A Start Campus nomeou como administrador um antigo diretor de negócios da Iberdrola Renovables acusado de crimes de corrupção continuada em Espanha, pelos quais o Ministério Público espanhol havia pedido seis anos de prisão e uma indemnização de 100 milhões de euros. Pedro Barriuso Otaola esteve no cargo na Start Campus apenas três meses, mas a sua nomeação ocorreu quando era já acusado no país vizinho, no final de 2021.
Uma das empresas envolta em polémica a propósito do caso que levou à demissão de António Costa de primeiro-ministro nomeou como administrador Pedro Barriuso Otaola a 27 de dezembro de 2021, quando o executivo estava já sob a alçada da justiça espanhola. O caso refere-se ao período entre 2003 e 2011, quando o Ministério Público de Espanha acredita que Barriuso Otaola esteve envolvido num esquema para facilitar a exploração de parques eólicos.
O gestor espanhol foi nomeado para o quadriénio 2021-2024, embora acabasse por cumprir apenas três meses, saindo do Conselho de Administração a 8 de março.
O esquema em que terá estado envolvido em Espanha seria bastante semelhante ao que o Ministério Público português alega ter descoberto em Portugal no negócio dos data centers de Sines. A ideia passaria por garantir o desbloqueio do licenciamento destas grandes operações mediante a entrada em capital de uma empresa local, com quem teriam um relacionamento estreito. Com contactos no Governo, a legislação e licenças seriam posteriormente emitidas, desbloqueando os negócios.
O alegado esquema terá iniciado quando a Junta de Castela e Leão, a unidade administrativa responsável pela comunidade com o mesmo nome, viu no sector eólico uma oportunidade de envolver agentes regionais da sua confiança.
Barriuso Otaola deixou o cargo de administrador da Iberdrola em 2006, facto invocado pelos seus advogados na defesa do arguido, pedindo exclusão do julgamento por prescrição dos factos. No entanto, os tribunais espanhóis consideraram haver indícios suficientes de que o executivo continuou a ter um papel ativo nos negócios, razão pela qual os crimes de que estava acusado lhe são ainda imputáveis.
O caso em Espanha implica 17 arguidos e inclui acusações de corrupção agravada, branqueamento de capitais e associação criminosa. A pena mais pesada sugerida é para Rafael Delgado, vice-ministro regional da Economia [da região de Castela-Leão] entre 2003 e 2007, para quem a justiça espanhola pede 42 anos de prisão.
O "Caso Eólicas" em Castela-Leão
Foi um dos casos que abalou (e ainda abala) os meios políticos e empresariais em Espanha.
O caso remonta ao início dos anos 2000, quando se abriram procedimentos para a autorização e construção de parques eólicos em várias regiões espanholas. Numa delas, a de Castela-Leão, houve circunstâncias estranhas que, posteriormente, a instância anti-corrupção em Espanha identificou como sendo crimes graves na atribuição de licenciamento. Em pelo menos cinco casos, os promotores dos parques eólicos acabaram por ceder participações a empresas locais, caso contrário acabariam por não conseguir as autorizações necessárias do governo regional. Num dos casos, um parque eólico perto de Burgos tinha pedido autorização para operar desde abril de 2002. Em maio de 2006 cedeu parte do seu capital a uma empresa local (em concerto com alguns elementos do governo regional) e apenas sete dias depois recebeu “luz verde” do vice-ministro regional Rafael Delgado.
Noutros casos, os promotores acabavam mesmo por ceder os projetos. E a Iberdrola foi uma das principais beneficiadas desse movimento. Nos contratos assinados constam nomes de empresas como a Biovent ou a Ibercyl. Em comum têm, pelo menos duas coisas: são ambas empresas de energia e são participadas da Iberdrola. É normal o interesse da gigante energética Iberdrola na região de Castela-Leão: esta região, em 2017, representava cerca de 24%, um quarto, de toda a energia eólica produzida em Espanha.
Em dezembro de 2004, a Ibercyl – filial regional da Iberdrola – assinou um acordo com uma empresa local, a San Cayetano, para a construção e explorar parques eólicos. A Iberdrola ficava com 60% e a San Cayetano com 40%.
A Iberdrola (através da Ibercyl ou da Biovent) ficava com o exclusivo da escolha dos projetos em que o consórcio iria investir. Já a San Cayetano tinha apenas como obrigação “a obtenção de licenças e autorizações”.
Os elementos da San Cayetano – que tinham ligações a Rafael Delgado – acabariam por vender os seus 40% à própria Iberdrola por 47 milhões de euros. Apenas tinham posto na empresa cerca de 24 mil euros. No total, as autoridades espanholas estimam 80 milhões de euros a passar de mãos de forma irregular.
E onde entra Pedro Barriuso Otaola?
“Os acordos da Biovent e da Ibercyl [as filiais da Iberdrola] necessitaram, forçosamente, de autorização da comissão executiva da Iberdrola; pelo menos do responsável da direção de negócio de energias renováveis da Iberdrola, que teria de conhecer e aprovar as circunstâncias” desses negócios, escreve o procurador espanhol da Anti-Corrupção. Esse homem, pelo menos até 2007, era Pedro Barriuso, que em 2021 – entre presenças em tribunal – foi, ainda que brevemente, administrador da Start Campus.