As mais de 185 mil famílias portuguesas que têm direito ao apoio extraordinário à renda já começaram a recebê-lo, mas esta medida continua envolta em dúvidas e polémica. No Parlamento, vários partidos já pediram que o ministro das Finanças e a ministra da Habitação prestem esclarecimentos com urgência. E à Provedora de Justiça já chegaram cerca de uma centena de pedidos que refletem as dúvidas dos cidadãos, avançou fonte oficial do gabinete de Maria Lúcia Amaral ao Jornal Económico (JE).
“Recebemos até ao momento cerca de uma centena de solicitações em torno de questões e dúvidas relacionadas com o apoio às rendas. Na maioria das situações, procedeu-se ao reencaminhamento para os serviços da Autoridade Tributária (AT) e do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), conforme os casos”, explicou fonte da Provedora de Justiça ao JE.
Uma das dúvidas que têm sido levantadas diz respeito à informação bancária dos beneficiários: por não terem o IBAN atualizado, cerca de 20 mil pessoas não receberam ainda o apoio a que teriam direito.
Mas este não é o único ponto a gerar discórdia. Apesar de no decreto-lei publicado em março ter estabelecido que seria o rendimento coletável das famílias a servir de base de cálculo deste subsídio, o Governo emitiu um despacho interno que indica que o Fisco deve ser o que é, na prática, o rendimento bruto.
Resultado: segundo os fiscalistas, muitas pessoas arriscam ficar fora do apoio e outras devem receber um apoio inferior ao que estavam à espera.
Ao Jornal Económico, a Provedora de Justiça garante que está a apreciar a questão do rendimento relevante. Já fonte do Ministério das Finanças admite que, se se mantiveram as dúvidas sobre a legalidade das orientações que constam desse despacho, poderá mudar o decreto-lei. Isto porque os fiscalistas, como Luís Leon, da ILYA, e Jaime Esteves, da J+Legal, defendem que um despacho não pode alterar um decreto-lei. Logo, se o despacho vem dar uma orientação diferente do que a que consta da legislação em vigor é “grosseiramente ilegal”, sublinha Luís Leon.
Perante este cenário, tanto a Deco Proteste como a Associação dos Inquilinos Lisbonenses criticam o despacho, mas não mostram intenção de recorrer ao tribunal, o que poderia ser, avisa Jaime Esteves, dispendioso. De acordo com o especialista, os lesados até poderiam conseguir uma indemnização pelos danos causados, mas “sucede que isso implicaria avançar com ações judiciais que, no final, seriam mais onerosas para os particulares do que o valor a que teriam direito a receber”.
Ainda assim, Luís Leon diz que não tem dúvidas de que os cidadãos que recorram ao tribunal verão reconhecido o direito de ver o subsídio ajustado, já que, defende, o decreto-lei não deixa margem para dúvidas: a base de cálculo deve ser o rendimento coletável e não o rendimento bruto.
Beneficiários vão receber carta a explicar valor do apoio
Da parte do Governo, fontes do Ministério das Finanças, do Ministério do Trabalho e do Ministério da Habitação adiantam que mais de 185 mil famílias vão receber este apoio, “o que corresponde a cerca de 200 mil pessoas”. Destas, cerca de 20 mil têm, no entanto, direito a prestações inferiores a 20 euros, o que significa que os subsídios podem ainda não ter sido processados, esclarece o Executivo.
E para tentar esclarecer as dúvidas que persistam, todas as pessoas abrangidas pelo apoio extraordinário à renda vão receber uma carta da Autoridade Tributária com a informação que determinou o valor a ser pago.
Em causa está, importa explicar, uma das medidas desenhadas pelo Governo para dar resposta à crise no mercado da habitação. O subsídio, frisa o decreto-lei publicado a 22 de março, destina-se aos arrendatários com taxas de esforço superiores a 35%, com rendimentos até ao limite máximo do sexto escalão do IRS e com contratos celebrados até 15 de março deste ano.
O apoio, que é atribuído oficiosamente – isto é, não é preciso preencher qualquer formulário de requerimento –, tem o limite máximo de 200 euros, sendo pago pela Segurança Social.
Em declarações enviadas ao JE, os referidos três ministérios deixam ainda um alerta sobre a operacionalização desta medida: quando os dados dos rendimentos transmitidos pela AT e pela Segurança Social ou IHRU não sejam coerentes com os dados constantes dos contratos de arrendamento, evidenciando taxas de esforço superiores a 100%, “o pagamento do apoio deve depender da verificação daquela taxa de esforço, desde logo, em face do rendimento declarado relativamente ao período de 2022, nas declarações de IRS entregues já em 2023”.
Esta verificação visa evitar que, por exemplo, famílias que tenham salários muito baixos por não declararem os rendimentos na íntegra ao Estado tenham direito ao apoio.