Portugal é o país europeu mais vulnerável a apagões, a par de Espanha, devido à falta de ligações internacionais de eletricidade, segundo um estudo realizado pelo 'think tank' britânico Ember, focado no estudo da transição energética.
Apesar de o estudo colocar os dois países em pé de igualdade, a verdade é que Portugal recuperou do apagão ibérico mais tarde do que Espanha, que teve a vantagem de reiniciar a sua rede elétrica com a ajuda de França e de Marrocos.
"A Península Ibérica é mais vulnerável a riscos de apagões do que qualquer outro país europeu devido a ligações limitadas à rede continental. Após o apagão, Portugal e Espanha apelaram à UE para apoiar novos projetos de interligações, citando a necessidade de ligações mais fortes para evitar futuras disrupções", segundo o documento.
Os dados mostram que a interligação elétrica entre a Península Ibérica e França está em apenas 3%, ainda longe das metas de 10% e 15% para 2020 e 2030, representando um risco sistémico para o restante sistema energético europeu.
Alias, no País Basco há relatos de que o apagão no dia 28 de abril foi muito breve (15 minutos) com a eletricidade francesa a ajudar à recuperação rapidamente a partir do norte de Espanha para o resto da Península. Já Portugal ficou umas boas horas à espera da eletricidade espanhola, com a ajuda de apenas duas centrais em regime de black-start, a central a gás natural em Gondomar, e a central hídrica de Castelo de Bode em Tomar.
Portugal demorou o quádruplo do tempo face Espanha a arrancar com o mecanismo de reinício do sistema elétrico (conhecido por black-start) após o apagão ibérico no dia 28 de abril, segundo o relatório preliminar da associação europeia que junta as empresas gestoras da rede de transporte de eletricidade (ENTSO-E).
Se Espanha conseguiu arrancar com as suas centrais em black-start uma hora depois do apagão, Portugal demorou quase quatro horas para arrancar com a primeiro central e quase cinco horas para arrancar com a segunda central. Face ao arranque de Espanha, foram quase 3 horas para a primeira central e quase quatro horas para a segunda central. Os espanhóis tiveram a ajuda das interligações nesta tarefa, ao contrário de Portugal.
Recordando o 'blackout', o 'think tank' britânico destaca que foi o "maior apagão da história da Europa moderna" com mais de 60 milhões de pessoas a ficarem às 'escuras' durante horas.
"Causas múltiplas provocaram o incidente" que teve origem em Espanha e o relatório final dos operadores europeus (ENTSO-E) será divulgado em outubro.
"O que é certo neste momento, é que as interligações foram essenciais para restaurar o sistema elétrico ibérico. Apenas 10 minutos após o apagão, a primeira linha Espanha-França foi energizada, seguindo-se a interligação com Marrocos e outras ligações com França. Com a ajuda de unidades a gás e hídricas, o restauro total de Espanha teve lugar às 4h00 de 29 de abril, 16 horas após o incidente", pode-se ler.
O centro de estudos destaca que 3 apagões na UE foram "evitados ou geridos" graças às interligações nos últimos 5 anos.
Na Europa, 55% do sistema elétrico tem capacidades limitadas de importação de eletricidade, "aumentando o risco de apagões". A Ember aponta que Espanha, Irlanda e Finlândia estão "particularmente expostas", a que se pode juntar Portugal por estar mais isolado ainda, com "pouco apoio disponível dos vizinhos em caso de incidentes na rede".
Por outro lado, o relatório destaca que a Ucrânia e a Moldávia teriam sofrido graves perdas de eletricidade "devido à agressão russa", se não fosse pelas interligações com países da UE.
Já nove casos recentes de infraestruturas sabotadas no Mar Báltico destacam a "necessidade de proteger a infraestrutura de interligações europeia".
Para Pawel Czyzak, diretor da Ember, a infraestrutura energética europeia está "sob ataque, com a campanha de guerrilha híbrida da Rússia a escalar todos os dias". As interligações são a "espinha dorsal da segurança energética" e a "expansão e segurança das redes precisa de ser tratada como um elemento vital de proteger a sociedade europeia de ataques".
Já Isabelle Dupraz, diretora da European Initiative for Energy Security, defende que o aumento de energias renováveis deve ser acompanhado por "investimento em modernização da rede para garantir a eletrificação em grande escala, reforçando a estratégia autonómica da Europa e para energizar a sua economia moderna".
Portugal quer Bruxelas a pressionar França para interligações avançarem
As interligações de eletricidade entre a Península Ibérica e França devem deixar de ser um tema exclusivo de Portugal e Espanha, passando a ser uma questão da União Europeia.
Os governos de Portugal e de Espanha enviaram uma carta à Comissão Europeia no final de maio solicitando que as interligações ibéricas sejam consideradas estratégicas para alavancar o projeto. Após o apagão ibérico de 28 de abril, Lisboa e Madrid uniram esforços para colocar o tema na agenda e derrubar a intransigência de Emmanuel Macron.
Lisboa e Madrid estão a trabalhar para que o tema “seja considerado uma questão europeia, porque é uma questão do mercado de eletricidade europeu e do mercado interno. Se houver algo que seja visto como uma barreira ao mercado interno, a Comissão Europeia não hesitará em nos enviar uma carta de aviso, e esperamos a mesma atitude em relação à França”, acrescentou Maria da Graça Carvalho na missiva escrita a 28 de maio.
“É essencial reiterar que é imperativo agir decisivamente”, afirmam na carta destinada ao comissário europeu para a Energia, Dan Jorgensen.
As duas ministras mencionam que estão a contactar a Comissão Europeia novamente para reiterar o apelo por um ímpeto político renovado, aproveitando a moldura legal atual e futura, especialmente no contexto do futuro Pacote de Redes. “A conclusão das interligações elétricas na Península Ibérica já não é uma opção: é partilhar a responsabilidade pelo futuro energético da Europa”, afirmam.
Também a Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN) já defendeu que o apagão deve ser encarado como uma “oportunidade para reforçar a resiliência e soberania energética da Europa, evitando a dependência de países exportadores de combustíveis fósseis”. E quer o "reforço das interligações elétricas entre a Península Ibérica e o resto da Europa, em especial com França, para garantir maior robustez e equilíbrio do sistema elétrico".
Lisboa e Madrid propõem um encontro com o comissário europeu para discutir o tema, bem como um encontro ministerial em 2025, para que, em conjunto com França e Bruxelas, se estabeleçam metas e datas específicas em linha com os objetivos europeus nas próximas décadas.
As ministras argumentam que a falta de integração das redes elétricas “restringe a total exploração do potencial renovável no sudoeste europeu, aumenta os preços de eletricidade, mina a segurança de abastecimento e reduz a capacidade coletiva de responder efetivamente a crises ou disrupções nos mercados energéticos”.
“Apelamos novamente à Comissão Europeia para dar uma prioridade urgente à conclusão destas infraestruturas críticas”, referindo-se às duas interligações via Pirenéus que foram incluídas na lista de projetos prioritários europeus em 2021. “Um compromisso político e financeiro firme é necessário, a todos os níveis, para assegurar a integração efetiva da Península Ibérica no sistema energético europeu”, acrescentam.