O PPR Casa Global Value/Save&Grow da Casa de Investimentos liderou o crescimento do volume de gestão de ativos entre as sociedades gestoras nacionais em Portugal, com uma subida de 43,2% na primeira metade do ano, segundo o relatório de junho da Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Património (APFIPP). Em entrevista, a fundadora e CEO da Casa de Investimentos, Emília Vieira, fala do impacto da atual conjuntura macroeconómica na poupança e nas empresas, bem como da filosofia de investimento em valor, que é seguida por investidores como Warren Buffet e que a instituição sediada em Braga adotou desde o seu nascimento, em 2010.
O que explica, na sua opinião, este crescimento do volume de ativos sob gestão do vosso Plano Poupança Reforma (PPR) Global Value / Save & Grow?
Este crescimento é resultado de vários fatores: uma parte é a valorização da carteira de investimentos, que neste primeiro semestre foi de 26,65%. O restante, são entradas de novos fundos de novos clientes e reforços de contas.
Temos tido também um número muito crescente de transferências de Planos Poupança Reforma (PPR) de outras instituições financeiras. As pessoas têm percebido que têm PPR, muitas vezes esquecidos, que não têm rentabilidade praticamente há uma década. Ao transferirem para o nosso PPR, mantêm todos os benefícios e estão a investir num PPR com melhores rentabilidades e com informação transparente.
O facto de a Casa de Investimentos ter já um histórico de 12 anos, com uma rentabilidade anualizada líquida para os clientes de 7,2%, também tem contribuído para este crescimento.
O que distingue este PPR de outros produtos no mercado? É a sua composição? O facto de assentar na filosofia do investimento em valor?
Acreditamos que a filosofia de investimento em valor e a consistência com que a praticamos nos distingue no panorama nacional. O fundo investe 100% em ações de empresas com negócios globais que consideramos de qualidade excecional e nas quais temos grande convicção. Concentramos os nossos investimentos em 25 a 30 empresas de qualidade e com negócios muito rentáveis e balanços sólidos. Os nossos investimentos não seguem modas ou tendências de momento. Não tentamos adivinhar o comportamento dos mercados financeiros. No fundo, a nossa filosofia de investimento é a de um investidor empreendedor, que tem convicção do valor em que está investido e mantém-se fiel a uma estratégia de longo prazo.
Os nossos Clientes confiam no nosso propósito de ajudar as famílias a criar riqueza a longo prazo. A transparência com que lhes prestamos contas, a filosofia de investimento e os resultados são as nossas vantagens competitivas e o que nos distingue. Os nossos clientes estão muito em sintonia com a Casa e isso é muito importante para criarmos valor a longo prazo. Ainda não chegamos à legião de investidores em valor que queremos ter, mas os nossos clientes têm contribuído muito para o nosso crescimento com as recomendações que fazem da Casa de Investimentos.
A subida das taxas de juro está a ter algum impacto – positivo ou negativo – na vossa atividade?
Depois de quase 14 anos de taxas de juro perto de zero - taxas reais negativas - foi necessário encetar a maior subida de taxas no mais curto espaço de tempo dos últimos 40 anos. Com políticas monetárias agressivas por parte dos bancos centrais, a narrativa dominante nos mercados antecipava uma recessão. Por isso, os mercados acionistas e obrigacionistas caíram ao longo de 2022.
Para as obrigações foi particularmente mau...
Este foi o segundo pior ano dos últimos 100 para a classe obrigacionista. As obrigações com maturidades longas e ações de maior crescimento - onde se enquadra o setor de tecnologia - tiveram desvalorizações mais elevadas. Isto aconteceu porque uma parte significativa dos cash-flows destes ativos ocorre no futuro. Ao avaliarmos qualquer ativo hoje - uma ação, obrigação, imóvel - teremos que descontar os seus cash-flows futuros a uma taxa de juro mais elevada. Consequentemente, teremos um valor menor.
O Sr. Warren Buffett costuma dizer que as taxas de juro são gravidade para as ações. Taxas de juro elevadas não favorecem nenhuma classe de ativos. Contudo, as empresas que têm poder de fixação de preço nos seus produtos ou serviços conseguem passar a inflação para os consumidores e sofrerão certamente um impacto menor. Se as empresas tiverem um balanço sólido e forte geração de free cash-flow, só dependem de si para financiarem a sua atividade e crescimento. Por isso, é fundamental sabermos a qualidade dos balanços das empresas em que estamos investidos e a sua independência de financiamento, quer bancário, quer através de emissão de ações que levam à diluição dos acionistas. Para nós, só as melhores empresas servem para o nosso portfólio. As empresas mais alavancadas, nestes níveis de taxas de juro, a par de uma inflação elevada, deverão ter muito mais dificuldade em manter as suas rentabilidades e os resultados.
