A Venezuela volta a ser atingida por instabilidade na sequência dos resultados eleitorais de 27 de julho que oficialmente deram a vitória ao atual presidente, Nicolás Maduro, mas cujo desfecho está a colocar muitas dúvidas à comunidade internacional.
Este país é um grande foco da migração portuguesa. Um estudo da Universidade Nova de Lisboa, intitulado ‘Os Portugueses na Venezuela’, de Nancy Gomes, referente a 2009, dava conta de 500 mil portugueses no país, sendo que 75% eram da Região Autónoma da Madeira.
A presidente da Associação da Comunidade de Imigrantes Venezuelanos na Madeira (Venecom) e antiga deputada do CDS-PP na Assembleia Legislativa da Madeira, Ana Cristina Monteiro, diz que tem existido casos pontuais de pessoas que manifestam preocupação com o estado atual do país, depois do ato eleitoral de 27 de julho, que temem que possam ser tomadas medidas como o fecho do aeroporto, impedindo entradas e saídas na Venezuela.
Ana Cristina Monteiro apela a que sejam divulgadas as atas das eleições, de forma a que se possa confirmar os resultados do ato eleitoral, trazendo um ambiente mais pacífico à Venezuela.
A presidente da Venecom diz que num cenário em que possa existir uma vaga de Migração da Venezuela, para a Madeira, essa não deve ser tão massiva como já aconteceu em outros anos.
Ana Cristina Monteiro recomenda que em casos de preocupação, e até de agudizar do clima social na Venezuela, sejam contactado o Consulado.
A Venecom atua perante a comunidade venezuelana aqui na Região. O ato eleitoral gerou um foco de instabilidade no país. Têm sido contactados por pessoas que manifestem intenção de regressar à Madeira face aquilo que tem acontecido na Venezuela?
Sim, já temos recebido alguns contatos de pessoas que manifestam a preocupação de que volte a acontecer o que aconteceu em outras ocasiões, em que o Governo decide fechar os aeroportos e impedir que as pessoas, entrem e saiam do país. E temos algumas famílias lusodescendentes que têm parte da família em Portugal. Muitos vão e voltam, passam seis meses cá, seis meses lá, por negócios e até por família que têm na Venezuela. E algumas dessas pessoas ficaram nesse processo de viagem temporais para Venezuela, ficaram na Venezuela neste momento das eleições. E claro que manifestaram a sua preocupação se vão conseguir regressar.
E há pessoas que têm alguma idade e que necessitam de medicação, que trouxeram medicamentos para o tempo em que iam estar no país e questionam se vão conseguir regressar.
Mas a Venezuela tem tido escassez de medicamentos?
Agora já não há propriamente uma escassez mas os preços muito altos porque na Venezuela acabou por se dolarizar a vida comum das pessoas, embora as pessoas ganhem em bolívares, os preços nas farmácias e na comida são todos dolarizados. E então, claro, as pessoas têm grande dificuldade de comprar muitos desses medicamentos. Existe alguma escassez em medicamentos mais especializados para certas doenças. E claro que estas pessoas manifestam a sua preocupação. Mas neste momento não estão a pedir para regressar. Estão na expectativa de “será que eu vou conseguir ir?” Até agora não temos nenhuma informação de que o aeroporto vai fechar ou que exista algum impedimento de eles saírem.
Acaba por existir preocupação dos dois lados: de pessoas que estão na Venezuela ou que queiram ir para a Venezuela?
Principalmente de pessoas que querem vir para cá, que estão lá em férias ou estão lá por um tempo determinado e querem regressar. Porque aqui estão mais tranquilos, estão mais seguros. Lá vive-se aquela instabilidade e eles têm receio de que não possam sair tão rápido como pretendem. Já existem antecedentes na Venezuela, com situações de perseguição e de não aceitação de resultados de eleições.
Ou seja, o que está a acontecer na Venezuela não é algo de propriamente novo?
Para os venezuelanos isso não é novo e seria ingénuo pensar que Nicolás Maduro ia entregar tranquilamente as eleições se o resultado fosse contra ele. É lamentável ver o que está acontecer na Venezuela novamente. Temos pessoas presas, perseguidas, mortas. Muitos deles são jovens que estão a dar o corpo nessa luta. E é lamentável porque na verdade a ideia de uma eleição é encontrar uma saída democrática para a situação. Lamentavelmente, o Governo de Maduro não entende isso, entende que o facto de ir a uma eleição é suficiente para legitimar o seu Governo.
A vossa associação tem ideia de quantos luso-venezuelanos, ou luso-descendentes, estejam no País?
É uma comunidade grande, estão por volta de 500 mil.
E em termos de pessoas que têm ligações à Madeira?
Não tenho números precisos, mas na Venezuela, maioritariamente as pessoas que residem na Venezuela, portugueses e lusos descendentes, são originais da Madeira. Os madeirenses têm negócios ao nível da cadeia de alimentação.
Portanto, num momento de conflito como agora, são muito prejudicados, quando se começam a fazer roubos, a destruição de património, os mais prejudicados são os nossos empresários madeirenses, porque são justamente eles que estão nessas áreas.
