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Seguro obrigatório nas casas? "Prémio pode ser tão elevado que as pessoas não podem pagar"

Fernando Santo, ex-Bastonário dos Engenheiros, defende que o seguro multirrisco é aplicado na sua maioria em casos de incêndio e que a sua obrigatoriedade aquando de um sismo deve ser implementada em função do risco e mapa sísmico. "Os seguros cobrem riscos e os riscos têm probabilidades de produzir custos para as companhias, que podem ser mais ou menos elevados", afirma.

O sismo e os incêndios que atingiram recentemente Portugal despertaram as famílias para a necessidade de mitigarem possíveis perdas resultantes de um evento de maior intensidade. No entanto, essa é uma despesa que acaba por se refletir nos orçamentos familiares, sendo que esta proteção cobre menos de 20% das habitações.

Ao Jornal Económico (JE), o ex-Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo, defende que o seguro multirrisco é aplicado na sua maioria em casos de incêndio e que a sua obrigatoriedade aquando de um sismo deve ser implementada em função do risco e mapa sísmico.

Por outro lado, o membro do conselho geral da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) defende uma melhor formação técnica, não poupando críticas às reformas feitas no país através do Processo de Bolonha, que classifica como um "flop".

Devia ser obrigatório seguro mesmo para as casas que não tenham crédito à habitação?

O seguro multirrisco é obrigatório para todas as casas, mas essencialmente o seguro relativamente a um incêndio. Não é obrigatório relativamente a um risco sísmico. O território nacional não tem igualmente o mesmo risco sísmico. Há zonas que são, de facto, de elevado risco sísmico, como é o caso da zona de Lisboa, Benavente, toda a costa Vicentina e Algarve e há zonas do Norte em que o risco sísmico é muito mais baixo.

Devíamos ver, em função do risco e do mapa de risco sísmico que existe, as zonas onde deveria ser obrigatório o seguro. Só que, provavelmente, para muitos desses edifícios, os seguros cobrem riscos e os riscos têm probabilidades de produzir custos para as companhias que podem ser mais ou menos elevados.

Pode também pôr-se questão de o prémio desse seguro ser tão elevado que na prática as pessoas depois não podem pagar. O mesmo acontece comparado com aquilo que é o seguro de projeto dos projetistas que são obrigatórios e que estão para ser regulados desde 1991.

Como deveria então ser abordada questão do seguro sísmico?

Tão importante dentro desta mesma linha de raciocínio do que o seguro do risco sísmico, são os projetos de estruturas acima de uma determinada dimensão que deviam ser obrigatoriamente subscritos, com a responsabilidade de especialistas em estruturas.

Ou não sendo uma obrigatoriedade de uma formação com provas para que sejam certificados, os técnicos que têm condições, competências e conhecimentos para o poder subscrever.

Quando fizemos a aplicação das leis comunitárias para a eficiência energética, disseram que podem ser engenheiros e engenheiros técnicos e arquitetos, mas têm que passar por uma formação específica com exame. Só depois dessa formação e de serem aprovados é que as pessoas são qualificadas como peritos que podem fazer a certificação energética.

Eu sei que está na moda a história da eficiência energética. Há aqui muitas coisas que estão na moda e que os lóbis que estão instalados são evidentes e estão muito interessados em regular desta forma. A minha pergunta é porque é que no caso dos sismos nós temos as pessoas seguramente a elaborar projetos de estruturas com programas que também são cada vez mais vulgares e que na minha ótica, não dão garantias de conhecimentos suficientes.

E porquê?

Porque a reforma de Bolonha foi, quanto a mim, um flop no sentido de que permitiu atribuir o grau de licenciado ao fim de três anos de formação, quando no passado eram cinco ou seis anos.

Depois acabou-se com os mestrados integrados, que eram cinco anos diretos. As pessoas que tinham formações em estruturas, em cinco anos de mestrado integrado têm uma formação e uma competência que não é minimamente comparável, no sentido daqueles que tendo três anos não tiveram as cadeiras, digamos adequadas para a exigência dos projetos de risco sísmico, nomeadamente na reabilitação urbana, que ainda é mais complexa.

A vulgarização deste tipo de formações dadas a quem tem três anos, sem cadeiras adequadas, de betão armado e de cálculo, que depois limitam a aplicar os programas que existem no mercado, sem confrontar depois os resultados com aquilo que é o conhecimento, naturalmente também conduz a um risco, mas parece que ninguém está preocupado com isso.

A atual construção habitacional está preparada para um sismo?

É a mesma coisa que perguntar se os advogados que estão no exercício ou os médicos, estão preparados para garantir o que quer que seja. Uns estão, outros não.