Investem em empresas com dívida significativa?
A maioria das empresas em que estamos investidos não têm dívida. A Alphabet, por exemplo, se investir a liquidez que tem disponível em bilhetes do tesouro americano consegue um rendimento em juros de 6 a 7 biliões de dólares. Sim, biliões.
Tendo em conta esta conjuntura, o que espera para o mercado de ações em 2023 e 2024?
Neste momento, o mercado não espera mais subidas de taxas. Esperam-se já descidas para meados de 2024. Mas, o que os mercados esperam hoje pode ser muito diferente daqui a dois meses. Basta olhar para as expectativas ao longo dos últimos dois anos. A grande incógnita é até que ponto a economia vai abrandar em função das subidas de taxas que já tivemos. O impacto não é imediato, demora alguns meses a refletir-se na economia.
É um pouco como aquela célebre frase de um futebolista, "prognósticos só no fim do jogo"...
No final de 2021, a maioria das instituições financeiras previa uma subida dos mercados em 2022. A guerra na Ucrânia e a inflação levaram a uma queda muito significativa. No final de 2022, a maioria previa uma recessão e que os mercados continuariam a recuar. Voltaram a estar errados. Afinal a economia tem-se revelado mais resiliente e os Estados Unidos cresceram a 2,4%. Estes exercícios de previsões são inúteis. Em todo o caso, as recessões fazem parte dos ciclos económicos e temos que viver com isso.
Achamos este exercício uma perda de tempo. Não temos qualquer forma de prever o que vai acontecer daqui a um mês ou a um ano nos mercados financeiros. Não sabemos se os mercados farão grandes recuos antes de fazerem novos máximos. Contudo, sabemos que estamos investidos num portfólio de excelentes empresas e que os seus lucros, daqui a cinco ou seis anos, serão muito superiores ao momento atual. Para nós, este é o conforto que precisamos para estar investidos e confiantes para reforçar os nossos investimentos. Foi o que fizemos no ano passado queda dos mercados. É isto que transmitimos aos nossos clientes e esperamos que também seja o bastante para eles. Tudo faremos para proteger e aumentar os valores que nos confiam.
Acha que a subida das taxas de juro é uma wake up call para as empresas começarem a valorizar mais o mercado de capitais como fonte de financiamento, em alternativa à banca, que durante uma década emprestou dinheiro a taxas muito baixas, mas que agora já não o poderá fazer mais?
A subida de taxas de juro é semelhante nos empréstimos obrigacionistas e nos empréstimos bancários. É natural que o mercado de capitais continue a crescer como fonte de financiamento.
A Casa de Investimentos tem sido a grande proponente do investimento em valor em Portugal, investindo em empresas que cumpram determinadas caraterísticas. Mas muitas empresas atravessam ou antecipam momentos difíceis, com a subida dos custos. O que espera a esse nível? Vai continuar a haver boas empresas – em Portugal e no estrangeiro - em que poderão continuar a investir de acordo com a vossa filosofia?
Sim, é verdade. O que fazemos é muito simples. Procuramos investir num conjunto de negócios excecionais que conseguem capitalizar lucros ao longo de períodos alargados. O que é para nós uma empresa excecional? É uma empresa de elevada qualidade, sustentada por três pilares fundamentais. Primeiro, deve ter vantagens competitivas duradouras porque é isso que lhe permite ganhar retornos acima da média. Segundo, deve ter uma equipa de gestão com provas dadas a alocar capital a investimentos igualmente rentáveis. Terceiro, deve ter oportunidades de crescimento. É importante que estes negócios sejam suportados por balanços sólidos, que lhes permita ter a flexibilidade e capacidade para reinvestir ao longo do ciclo económico.
O mercado não se movimenta todo ao mesmo tempo. Muitas vezes o mercado movimenta-se por modas ou temas, criando boas oportunidades em setores que são deixados para trás. Como investidores em valor numa carteira concentrada, não precisamos de muitas oportunidades. Mantemos sempre uma watchlist de empresas que vamos avaliando e que gostávamos de comprar. Quando a oportunidade surge no mercado, investimos.
É verdade que muitas empresas atravessarão momentos muito difíceis. O excesso de dívida em muitos casos e a degradação das margens provocada pela inflação e consequente aumento de custos, tornarão muitos negócios menos rentáveis. A questão é quanto tempo se manterá a inflação tão elevada e que nível de inflação estão os governos dispostos a suportar. Sabemos que as dívidas dos países estão em máximos e que o aumento das taxas de juro também agrava os custos da dívida dos países. Para além disso, a inflação mais elevada é uma ajuda enorme para os governos reduzirem a dívida.
