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Setor do comércio de bacalhau quer regime de exceção para comprar à Rússia

A transformação e comércio de bacalhau quer medidas de exceção para salvaguarda de um setor que já teve um peso económico da ordem dos 900 milhões de euros por ano e que neste momento não chega aos 500 milhões.

A indústria transformadora de bacalhau e os comerciantes daquele produto pediram ao Governo que auxilie o setor a resolver a grave crise que se instalou desde que a economia russa foi alvo de sanções por parte da União Europeia – como resultado da invasão da Ucrânia – e considera que “é preciso que os operadores consigam um regime de exceção que lhes permita continuar a comprar bacalhau russo”, disse ao JE o vice-presidente da Confederação Portuguesa das Micros, Pequenas e Médias Empresas (CPPME), Jorge Camarneiro. A alternativa, explicou, seria solicitar uma compensação que queda abrupta da atividade, “o que não nos pareceu que fosse possível”.

Mas o regime de exceção parece, no entender da confederação, viável, tanto mais que “se verifica que Portugal e vários países europeus continuam a comprar petróleo e gás à Rússia”. Ora, tendo o bacalhau um estatuto quase definidor da identidade nacional – “faz todo o sentido que o setor consiga esse regime de exceção”. A redução da quota de pescado combinada com as sanções económicas à Rússia - principal origem mundial de bacalhau - fez disparar em mais de 50% o preço do bacalhau nos últimos três anos.

Tudo piorou no início do ano passado, quando a União Europeia introduziu, a 1 de janeiro, tarifas de 12% à importação de bacalhau congelado russo, que representava a principal matéria-prima da indústria bacalhoeira portuguesa, e excluiu, a partir de 21 de maio deste ano, a importação e comercialização de todo e qualquer produto dos dois maiores armadores daquele país, “penalizando, desta forma, a esmagadora maioria das empresas de transformação”.

Segundo informação oficial da União, “as entradas aditadas à lista [em maio] incluem, duas empresas de pesca, a Norebo JSC e a Murman Sea Food, que fazem parte de uma campanha de vigilância patrocinada pelo Estado russo que levou a cabo missões de espionagem e sabotagem de infraestruturas críticas, incluindo cabos submarinos. Ora, a Norebo é “o maior armador do mundo de bacalhau” e chegou a ser o maior fornecedor português de bacalhau salgado verde, com “todos os principais transformadores portugueses sendo seus clientes”. A sanção de que a empresa foi alvo – com ‘direito’ a suspeitas bem superiores aos normais ‘traders’ russos – é com certeza suficientemente robusta para impedir a vontade do setor em manter os negócios com a Norebo.

Seja como for, a confederação, na pessoa de Jorge Camarneiro – acompanhado pelo diretor executivo Filipe Dourado, encontrou-se na passada semana com o secretário de Estado das Pescas e do Mar, Salvador Malheiro, a quem apresentou a necessidade Portugal invocar um regime de exceção no que diz respeito à importação do bacalhau “e não permitir que as condições de compra de bacalhau russo para as empresas portuguesas sejam muito mais desvantajosas do que as das empresas norueguesas, que depois o coloca em Portugal a preços incomportáveis para a maioria das carteiras dos portugueses. Convém referir que a Noruega – país europeu que não faz parte da União Europeia – não sancionou os armadores russos, pelo que o negócio entre os dois países continua como até aqui. De facto, disse Jorge Camarneiro, o bacalhau que chega a Portugal é pescado no Mar de Barens, onde as quotas de pesca são divididas entre a Noruega e a Rússia em 50% casa uma. A não aplicação de sanções por parte da Noruega fez com que os armadores russos encontrassem naquele país escandinavo a ‘porta de saída’ ideal para escaparem às sanções aplicadas pela União Europeia. “Quando se diz em Portugal que o bacalhau vem da Noruega, não é verdade: o bacalhau vem do Mar de Barens e é difícil saber-se qual dos dois países o pescaram”, explicou o vice-presidente da CPPME.

O secretário de Estado das Pescas e do Mar – que também já recebeu também a Associação dos Industriais de Bacalhau, onde se concentram as maiores empresas do setor – garantiu, segundo a CPPME, que vai levar o assunto a Conselho de Ministros o mais rapidamente possível.

Questionado sobre o assunto, o Ministério da Agricultura e Pescas afirmou que “o Governo está a acompanhar de perto esta situação e a atuar junto da Comissão Europeia. No dia 11 de fevereiro de 2025, esta preocupação da Associação dos Industriais do Bacalhau foi formalmente transmitida à Comissão Europeia, numa articulação entre os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Economia e da Agricultura e Pescas. Ainda na semana passada, o secretário de Estado das Pescas e do Mar reuniu-se com a Associação de Industriais do Bacalhau e com a Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas, e participou nas comemorações do 40.º aniversário da empresa Riberalves. Em todos estes momentos, foram abordadas as preocupações do setor, decorrentes da aplicação de uma taxa de 12% sobre o bacalhau de origem russa quando não transformado”.

O problema em causa, refere ainda, “resulta da aplicação do Regulamento (UE) 2023/2720 do Conselho, de 27 de novembro de 2023, que tem impacto no setor da transformação de bacalhau em Portugal e noutros Estados-membros”.