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Reduflação chegou ao imobiliário: casas são cada vez mais pequenas e mais caras

Os dados do INE indicam que o preço das casas subiu 10%, com o valor do m2 a subir para os 1.641 euros no terceiro trimestre de 2023. “As casas estão a ser cada vez mais pequenas para ver se ficam mais baratas. O problema é que o preço do m2 não para de aumentar e com isso as casas ficam mais caras", diz presidente da APPII. Construção pede descida do IVA a 23% na construção e agilização dos licenciamentos, enquanto o ex-bastonário dos engenheiros considera que o fenómeno da reduflação é apenas "uma linguagem nova para reposicionar o produto".

Reduflação. Em economia o termo significa que os produtos diminuem de tamanho ou quantidade, enquanto o seu preço se mantém inalterado ou aumenta. Transportando para o mercado da habitação o resultado são casas de menor dimensão. Economistas, promotores e construtores ouvidos pelo Jornal Económico (JE) defendem que o problema assenta em três pilares: demora nos licenciamentos, subida dos custos de construção e o desequilíbrio entre a oferta e a procura.

“As casas estão a ser cada vez mais pequenas para ver se ficam mais baratas. O problema é que o preço do m2 não para de aumentar e com isso as casas ficam mais caras. É a velha da história do desequilíbrio entre a oferta e a procura. Precisamos de construir mais, mas estamos a construir cada vez menos”, afirma Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), acrescentando que a tudo isto se junta uma carga fiscal muito alta, nomeadamente no IVA a 23% na construção.

Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados na última semana revelaram uma subida homóloga no preço das casas de 10%, com o valor do m2 a subir para os 1.641 euros no terceiro trimestre do ano passado e observado um aumento em mais de metade dos municípios com maior população.

Para José Rui Meneses, Cofundador e Partner da construtora MAP Engenharia, o foco da reduflação está no aumento dos custos de construção, tendo como consequência para os promotores imobiliários disponibilizarem casas de tipologias mais pequenas para as quais as pessoas demonstrem não só interesse, mas principalmente que as possam pagar.

“Ou seja, em vez de um T2 com 130m2 passam a existir T2 com 90m2. A falta de stock também contribui porque se há uma elevada procura, há menos produto disponível no mercado, logo os preços tornam-se menos elásticos”, refere. O responsável sublinha que é preciso adicionar a este cenário os altos custos dos materiais e o custo da mão de obra que está cada vez mais elevado, sem esquecer claro está o tema da demora nos licenciamentos.

“Temos vários casos de projetos que estão adjudicados e prontos a começar, mas fica tudo condicionado ao licenciamento. Muitas vezes temos a expetativa de começar uma obra num determinado momento, mas muitas vezes só arrancamos passado um ano”, realça José Rui Meneses.

Pedro Vicente, CEO da promotora Overseas considera que com os atuais problemas que atingem o sector da habitação, a questão que se coloca de imediato na equação são as áreas das casas e onde a tendência é serem cada vez mais pequenas. “Como as pessoas estão muito limitadas com o valor do preço final e como o preço da construção não desce, não temos hipótese de construir mais barato. Como tal, a única defesa que há, no sentido de ter uma oferta viável é reduzir as áreas e alinhá-las a um preço que as famílias possam comprar. Isto falando de casas para a classe média e média alta”, explica o promotor.

Numa perspetiva mais económica João Duque defende ser fundamental que ao nível do grande mercado de produto imobiliário para as famílias, que as coisas se ajustem aquilo que é a capacidade financeira das famílias, dado que não há uma redução de preço, mas sim uma redução na taxa de crescimento, salientando que o problema não está nos segmentos de topo da habitação.

“É particularmente um problema para as famílias, porque quando elas não têm orçamento depois têm de redirecionar o tamanho do produto que vão comprar. Isso está a acontecer no imobiliário, onde há muita oferta para apartamentos muito pequenos. Em Lisboa há quem possa investir 400 mil ou 500 mil euros, mas depois a oferta é para habitações de 40m2 ou 50m2”, explica o economista.

Solução passa por agilizar licenciamentos e reduzir a carga fiscal

Numa altura em que o país atravessa uma crise política e com o mundo a viver duas guerras que afetam toda a conjuntura económica mundial o futuro no mercado de habitação em Portugal, é segundo os especialistas de incerteza. No entanto, existem soluções que podem ser tomadas para começar a amenizar o problema que se vive no sector da habitação.

Nesse sentido, Hugo Santos Ferreira lança o repto para o próximo ministro da Habitação. “Que tenha a coragem política para resolver o licenciamento, baixar a carga fiscal na construção de habitação em Portugal e por outro lado, conseguir fazer com que se construa cada vez mais, nomeadamente por iniciativa privada, mas também público-privada. Os tais programas de cedências de terrenos do vasto património devoluto do Estado que tem de vir a jogo”, afirma.

Pelo mesmo diapasão alinha José Rui Meneses, a que acrescenta a necessidade de trazer mão de obra qualificada para o país, mas também de criar condições para que os jovens não precisem de emigrar. “Precisamos de mais pessoas, de mão de obra requalificada, ou receber imigração, mas com planos estruturados para os integrar neste mercado de trabalho dando-lhes formação e até parcerias com as empresas, mas também de incentivar os nossos jovens a ficar no país”, refere.

Reduflação? “É uma linguagem nova para reposicionar o produto”

Quem não se mostra surpreendido com a reduflação em Portugal é o antigo Bastonário da Ordem dos Engenheiros, Fernando Santo. Em declarações ao JE, o engenheiro assume que “o fenómeno é tão antigo, quase como as políticas de Duarte Pacheco [antigo Ministro das Obras Públicas e Comunicações no Governo de Salazar] para a habitação e que foram depois claramente definidas nos anos 80 para a habitação social”.

Regras que ainda hoje estão definidas para a produção de habitação a custos controlados, que têm áreas por tipologia limitadas e cujo Regulamento Geral de Edificações Urbanas define as áreas mínimas por tipologia.

“Se temos as referências todas por m2 naturalmente que o m2 custa aquilo que resulta dos custos parcelares. Ou seja, para a mesma tipologia, quanto maior for a área, maior é o custo. Isto não tem nada de novo, as pessoas é que inventam umas coisas, ou porque não sabem, ou porque, digamos, é moda e com essa nova linguagem tentam reposicionar o produto”, refere Fernando Santo, recordando o exemplo do programa EPUL Jovem que vendia casas novas e baratas extinguido em 2012, primeiro por decisão da câmara e depois da assembleia municipal, pelo então presidente da autarquia de Lisboa, António Costa.

“O programa EPUL Jovem tinha áreas máximas definidas por tipologia para fazer com que o preço final, resultante da área vezes o preço por m2, fosse o mais baixo possível. Se quiser fazer um T2 por 200 mil euros, quanto menor for a área do T2 até chegar o mínimo regulamentar, maior é o preço por m2, mas como a abordagem é por tipologia, até podemos achar que se está a comprar barato”, sublinha Fernando Santo.

Para o ex-bastonário o principal problema é que se regula tudo e mais alguma coisa, mas não regulam aquilo que é a essência. “Não devia ser permitido publicitar a venda de apartamentos sem dizer qual era o preço por m2 de área privativa encerrada. Se tiver varandas deve dizer qual é a área da varanda e qual é a área de arrecadação, que são as áreas brutas dependentes. Estas noções vêm definidas no Código da Avaliação Patrimonial, produzido em 2003, através de uma portaria que, pela primeira vez, as finanças e bem definem o que são áreas privativas e áreas brutas dependentes”, explica o ex-bastonário.