Porque é que eu digo isto? Por um lado, porque os regulamentos existem desde 1958, quando se comemoraram os 250 anos sobre o terramoto de 1755, que o Laboratório Nacional de Engenharia Civil, que é uma referência mundial e em particular europeia daquilo que tem a ver com os sismos, sempre liderou estes processos e esteve envolvido na preparação do código oito que estabeleceu uma uniformização das regras para os cálculos.

E isso é suficiente?

Não é. Por um lado, por aquilo que acabei de dizer. É preciso garantir que os técnicos que nesta área específica elaboram projetos estejam devidamente certificados, não de uma forma geral, para fazer projetos, mas projetos específicos.

Da mesma maneira que um médico é médico, mas se for neurocirurgião tem uma especialidade, se for obstetra, tem outra. Nesta matéria nós temos na Ordem dos Engenheiros especializações, só que é incómodo ao poder político, digamos, limitar aquilo que chamam a grande concorrência, onde todos podem fazer tudo, passando a ser muitos a fazer o que não deviam.

Por outro lado, era preciso garantir que as empresas de construção que têm alvarás, mas os alvarás não garantem aquilo que na sua génese foi a ideia de constituir os alvarás em 1971 e antes das obras públicas em 1956, porque os alvarás têm um conjunto de exigências, mas nós sabemos como é que eles são atribuídos.

As empresas de construção têm a credibilidade técnica garantida pelo diretor de obra, mais do que por um alvará e pelo diretor de fiscalização. Esses sim, devem ser chamados obrigatoriamente a intervir nos processos e ser coresponsabilizados se alguma coisa na prática for executado que não esteja de acordo com o projeto.

Porquê?

Imagine que há um acidente. Cai um viaduto ou entra em ruína um prédio. Quais são os técnicos ou entidades que estão sob suspeita? Quem elaborou o projeto, quem executou a obra e depois, quem executou a obra em termos de empresa é o diretor de fiscalização e o diretor de obra.

Se o projeto estava de facto bem elaborado e não foi bem executado, então a responsabilidade é do diretor de obra ou o diretor de fiscalização ou dos dois. Esta matriz de responsabilidade tem que ser depois evidenciada.

Por isso é que eu estou contra o Simplex pela forma ligeira como foi feito agora no decreto-lei de janeiro 2024, em que as câmaras recebem e depois os técnicos são responsáveis por isto, mas sem termos de facto densificada a exigência desta intervenção que pode dar origem a uma coisa muito simples, que é o embargo na hora.

Facilitam agora para no dia em que a obra começa, pode aparecer uma fiscalização da Câmara em cima do projeto e diz quer o projeto não está de acordo com esta norma, com aquele regulamento e a obra fica embargada.

E quando há um sismo, então vem toda a gente preocupada com as responsabilidades. Não é difícil resolver o problema, só que essa resolução vai contra a massificação e contra, digamos a "ligeireza" com que algumas entidades confundem responsabilidade e técnicos certificados com livre concorrência. Não há aqui, nem pode haver livre concorrência. Ou há técnicos competentes e esses estão certificados ou não há.

Isso acaba por entroncar no Processo de Bolonha.

O Processo de Bolonha foi criado em 1999, em primeiro lugar, para que a Europa tivesse um desenvolvimento comparativamente aos Estados Unidos em muitos indicadores, porque estava a perder crescimento económico, emprego. Depois veio a estratégia de Lisboa, que apontou aquilo que foi a anedota dos primeiros dez anos do século, que era em 2010, a Europa era o espaço europeu com melhores condições para os jovens.

Verificou-se exatamente o contrário. O espaço europeu nunca teve os jovens a ganhar tão pouco e não resolveu os problemas. Foi um flop completo. O segundo foi ao chamar em Portugal licenciatura aquilo que no passado eram cinco anos e seis anos, ou seja, não é possível, a não ser que as pessoas que têm agora 70 anos fossem todas muito estúpidas face aos jovens.

Ou seja, três anos dar a mesma formação, a mesma competência relativamente àqueles que fizeram formações de engenharia de seis anos, não é possível. Mas para algumas cabeças iluminadas foi e foi de tal maneira que, no fundo, permitiram com isto também reduzir o financiamento público há licenciatura de três anos não ir até aos cinco.

Quando fui bastonário subscrevi um abaixo-assinado com 58 mil assinaturas à Assembleia da República para que fosse reposto o bacharelato de três anos, a licenciatura de cinco anos. Todos os partidos se manifestaram de acordo, mas disseram que já não havia nada a fazer.

São assim as leis em Portugal. Faço uma coisa que é um disparate, mas depois para corrigir, não há nada a fazer. E, portanto, temos aqui os resultados disto tudo ao fim de 20 anos e quando há um sismo, aqui d'el Rei, toda a gente anda preocupada.