Os madeirenses sofrem sempre as consequências destas manifestações, porque são os que estão na distribuição de alimentos, na distribuição de serviços, etc…
Este tipo de preocupações [que a Venecom tem recebido] é algo que tenha surgido em atos eleitorais anteriores ou pelo contrário é algo de novo?
Não, não é nada de novo. Em todas as eleições que temos tido na Venezuela, onde a oposição participa, o Governo nunca aceita os resultados.
As únicas oportunidades onde tem havido uma eleição pacífica é quando a oposição não vai a eleições. Não vai porque considera que não há condições para participar democraticamente.
Penso que o Governo deveria refletir um bocadinho sobre isso, parar e sentar-se com a oposição, apresentar as atas. Se o Governo de Maduro está seguro que ganhou as eleições, e tendo as atas, então que corrobore essa situação.
Não percebo como as atas ainda não foram apresentadas. A oposição já apresentou as atas e divulgou-as publicamente para que qualquer pessoa pudesse consultar.
Há uma solução simples que passa por Maduro apresentar as atas para se confirmar qual foi o eleito.
É que as atas sejam publicadas oficialmente para que assim as pessoas possam acalmar e possam realmente encontrar uma solução de paz.
Acredita que a situação se possa agudizar?
Se não se resolve esta situação em breve, as pessoas vão continuar na rua. Isso significa que mais pessoas vão ser presas, mais pessoas vão ser mortas. E o governo de Maduro vai começar a tomar decisões um pouco mais radicais, como já aconteceu em outras ocasiões, como por exemplo o encerramento do aeroporto. E isso vai criar uma situação de maior instabilidade no país. E essa é a nossa preocupação.
Ou seja a Madeira poder vir a ter uma vaga de migrantes que regressem de forma massiva?
Se isso não se resolver na maior brevidade possível, a situação vai continuar a piorar. Tudo isso também pode dar lugar à escassez de produtos, a problemas de atendimento na área de saúde.
A nossa preocupação é que situação não tenha a pacificidade que se pretende, porque num país democrático as pessoas têm direito a manifestar-se pacificamente, têm direito a dar a sua opinião.
Mas acredita que a Madeira terá capacidade para eventualmente dar resposta a uma eventual nova vaga de migração, vinda da Venezuela?
Em 2017 e 2018, quando chegou a vaga mais forte, a Madeira recebeu em poucos meses sete mil pessoas. E a Madeira conseguiu dar resposta a essas pessoas. Não acredito muito que possam vir para a Madeira sete mil pessoas novamente. Há muitos venezuelanos que já saíram.
Existindo uma nova vaga de migração poderá não ter a dimensão que teve anteriormente?
Até porque muitas das pessoas que podiam e queriam sair já saíram. Ainda há pessoas lá que não têm as condições para sair, não têm as condições económicas para vir para a Madeira, porque vir para a Madeira tem um custo elevado.
E, portanto, há muitas pessoas que não têm as condições para sair e acabam por ficar lá. Mas há outras pessoas que decidiram não sair.
Eu penso que se há uma vaga de saída, não será nunca numa dimensão que nós vimos noutras ocasiões. E muito menos num tempo tão curto de tempo.
As pessoas não estão preparadas para sair tão rápido. Penso que teremos de esperar alguns meses para ver que efeitos produz estas eleições.
A principal vaga de pessoas que vieram da Madeira da Venezuela aconteceu numa altura em que a situação no país já estava muito instável.
Exatamente, não foi uma coisa assim tão rápida. As pessoas aguardaram e mantiveram-se no país. Mas situação já estava tão grave e estava a afetar a vida e a saúde das pessoas.
As pessoas não tinham alimentos, não tinham medicamentos, as pessoas comiam do lixo. Mas penso que neste momento não estão reunidas as condições para que as pessoas saiam em massa da Venezuela.
Mas há que aguardar e ver quais são os efeitos destas eleições e as medidas que o Governo da Venezuela possa tomar.
Nesta altura, a vossa associação o que tem recebido são manifestações de preocupação pontuais.
São pontuais. São pessoas que nos perguntam por exemplo se o aeroporto vai fechar, e se fechar o que podem fazer. Recomendamos sempre que, se fechar o aeroporto ou se as pessoas estão numa situação de preocupação, de carácter comercial e/ou pessoal, devem comunicar diretamente com o Consulado de Portugal. O Consulado está preparado para dar resposta às comunidades.
O Consulado é sempre a melhor solução para este tipo de problemas?
O Consulado é a solução para este tipo de problemas. Nós podemos ser um elo de ligação com o Consulado e passar informação e manter as pessoas informadas. Mas quem vai dar a solução efetiva será o Consulado. Mas neste momento não se prevê que seja necessário. Por enquanto.
Mas o Governo português está atento ao que se está a passar na Venezuela, porque é algo que já aconteceu em outras ocasiões. Estão atentos, estão a ver o que vai acontecer, como se desenvolve esta situação, para saber que medidas poderão tomar caso seja necessário. Para já não há nenhum alerta.