Os custos da construção em habitação nova registaram uma variação homóloga estimada de 2,9% em junho. Entre os materiais que mais encareceram neste período, o principal destaque vai para o cimento, que observou um crescimento superior a 20%, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados na terça-feira.
No entanto, e apesar desta subida de dois dígitos, Luís Fernandes, CEO da Cimpor, empresa líder no mercado do cimento, refere em entrevista ao Jornal Económico (JE) que a tendência é para os preços estabilizarem este ano e que só "algo imprevisível", poderá dar continuidade a este aumento.
Em 2021 disse ao JE que a Cimpor teria de subir os preços do cimento em mais de 10% devido aos custos da energia. Dois anos depois essa foi uma decisão acertada?
De facto nessa altura não estávamos à espera que houvesse a guerra da Ucrânia que teve um impacto brutal nos nossos custos, especialmente na energia elétrica e nos combustíveis, também afetados quer pelo preço na origem, quer pelos fretes que aumentaram substancialmente.
Para nós o ano de 2022 foi muito duro e teve que haver uma repercussão nos preços para garantirmos a sustentabilidade e competitividade da empresa. Fizemos aquilo que tínhamos que fazer para cobrir esse aumento brutal de custo das energias, já que nós somos extremamente consumidores de energia térmica e elétrica.
Estamos a falar de que aumentos, nomeadamente na energia e nos combustíveis?
Posso dizer que em termos de combustíveis mais que duplicou e na energia mais que triplicou, comparativamente ao ano anterior. É importante referir também que houve aqui uma ação importante do Governo e na altura do secretário de Estado da Energia, João Galamba, pelas medidas que foram tomadas no final do primeiro semestre do ano passado, a nível da Península Ibérica, atenuou o aumento substancial e teve um efeito positivo.
Como está atualmente a situação da Cimpor?
Face aos aumentos que fizemos e anunciámos no final do ano passado, em dezembro, e que temos mantido pensamos que, a não ser que haja algo extraordinário se vão manter estáveis até ao final do ano. Até porque também a componente energética se tem mantido estável e à partida acho que as coisas vão continuar estáveis até ao final deste ano.
Em termos de negócio impactou-vos mais a guerra do que a pandemia?
Sim, muito mais, nem se compara. O ano passado foi um ano muito mau para nós, daí todo este impacto das energias.
Apesar da guerra continuar já conseguiram equilibrar a empresa?
Sim. Os aumentos que fizemos para compensar os aumentos dos custos energéticos, permitem-nos dizer que até ao final do ano não se prevê qualquer alteração, uma vez garantida esta estabilidade que nós temos assistido.
Como vê o constante aumento dos custos da construção, dos materiais e da falta de mão-de-obra?
A questão dos materiais é tudo fruto das matérias-primas que aumentaram. Aí não vejo que haja grandes hipóteses de grandes reduções, porque há custos de produção que não se poderão alterar, que vieram para ficar, embora possa haver em alguns casos alguma opção, mas noutros casos a manutenção.
A situação que me preocupa mais na construção, mas também na gestão das nossas empresas é a falta de mão-de-obra qualificada. Nós sabemos disso e vemos isso praticamente todos os dias é que a falta de mão-de-obra qualificada está a ter um impacto grande na construção.
Vem alguma mão-de-obra estrangeira, mas que não tem a qualificação adequada. Isto está a ter impacto em toda a construção. Verificam-se também alguns atrasos derivados dessa situação.
O mercado desde o início do ano tem tido alguns altos e baixos. Os primeiros seis meses estão mais ou menos a par do ano passado, embora haja uma componente e nós vemos isto pelo mix de produtos. Falando em granel e saco, vê-se que o granel tem subido e o saco tem descido.
Isto quer dizer que as obras de engenharia têm estado a aumentar e nós vemos isso. Isto tem impacto ao nível do consumo de cimento a granel. Mas por outro lado, o cimento em saco está a reduzir, o que quer dizer que a obra privada, como pequenas moradias, está a baixar e isso sente-se mais nas obras fora dos grandes centros citadinos. Existe também alguma expectativa de quem quer investir. A questão do aumento dos juros também não ajuda.
O que esperam do Plano de Recuperação e Resiliência?
A nossa expectativa é de que se espera que as obras do PRR tragam alguma, não muita, porque há muita obra que não tem consumo de cimento, mas que haja algum impacto no consumo de cimento.
Há anúncios de obras, especialmente na zona de Sines vai haver muita obra privada ligada à indústria, que vai ter impacto no consumo. A nossa expectativa é que este ano fiquemos a par ou ligeiramente acima do ano passado, talvez entre 1% e 2%.
