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Taxa de risco de pobreza em Portugal subiu para 17% no ano passado

Os dados recentes do gabinete nacional de estatística revelam, sublinha a EAPN em entrevista ao JE, que "o fosso entre ricos e pobres está a aumentar: 20% da população com maiores rendimentos aufere 5,6 vezes mais que 20% com menores rendimentos".

Os números sobre o rendimento e condições de vida em Portugal, divulgados na segunda-feira pelo Instituto Nacional de Estatística, dão conta de um aumento da taxa de risco de pobreza para 17% no ano passado, um problema cuja luta se afigura como "desafio de caráter estrutural", de acordo com a EAPN - Rede Europeia Anti-Pobreza.

Os dados recentes do gabinete nacional de estatística revelam, sublinha a EAPN em entrevista ao JE, que "o fosso entre ricos e pobres está a aumentar: 20% da população com maiores rendimentos aufere 5,6 vezes mais que 20% com menores rendimentos".

"Em 2019, antes da pandemia esta diferença era de 5,0 vezes. Se olharmos para a diferença entre os 10% mais ricos e 10% mais pobres, este valor passa para 9,7 em 2022, quando em 2019 era 8,1", explicam Maria José Vicente, Coordenadora Nacional da EAPN, e Elizabeth Santos, Coordenadora da Unidade de Investigação e dos Observatórios da EAPN Portugal, citando os números dados a conhecer no início da semana pela mesma entidade, notando que "após um período de redução das desigualdades e da pobreza que ocorreu até 2019, a crise pandémica tornou mais expressiva a vulnerabilidade da sociedade portuguesa às conjunturas de crise económica como a que estamos a viver atualmente". 

"Lutar contra a pobreza é um desafio de caráter estrutural, que exige uma visão global e uma ação integral em detrimento de medidas pontuais ou sectoriais, que aliviam situações de emergência social e minimizam os efeitos da pobreza, mas não atingem de forma permanente as suas causas", defendem as mesmas responsáveis. 

De acordo com a EAPN, "apesar de ter existido aumento de rendimentos na população abaixo do limiar de pobreza (recorde-se que em 2022 tivemos um aumento do salário mínimo nacional, de algumas prestações sociais e um apoio financeira às famílias mais carenciadas para fazerem face ao aumento do custo de vida), este esteve muito aquém do aumento de rendimentos do resto da população, nomeadamente do aumento da população mais rica. Por exemplo, nos 10% da população com rendimentos mais baixos, este rendimento aumentou apenas 4% face a 2021; para 50% da população o rendimento aumentou 0.7%; e para os 10% mais ricos aumentou 10%". 

"Isto significa igualmente que o aumento do custo de vida e dos juros não teve um impacto homogéneo na sociedade portuguesa. Pelo contrário, os mais vulneráveis foram os que mais se confrontaram com o impacto deste aumento de custo de vida. Este grupo populacional não só não tinha uma poupança para compensar o aumento de custo de vida, como o aumento de rendimentos dificilmente terá compensado o aumento da inflação e dos juros". 

De acordo com o INE, o limiar da pobreza passou de 551€ para 591€ por mês em 2022, "abrangendo por isso mais pessoas em situação de pobreza".

"Porque quase sempre as intervenções realizadas não vão às causas do problema. São medidas paliativas e remediativas que não produzem mudança. É preciso intervir sobre os fatores estruturais que produzem e reproduzem a pobreza". 

Questões como os baixos salários e precariedade laboral, proteção social, acesso a serviços públicos de qualidade como educação, saúde, habitação, etc, são questões que a EAPN levanta nesta análise.

"A educação, por exemplo, deve ser um fator que contribua para interromper a transmissão intergeracional da pobreza. No caso dos salários, será importante não só garantir o aumento do salário mínimo, mas que este alavanque outros níveis salariais igualmente baixos que existem dentro das empresas e das organizações. Mas é também essencial intervir nos rendimentos e na proteção dos que estão remetidos para um mercado de trabalho mais precário e, por vezes, um mercado de trabalho informal. Ou seja, trabalhar com as pessoas em situação de pobreza é importante, mas é insuficiente se não alterarmos as estruturas da sociedade que causam as situações de pobreza".

Por sua vez, Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto (FEP), salienta que "o aumento de risco de pobreza dos jovens é preocupante". "São o futuro do país, e o risco de pobreza na população que tinha concluído o ensino básico e secundário torna ainda mais premente a resolução dos problemas nesses níveis de ensino – em particular o secundário –, com atrasos que infelizmente poderão ser já irrecuperáveis para um número significativo de jovens, podendo projetá-los no futuro para situações de pobreza", sublinha o mesmo responsável, acrescentando que "o risco de pobreza relativamente maior no sexo feminino chama a atenção para a necessidade de estratégias de empoderamento das mulheres, nomeadamente no mercado de trabalho".

Ainda de acordo com o INE, "sem transferências sociais quase 4,4 milhões de pessoas em Portugal seriam pobres". 

Sobre os números divulgados na segunda-feira, Renato Miguel do Carmo, diretor do Observatório das Desigualdades, diz que "são alarmantes", levantando preocupações com "a alteração de tendência".

"Nos dois anos anteriores verificámos que a taxa de pobreza estava a diminuir e neste momento, de facto, houve aqui uma inversão. Ela aumentou? Não, em termos gerais, não de forma significativa, mas houve uma inversão de tendência. E isso é preocupante, pois, de facto, quando olhamos e analisamos as várias categorias sociais que estão mais vulneráveis e, portanto, em que há um maior aumento, aqui há situações que merecem mesmo preocupação", referindo-se aos mais jovens e sobretudo menores de idade.

De acordo com o INE, as maiores desigualdades identificaram-se na Área metropolitana de Lisboa. E é este dado "talvez o mais surpreendente destes resultados", conclui Renato Miguel do Carmo.