversais tocam-nos, mas é preciso abordar as questões específicas, porque somos um sector extremamente pressionado por um conjunto de matérias às vezes construídas por organizações de pressão que têm como objetivo denegrir ou prejudicar o nosso desenvolvimento. E este é um dos sectores com maior potencial. Precisamos de valorizar os produtos da agricultura acrescentando-lhes valor. O país não tem interesse em exportar baixo valor e granel. Temos de aumentar o investimento em inovação, porque só isso nos permite competir nos mercados internacionais e dar resposta às necessidades dos consumidores. Não estamos tristes por não serem focadas as palavras “indústria agroalimentar”, mas estamos a procurar que as autoridades percebam que têm aqui um sector potencial e com capacidade para mudar este ciclo económico.
Que avaliação fazem dos primeiros contactos com o ministro?
Foram extremamente positivos. Temos um documento, um compromisso nacional para a indústria agroalimentar, as prioridades estratégicas para a legislatura, que tivemos oportunidade de discutir na íntegra com o ministro, expor o que são os nossos desafios e o que estamos dispostos a fazer. Muitas das medidas já deveriam ter sido obtidas – questões de licenciamentos, questões fiscais em sede de IVA, os famigerados IEC [Impostos Especiais sobre o Consumo], que mais não são dos que impostos extraordinários, ou as questões ligadas a economia circular e embalagens, onde nos antecipamos a todas as legislações. Tivemos a oportunidade, num clima de franca discussão e diálogo muito aberto, de discutir o que são as nossas prioridades.
Quais são as vossas prioridades para a legislatura?
Tivemos oportunidade de focar as questões de abastecimento nacional e de infraestruturas, as deficiências dos portos nacionais, o armazenamento portuário de cereais, a melhoria relativamente às exportações nos mesmos portos… Levamos vários temas para os quais propomos soluções, muitas com poucos custos para o país. Achamos que tivemos um interlocutor a quem não temos de explicar o detalhe porque o percebe. Ficamos expectantes, mas dispostos a trabalhar no sentido de conseguir uma melhoria em duas bandas: produzirmos mais a nível nacional, para abastecimento interno, e aumentarmos as nossas exportações, porque há condições para o fazer, têm vindo gradualmente a melhorar.
O sector tem vindo a quebrar sucessivos recordes de exportação nos últimos anos. Qual o objetivo para este ano e que balanço faz?
No ano passado passamos os 7,5 mil milhões de euros e temos um objetivo muito claro para o curto termo de passarmos os 10 mil milhões em três anos. Achamos que o sector tem potencial para o fazer. Vai depender muito da conjuntura internacional e sobretudo dos esforços que este Governo imprimir relativamente a facilitar e negociar com os países relativamente às barreiras alfandegárias. A componente de exportação tem estado a ter um bom equilíbrio, a crescer; necessitamos de melhorar a nossa componente de valor, porque ainda estamos muito concentrados em baixo valor e isso não em compaginável com o movimento de procura internacional nem com a qualidade dos produtos internacionais. Hoje, a indústria agroalimentar portuguesa produz ao nível do melhor que se faz no mundo e isso é reconhecido.
Uma questão que a FIPA tem levantado frequentemente prende-se com o IVA, mas o Governo colocou como prioridade nos impostos sobre as empresas e trabalhadores. Parece-vos que haverá margem nesta legislatura para corrigir alguns destes desequilíbrios?
A adequação da política fiscal à competitividade da indústria é absolutamente incontornável. Podemos dizer que há outros produtos também desfasados em relação a outros países, mas a verdade é que a manta de retalhos que tem sido criada à volta da indústria agroalimentar não é concebível. Estamos conscientes que o tratamento de um tema como este não é para um OE, é para uma legislatura. Independentemente de se tratar de questões no IRC e IRS – que subscrevemos na íntegra –, não vamos deixar de olhar por um segundo para as questões da discriminação dos produtos agroalimentares transformados e procurar uma adequação da política fiscal. Estamos empenhados, com outros parceiros, no aprofundamento deste estudo sobre os impactos que o IVA poderia vir a ter na recita fiscal, mas que serão compensados por outros fatores, com o aumento do consumo e o ‘oxigénio’ que permite às empresas ser mais competitivos em termos de exportação.
A FIPA também inicia agora nova legislatura com a nova eleição dos atuais órgãos sociais. Quais os objetivos a nível da Confederação?
É um mandato absolutamente desafiante face às circunstâncias. O desfio que nos colocaram, de criar um ambiente mais competitivo para o sector, é o maior desafio que temos pela frente. A alteração das perceções e desmistificação de ideias erróneas é outro dos grandes desafios, a par do aumento da competitividade, que é absolutamente fundamental para que continue a crescer de forma orgânica e sustentável. Como o instrumento deste sector na discussão das políticas públicas, com o Parlamento e a nível europeu, são desafios enormes. Vamos reforçar a FIPA para dar resposta a estes objetivos, com a dinamização dos comités estratégicos para várias áreas, que serão uma base de apoio à organização. A 30 de setembro iremos organizar o 9º Congresso da indústria agroalimentar, que esperamos que seja um momento de convergência e promoção deste grande sector da indústria transformadora. E queremos ajudar a estimular as políticas públicas. Não é um momento fácil, mas espero que este último mandato possa ser um momento de consolidação das potencialidades do sector e sobretudo um alerta as autoridades governamentais para a importância que este sector tem na economia nacional.