Agora esperamos também que estas obras que estão anunciadas em Sines, algumas em Lisboa, também no Porto e algumas ligadas ao PRR, que haja aqui algum impacto no consumo de cimento, mas mais em 2024.
Na obra mais pequena, de pequenas moradias, a expectativa é de que este ano não haja grande evolução. Vai depender também da evolução das taxas daqui até ao final do ano. Com estas subidas existe de facto uma retração. Pode ser que em 2024 já haja alguma recuperação.
É um ponto de interrogação. A obra de moradia consome muito cimento em saco. O cimento em saco foi o que dinamizou na altura da pandemia, com muita obra privada, as pessoas estavam em casa e aproveitaram para fazer pequenas obras.
Esperam apoios vindos do PRR?
A Cimpor concorreu e já teve um parecer positivo em obras relacionadas essencialmente com a descarbonização da indústria. É algo que é fundamental para nós, para garantir a competitividade e a sustentabilidade da indústria com os desafios que nós temos da Comissão Europeia em termos de redução das emissões de CO2 a 2030 e 2050. Temos duas grandes obras em Alhandra e Souselas, que têm o apoio do PRR.
A Cimpor investiu 100 milhões para reduzir as emissões de CO2 até 2030, em quase 40% e pediu mais investimento em infraestruturas para atingir essa neutralidade carbónica até 2050. É possível alcançar estes objetivos?
Vai acontecer não há hipótese. Nós avançámos porque existe essa intenção do nosso acionista, como disse, para garantirmos a nossa competitividade. Se nós tivermos que ir ao mercado, nalguns casos já se vai comprar CO2 para garantir a produção, para abastecer o mercado, nós perdemos competitividade. O CO2 atualmente anda à volta dos 88 a 90 euros e isso teria um impacto muito grande.
Tudo aquilo que nós temos no nosso plano estratégico para reduzir as emissões de CO2 específicas por tonelada de cimento estamos a fazê-lo, algumas no âmbito do PRR. Vamos ter um investimento muito grande, cerca de 100 milhões de euros, num dos fornos de produção em Alhandra, mas também na questão das energias fotovoltaicas, aproveitar os gases quentes do forno para a produção de energia elétrica.
Há outros investimentos em andamento para reduzir a incorporação de clínquer no cimento. Isso não pode parar, porque nós sabemos que temos este objetivo e essa estratégia também da Comissão Europeia e que já saíram regras que serão aplicadas de redução das licenças gratuitas de CO2 para a indústria.
Não podemos parar, antes pelo contrário, temos que acelerar. E com esta aceleração até se calhar em 2030 conseguiremos o nível mais baixo de emissões de CO2 por tonelada de cimento do que aquilo que tínhamos no nosso plano estratégico há dois anos.
Falou da falta de mão-de-obra qualificada. Isso acontece porque os portugueses não querem trabalhar nesta indústria ou porque aqueles que têm qualificações vão para fora por questões financeiras?
As duas coisas. Por exemplo, se falarmos ao nível da engenharia há muitas pessoas formadas que vão para fora. Há as condições salariais como nós sabemos e aqui falta competitividade das empresas nacionais para fazer face às outras empresas europeias. Por outro lado, se formos para situações de pessoas ligadas à construção civil ou mesmo na indústria com qualificações mais baixas, também se nota uma falta de pessoas.
Depois vão-se arranjando algumas pessoas de outras nacionalidades e encontram-se algumas com a qualificação, mas encontra-se muitas com pouca qualificação. Acho que deveria haver aqui uma estratégia a nível nacional e até europeu para com a falta de mão-de-obra.
Com o envelhecimento da população não só nacional, mas europeia devia haver uma estratégia de recebimento desses imigrantes com objetivos bem definidos de formação e destinos definidos para que a própria Europa possa aproveitar e investir nessa mão-de-obra.
Essa mão-de-obra internacional que chega a Portugal vem de que países?
Temos alguns do Brasil, da Ucrânia e depois países como a Índia ou Nepal, mas nestes casos menos.
Em relação a essa estratégia a nível europeu. No caso de Portugal tem havido vontade do Governo em mudar a política na área da construção?
Sei que ao nível da CIP [Confederação Empresarial de Portugal] está a ser preparado um trabalho para todas as empresas, não só a indústria, mas outras empresas. Nós apoiamos o presidente da CIP em todas essas iniciativas e esperemos que deem resultados o mais rapidamente possível.