Uma forma de austeridade via inflação, para reduzir as dívidas públicas que subiram muito durante a pandemia.
Exatamente. O economista escocês Russell Napier defende que estamos perante um período de repressão financeira em que a inflação será mantido um pouco acima do nível das taxas de juro. E vai mais longe, segundo Napier, esta é a forma de ir “roubando dinheiro” devagarinho aos mais velhos, para que não se apercebam, para pagar as dívidas dos Estados. Os mais velhos, normalmente, investem em produtos de taxa fixa (dívida de governos e de empresas). Ora, se as taxas de juro estiverem um pouco abaixo da inflação, o seu dinheiro vale cada vez menos investido nestes produtos.
Vai ser muito interessante ver como se fará este ajustamento a um novo regime de taxas de juro e de inflação mais elevadas.
A inflação tem vindo a descer, mas continua relativamente elevada. É uma má notícia para quem quer investir e poupar, ou há alternativas que permitam enfrentar esta conjuntura?
A inflação tem vindo a descer, embora mais nos Estados Unidos do que na Europa. A inflação elevada, de uma forma genérica, é má. Quando temos uma inflação baixa e estável é mais fácil planearmos a nossa vida a longo prazo e ter ideia do que precisamos, por exemplo, para a reforma. A inflação corrói a riqueza e cria imensas desigualdades sociais e pobreza. É importante que os bancos centrais mantenham o mandato de controlo da inflação, para que haja maior previsibilidade na nossa vida e que de uma forma generalizada todos possam viver melhor no futuro. Claro que isto tem custos no curto prazo. Mas é o que deve ser feito.
Para quem quer poupar e investir, a inflação elevada não é uma boa notícia. Depende de como se investe. A poupança em Portugal está sobretudo investida nos bancos em depósitos à ordem e a prazo que, como sabemos, estão a perder todos os dias poder de compra para a inflação. As taxas de juro pagas pelos depósitos à ordem são zero e pelos depósitos a prazo, apesar de começarem a subir, estão muito abaixo da inflação. A maioria dos portugueses continua a considerar-se conservador em matéria de investimento. No entanto, a forma como investem não lhes tem permitido conservar o seu poder de compra. De uma forma geral os portugueses gostam de investir em produtos com capital garantido e taxas de juro fixas, como são as obrigações, os certificados de aforro - que são dívida do Estado - fundos de investimento que investem a maior parte do capital em emissões obrigacionistas. Aliás, muitos dos PPRs que existem em Portugal são de capital garantido. O que podemos ver agora é que garantiram perda de poder de compra.
Infelizmente, estamos a empobrecer.
Na sua opinião, portanto, as ações são a melhor alternativa, se forem bem escolhidas.
A história e o conhecimento que hoje temos, com tantos estudos académicos, mostram que as ações são por larga margem a melhor classe de ativos para investir a parte da poupança que pode estar investida a longo prazo. O problema é que aqui também as instituições financeiras prestaram um péssimo serviço aos investidores que, tantas vezes e em tantos casos, perderam dinheiro e colecionam experiências más. Temos um grande problema de iliteracia financeira, que representa um custo enorme para o país. Já era tempo de andarmos mais depressa, também nesta matéria. Era bom que muitos mais pudessem beneficiar desse conhecimento.
Lançaram no início do ano passado o Programa Corporate Financial Wellness, que permite às empresas pagar uma parte do vencimento dos colaboradores na forma de PPR. Quantas empresas aderiram a este programa?
Este é um programa em que trabalhadores e empesas ganham e não é obrigatório que todos os trabalhadores adiram ao PPR. Primeiro, nem a empresa nem o trabalhador pagam TSU, o que representa uma poupança conjunta de 34,75%. Este programa inclui uma componente muito relevante de literacia financeira que pretende dotar os colaboradores de ferramentas que os tornem mais capazes de fazer escolhas e defender o seu melhor interesse. Nesta altura, temos já cerca de 100 empresas aderentes.
É uma forma de criar uma alternativa ao sistema público de pensões, portanto.
Este deve ser um movimento crescente e acreditamos que cada vez mais empresas estão muito motivadas para que os seus colaboradores tenham mais rendimento disponível e maior segurança financeira.
A Segurança Social, sabemos todos, não tem sustentabilidade. É importante promover a poupança a longo prazo, a sua rentabilidade adequada e ajudar a que cada um se prepare para um futuro em que vivemos mais tempo.