A capitalização de mercado da Mota-Engil caiu 7,80%, na sessão de quarta-feira, com os investidores a recearem mostrarem receios claros. Ainda que o lucro até junho tenha subido, face a 2023, tal não reflete o real desempenho da construtora, já que, à parte as mais-valias, o lucro foi inferior ao observado no período homólogo.
A empresa apresentou, na semana passada, um lucro na ordem de 49 milhões de euros para o primeiro semestre, ou seja, mais 65% do que no mesmo período do ano passado. Em simultâneo, houve um acréscimo de 7% no volume de negócios, até aos 2.732 milhões de euros. Já esta terça-feira, a empresa estendeu o contrato que tem em Moçambique, por um valor na ordem de 576 milhões de euros.
À conversa com o Jornal Económico (JE), Marco Silva, especialista em mercados financeiros, esclarece que “com a apresentação de resultados” dos primeiros seis meses do ano, “rebentou a bolha” criada pelas subidas significativas dos últimos anos. Isto porque as contas indicam um crescimento, mas as expetativas que antes existiam apontavam a “um crescimento muito superior” no que diz respeito aos lucros.
Neste sentido, os resultados ficam “muito aquém”, até porque, dos 49 milhões de lucros, 22 milhões correspondem a mais-valias. Assim sendo, restam 27 milhões, que ficam abaixo dos lucros apresentados um ano antes, destaca. “Apesar de o volume de negócios estar a crescer 7%, o que é certo é que os lucros baixaram”, assinala, em função do aumento dos custos.
Assim sendo, sobra “uma margem ínfima de 2% que é extremamente reduzida e que depois coloca a pressão nos títulos porque são empresas altamente endividadas e com um volume de faturação algo elevado, mas lucros muito baixos”, refere Marco Silva.
Para adensar as perdas, acrescenta, o mercado está, por esta altura, “numa fase de correção”, perante a possibilidade de, em 2024, setembro ser “o mês da correção”, diz. Uma possibilidade que “também pesa no sentimento negativo”, acrescenta.
Em simultâneo, Henrique Tomé, analista da XTB, pega por alguns dos mesmos pontos para explicar o tombo observado nas ações da Mota-Engil. De acordo com o próprio, a “influência significativa de ‘resultados extraordinários’ nos lucros da empresa” é um fator determinante, já que representou um acréscimo de “cerca de 114 milhões de euros” nas contas.
Ora, não estão em causa ganhos recorrentes, o que leva a que “os lucros declarados não reflitam necessariamente a verdadeira performance financeira da empresa a longo prazo”, o que pode levar a que os acionistas se equivoquem na análise dos números. Assim sendo, existe o “risco de que os investidores possam estar a ter uma visão otimista demais, baseada em números pouco sustentáveis”, sublinha.
Em seguida, o analista indica ainda o fator do “passivo significativo” como algo que pode também mexer com a capitalização de mercado da Mota-Engil. O mesmo ascende a 6,95 mil milhões de euros e “supera os seus ativos de curto prazo”, salienta.
Ainda que a construtora tenha registado uma subida de 96% no EBIT no último ano, “a cobertura de juros (apenas 2,2 vezes o EBIT) levanta preocupações sobre a sua capacidade de lidar com os custos de financiamento”, refere Henrique Tomé.
João Queiroz, responsável de negociação do Banco Carregosa, também esteve à conversa com o JE e apontou para as fragilidades associadas ao contexto de que “grande parte da carteira de negócios” da Mota-Engil “tem muita presença em economias cuja divisa não é convertível.”
A somar a isto, assinala que “a perspetiva de alguma estagnação do crescimento económico ou de uma pequena contração” pode levantar receios entre os mercados, na medida em que “torna o negócio da Mota-Engil ou de cotadas com este nível de equilíbrio financeiro com outro desempenho”.
Simultaneamente, trata-se de uma cotada que apresentou um “desempenho excecional em 2022 e 2023”, o que pode levar a que muitos acionistas “queiram sair pela porta pequena, o que acaba por provocar algum desajustamento”, em face da maior oferta existente.